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quarta-feira, 16 de novembro de 2022

José Saramago (1922-2010)

 

JOSÉ SARAMAGO (1922-2010)

O José, esse escritor tardio que dizia sermos «as palavras que usamos», estaria hoje a festejar o seu centésimo aniversário, e nós todos, amigos, camaradas, leitores, admiradores, estaríamos com ele nesse banquete de afago, fruindo a sua presença completa. Era perfeitamente possível essa presença estar a acontecer neste dia, por ser hipótese não contraditora das universais e objectivas leis naturais que determinam limites de longevidade humana. Mas como nem todo o possível se realiza, o centenário celebra-se com presença de outro tipo, mais mental do que física, mas não necessariamente menos intensa.

O maior e melhor preito que se pode prestar a um Autor literário é tornar presente a sua obra, fazê-la circular, integra-la no nosso viver quotidiano através do fomento da leitura, do estudo, da atenção reflexiva potencialmente propiciadora de outros percursos, de outros gestos criativos.

Assim sendo, quero, também aqui, nesta data especial e neste moderno espaço de comunicação pública, prestar muito sentida homenagem ao magnífico criador literário, ao intelectual inteiro, ao cidadão praticante, ao combatente, mas acima de tudo ao homem solidário, ao Amigo que já laureado com o Nobel e ocupado com os multímodos afazeres associados à justa fama planetária, ao fim de certo dia, tendo sabido de uma angustiante dificuldade com que eu me debatia, não demorou a pegar no telefone, lá longe, no ninho de Lanzarote, para me fazer chegar urgente solução prática embrulhada em um terno incentivo à superação do obstáculo. É este o tipo de atitude que sinaliza a comparência de pessoa de excelência.

Parabéns e obrigado por tudo, querido Amigo José!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 16 de Novembro de 2022

[Texto também publicado no Facebook, na página do autor]

quinta-feira, 2 de junho de 2022

Incómodo de uma entrevista a um filósofo


Por motivo fácil de adivinhar, causa-me especial apoquentação observar um filósofo a elaborar discurso pouco rigoroso, impreciso, distanciada da racionalidade e, por isso, gerador de confusão. Foi esse tipo de incómodo que brotou em mim ao assistir à entrevista televisiva dada pelo filósofo José Gil ontem, dia 1 de Junho, à RTP3 (no programa “Grande Entrevista”).

Centrando-se na questão da guerra na Ucrânia, José Gil afirmou que os russos exercem «uma violência que é comparável à exercida [pelos nazis] sobre os judeus». E acrescentou: «Mariupol e outras cidades [ucranianas] são comparáveis a campos de concentração, a campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau; […] O que se está a passar é um genocídio […], é acabar com um povo. Até se passearam fornos crematórios em camiões russos».

Asserções deste teor traem a função intelectual e cívica do sujeito filósofo agindo no quadro de uma sociedade histórica concreta.

O III Reich (Das Dritte Reich, 1933-1945, ou Grossdeutsches Reich, a partir de 1943) foi um fenómeno absolutamente singular na história da Humanidade; qualitativa e quantitativamente sem paralelo com nenhum outro acontecimento histórico.  

A condenação inequívoca da invasão da Ucrânia pela Rússia é de certa forma um imperativo imediato “pré-político”, no sentido em que o juízo moral antecede o puro juízo político, embora sendo sempre, ao cabo de contas, um juízo ético-político. Mas isso não justifica nem pode justificar uma parcialidade tão destemperada como a exibida em afirmações como as aqui transcritas.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 2 de Junho de 2022

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 14 de maio de 2022

Perigoso contentamento

 

Perigoso contentamento

 

Nas últimas 48 horas temos assistido a infindáveis manifestações de contentamento pelo facto de a Finlândia e a Suécia pretenderem aderir à NATO (responsáveis políticos ocidentais, comentadores, jornalistas, em coro afinado). Há poucas horas, o Partido Social-Democrata da Finlândia, a que pertence a primeira-ministra finlandesa Sanna Marin, anunciou com entusiasmo o seu amplo apoio à candidatura do país à NATO (os 60 membros da direcção partidária votaram por larga maioria favoravelmente à candidatura: 53 votos a favor e apenas 5 votos contra).

Não consigo acompanhar esta satisfação generalizada.

Alguns vão ficar horrorizados, sei bem; mas não deixo de declarar abertamente que, neste particular, concordo com a opinião de Putin, o tirano neofascista e imperialista que delineou cuidadosamente um plano de combate contra a civilização ocidental (em processo de decadência) e em defesa da revitalização da Rússia imperial. É um “erro”. Foi a curta resposta telefónica de Putin ao presidente finlandês, Sauli Niinistö, há poucas horas.

Se muito não erro, a decisão anunciada representa um passo na direcção errada. Em vez de um esforço da atenuação da conflitualidade ameaçadora da paz mundial, representa a passagem para um patamar de maior conflitualidade. Militariza-se a diplomacia coerciva. Alimenta-se a fornalha bélica.

Posso estar enganado, como sempre, mas a decisão da Finlândia parece-me favorecer os interesses do governo de Moscovo. Fornece os ingredientes essenciais ao processo de mobilização global da Mãe Pátria, da grande Pátria russa. É o que Putin precisa.

Os servidores da tirania russa não perderam tempo. Há pouco mais de duas horas Serguei Lavrov afirmou numa conferência de imprensa:

                                    «O Ocidente declarou a guerra total à Rússia».

Recomendo que se escute com muita atenção o teor completo das declarações do ministro dos negócios estrangeiros, Serguei Lavrov, em que este também refere a organização deliberada da “russofobia” (conferência de imprensa de hoje, 14 de Maio de 2022).

Os dirigentes políticos ocidentais não mostram estar à altura dos acontecimentos históricos em curso e continuam a brincar com o fogo. Talvez convenha não esquecer que a falta de qualidade dos líderes políticos foi uma das causas da I Guerra Mundial.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 14 de Maio de 2022

 

 

 


segunda-feira, 25 de abril de 2022

Respostas em defesa de três pessoas

 

Manifestar publica discordância com a posição do PCP relativamente à invasão da Ucrânia ou analisar a guerra numa óptica não absolutamente coincidente com a do governo e do exército ucranianos tem dado azo a desagradáveis ataques pessoais. Nas últimas horas, publiquei no Facebook, mas em páginas alheias (a dos amigos Maria Isabel Santos Isidoro e João Paulo Oliveira), dois escritos motivados por ataques, de que tive conhecimento por várias vias, dirigidos a Ricardo Araújo Pereira, José Pacheco Pereira e ao major-general Carlos Branco (que tem comentado a situação na Ucrânia na CNN-Portugal e em outros órgãos de comunicação). Transponho agora aqui para o blog e também para a minha página do Facebook esses meus dois escritos, em que assumo, por diferentes razões, a defesa dos visados. Para uma melhor contextualização será necessário visitar as páginas antes indicadas.

 

Texto 1

José…, não creio que a Isabel concorde com os teus exemplos... O Ricardo Araújo Pereira é cidadão que há muito vota no PCP; mas nenhum cidadão eleitor está obrigado a concordar com todas as posições políticas assumidas pelo partido em que votou. Apoiar um partido não deve ser um acto de fé, um gesto ditado pela crença. Hoje mesmo, dia 25 de Abril, o PCP interveio na AR colocando a tónica no "combate ao pensamento único", pelo que deverá aceitar que quem, como o Ricardo, nele votou, possa pensar de forma diferente e criticar o PCP relativamente a uma questão actual concreta: a posição face à invasão da Ucrânia e à guerra em curso nesse território. O PCP é o único partido português genuinamente enraizado na terra dos humilhados e ofendidos, para utilizar expressão do meu caro Dostoievski. É no espaço político institucional do PCP (com destaque para os sindicatos) que o mundo do trabalho, que os humilhados e ofendidos deste nosso Portugal se vêem mais autenticamente representados. Tenho motivos para acreditar que o Ricardo Araújo Pereira (que me choca ver ser por ti chamado de "palhaço rico") subscreve esta minha velha opinião. Eu, ele e muitos outros na área da "esquerda radical" (como agora se diz, com má intenção mas involuntário rigor) consideramos que a posição do PCP face à agressão bélica da Rússia à Ucrânia é eticamente reprovável, politicamente incorrecta e até completamente disparatada (excepção à regra a que o partido nos habituou). Esta crítica racional em nada invalida a minha anterior declaração sobre o histórico papel de representação de um sector da sociedade portuguesa. Quanto ao José Pacheco Pereira, limito-me a recordar que é um muito sério e competente historiador que tem desenvolvido vasto trabalho de investigação historiográfica sobre o PCP e sobre a biografia política de Álvaro Cunhal, para além da nobre defesa da Memória através do notável arquivo "Ephemera". Temos tema para muitas conversas não virtuais. Esta transposição hodierna do diálogo interpessoal para a esfera virtual, quase anulando a vivência real, é um dos problemas sérios do mundo contemporâneo. Mais um a convocar o nosso filosofar. […]

 

 

Texto 2

João…, conheço pessoalmente o major-general Carlos Branco. É um homem sério, cidadão praticante, com experiência directa desse tremendo fenómeno que é a guerra e conhecedor do peso da desinformação em contexto bélico; tem sido, por isso, exemplo de esforço de elaboração de análises racionais, tão objectivas quanto possível neste momento em que a guerra ainda rola, e introduzindo o exercício dubitativo – atitude que particularmente estimo, dado ser eu um profissional da dúvida. Tem tido a humildade de reconhecer erros ou imperfeições nos seus comentários públicos – outra atitude do meu especial agrado (também por imposição de ofício). Lamento os ataques de que tem sido vítima.

João Maria de Freitas Branco

 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Madalena Sá e Costa

 

MADALENA SÁ E COSTA (1915-2022)

Durante a tarde deste dia 18 de Abril chegou-me a amarga notícia do falecimento de Madalena Sá e Costa, violoncelista aclamada e notável professora, verdadeira personalidade artística que em tanto concorreu para o enriquecimento do meio musical português.

Há alguns anos, na minha então qualidade de presidente do Ginásio Ópera, tive o gosto de organizar, em Lisboa, no Palácio Foz, uma sessão de homenagem a Madalena Sá e Costa, evocando a sua carreira de violoncelista e pedagoga. As nossas famílias estiveram ligadas ao longo de várias gerações, e tive a satisfação de com ela participar em diversas iniciativas culturais, nomeadamente em várias edições do Concurso de Instrumentos de Arco Júlio Cardona, organizado por um nosso amigo comum, o incansável Manuel Campos Costa (delegado da JMP da Covilhã), o que regularmente nos proporcionava tempo alargado de agradável convívio. Nas conversas que mantivemos, Pedro de Freitas Branco (meu tio-avô) era reiteradamente evocado como tendo sido um dos maestros com quem mais gostara de trabalhar.

Na cidade do Porto, fui beneficiário da generosa e muito amiga hospitalidade das irmãs Helena e Madalena Sá e Costa, fruindo a singular ambiência cultural da casa de porta verde do Largo da Paz – toponímia certeira, pois aí, entre as paredes desse domicílio que é uma espécie de templo da música, respirava-se o puro ar da paz culta gerada pela criatividade artística e intelectual. Guardarei para sempre a cara memória das animadas, afáveis e muito enriquecedoras conversas que aí tive com as duas Artistas: a pianista, falecida em 2006, e a violoncelista que agora nos deixou.

Para mim, este doloroso momento é, essencialmente, o da perda de uma Amiga, pessoa que, para lá do valor artístico, sempre muito estimei pela bondade, honestidade, finura que punha em tudo o que fazia, cultivando uma verdadeira aristocracia de sentimentos.

Aos filhos, Henrique Gomes de Araújo e Helena Araújo, aqui deixo um muito sentido abraço de pêsames.

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 18 de Abril de 2022

 

NOTA: Este texto começou por ser parcialmente publicado no Facebook.

 

quinta-feira, 14 de abril de 2022

José Manuel Tengarrinha -- Recordação

 

Se o historiador José Manuel Tengarrinha ainda estivesse entre nós, teria feito 90 anos no passado dia 12 de Abril. Helena Pato, administradora do grupo “FASCISMO NUNCA MAIS! (no Facebook), lembrou nesse dia o combatente antifascista falecido em 2018. Comentei a publicação com o seguinte texto:

Para além de todas as cumplicidades de muitos anos, ainda tive o gosto acrescido de ter estado com o José Manuel Tengarrinha numa histórica experiência democrática: a primeira vez que em Portugal se utilizou o formato de primárias abertas para a constituição de uma lista de candidatos às eleições legislativas, rompendo com a tradição dos candidatos indicados pelas cúpulas partidárias. Uma feliz iniciativa do partido LIVRE tendo em vista as Eleições Legislativas de 2015. Como fomos ambos escolhidos nessas primárias abertas, integrámos depois a lista oficial de candidatos do LIVRE/Tempo de Avançar à Assembleia da Republica. Foi a primeira vez que o LIVRE se apresentou às eleições legislativas, não tendo conseguido eleger nenhum candidato. Curiosamente, o mandatário nacional dessa candidatura era também um prestigiado historiador: José Mattoso. Boas memórias. É sempre bom recordar o José Manuel Tengarrinha e justo prestar-lhe homenagem. Abraço grande, Helena.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 14 de Abril de 2022

domingo, 10 de abril de 2022

Conversa virtual sobre a guerra na Ucrânia (continuação)

 

Resposta de Francisco Bethencourt (8/4/22):

«Aprecio o tom desta ultima mensagem, mas nao me parece que o uso do nuclear seja para breve. A derrota da tentativa de conquista da Ucrania esta a assentar, os russos estao a digerir o triunfalismo deslocado e a humilhacao de um exercito baseado em bluff e inferiorizado por corrupcao generalizada. Optaram por concentrar-se num improvisado plano B de conquista do Donbas e da costa do mar Negro. Veremos se conseguem obter o que pretendem. Nao me parece que estejam inclinados para negociacoes de paz, nem eles nem os ucranianos. Nao vale a pena manifestar fraqueza frente ao projecto nacional-imperialista russo de inspiracao fascista, os ucranianos mostram toda a capacidade.»

 

Resposta de JMFB (10/4/22):

Posso estar enganado, mas penso que com o aparecimento das armas nucleares tácticas se operou uma transformação profunda na estruturação dos conflitos político-militares. Manifestar fraqueza perante Putin seria grave erro, sem dúvida. Concordo em absoluto. Mas, se muito não erro, negociar e repensar atitudes não é necessariamente uma manifestação de fraqueza; é, muitíssimas vezes, a expressão do poder da racionalidade, e, nessa precisa medida, uma manifestação de força. Admito que isto seja defeito profissional de quem, como eu, dedicou grande parte da vida a pensar a ciência; mas, na realidade, vejo na humildade do racionalismo crítico-dubitativo, na capacidade de reconhecimento de erros próprios e de consequente reformulação de métodos, de atitudes, de acções, no repensar da formulação programática, no reorientar de práticas política concretas, vejo nisto tudo uma força poderosa. Para já, avizinha-se o primeiro grande combate militar alargado. O objectivo imediato da Rússia parece-me ser o de conquistar totalmente o território mais rico da Ucrânia (toda a parte oriental e central, partindo da linha Kiev-Odessa). O que significa acabar com a Ucrânia que hoje conhecemos.

 

 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Conversa virtual sobre a guerra na Ucrânia

 

O meu texto “Que guerra?”, aqui publicado há poucos dias, suscitou um comentário discordante do historiador Francisco Bethencourt que considero merecer leitura reflexiva. Levanta a questão da “submissão” e da “cedência a chantagem”. Assim sendo, tomo a iniciativa de publicar aqui (sem nenhuma alteração) parte da conversa virtual que se desenrolou na minha página do Facebook nestes últimos dias. Coloquei entre aspas os vários comentários, identificando cada um dos autores. 

 

«SUBMISSAO e o que este post e varios comentarios propoem. Tenho respeito pelos russos que perdem empregos e arriscam a vida por se oporem a uma guerra de genocidio, sem falar da obvia resistencia heroica dos ucranianos. Nenhum respeito pelos serventuarios do fascista Putin que pululam no fb portugues. Ceder a chantagem fascista nao deveria ser opcao, mas ha quem o faca com devocao. E nao me venham falar dos neonazis na Ucrania, reproducao da propaganda russa. Basta ler os textos do Putin para ver quem e fascista e imperialista».

Francisco Bethencourt

Facebook, página de JMFB, 5 de Abril de 2022

 

«Francisco Bethencourt vens aqui introduzir temas que não foram referidos no texto do João Maria de Freitas-Branco , como o neonazismo, etc....gostaria , porque obviamente te estimo intelectualmente falando, a tua opinião sobre o TEMA introduzido: parar a escalada belicista».
Maria Isabel dos Santos Isidoro

 

Resposta de Francisco Bethencourt:

«Por vontade dos europeus e americanos a guerra tinha acabado logo com a rendicao da Ucrania para que o negocio continuasse sem interrupcao. Sim, o negocio de armas mundial cresce todos os anos. Incluindo a venda de armas a Russia. Os ucranianos decidiram resistir e estragaram o arranginho que convinha a todos. Merecem todo o nosso apoio, na linha do que esta a ser feito. E o unico caso interessante dos ultimos trinta anos. Foi a opiniao publica ocidental que empurrou os governos para a tomada de posicoes decentes. Nao devemos submeter-nos a chantagem nuclear por birra dos fascistas russos nao terem conquistado um pais que acham que nao deve existir. A conversa da NATO e dos EUA a manipularem os ucranianos e boa para vender aos pobres russos sob ditadura e aos subservientes ocidentais do Putin.»
Francisco Bethencourt

 

«Francisco Bethencourt então qual é a sua proposta de luta pela Paz ? Tem de haver cedências sem submissão , mas ninguém quer ceder nada. Afinal o que é negociar ?»
Gabriela dos Ramos Pineu

 

«De momento, não me parece exequível uma negociação directa USA/Rússia, que subestimaria até o papel da Ucrânia, a vítima da agressão. Posteriormente, sim, há que fazer tudo para que haja uma ordem de segurança internacional digna desse nome. O que será muito difícil, os ânimos estão muito exacerbados, e Putin quase se auto-excluiu como interlocutor válido.»
Francisco Assunção

 

«Inteiramente de acordo, João Maria. E mais! Já por várias vezes, e desde há muito tempo, que digo que os que andam a iludir esta questão central, andam a ajudar a prolongar a guerra. São pró guerra, querem mais entretenimento! É chocante, mas é isto. Quero crer que a maior parte nem dá por isso, mas o resultado é este. Um dia vamos ter de lhes pedir responsabilidades. Sugiro que os defensores da solução guerreira sejam coerentes, peguem em armas e vão para a Ucrânia…»
Carlos Alberto Augusto

 

«João Maria de Freitas-Branco fico mais satisfeito. Mas o que defendes é a submissão da Ucrânia em nome da geoestrategia. Já te interrogaste porque estes povos (e podes acrescentar agora Suécia ou Finlândia) temem o expansionismo russo?»
António Teodoro

 

«Antonio Teodoro mas, então só se pode dizer que o Putin é um FDP? E lá por ser não se pode reflectir sobre o decorrer da guerra? Agora todos os outros desde que não sejam a corte do Putin são maravilhosos? Não nos devemos interrogar ? Pensar como será melhor para a humanidade? Acaso pensa que será melhor continuar a escalada belicista até á derrota de uma potência com armas nucleares? É essa a questão levantada pelo João Maria....nem percebo como isto não e claro!»
Maria Isabel dos Santos Isidoro

 

 

Minha resposta ao comentário inicial:

Francisco Bethencourt, Obrigado pelo teu comentário manifestando discordância. Compreendo o teu sentir que é também o meu. Mas não estarás a confundir submissão com negociação? Será que uma negociação com o inimigo é necessariamente um acto de submissão? Claro que não queremos “ceder à chantagem fascista”. Num mundo melhor, a ONU disporia de umas forças armadas com capacidade muito superior à de qualquer país e, por vontade maioritária expressa, intervinha em defesa dos princípios do direito internacional e dos valores ético-morais, e a Paz triunfava. Como não é esse o mundo em que vivemos, a coisa é mais complicada. Chegamos então ao tema do meu artigo (redigido para o blog RAZÃO e republicado aqui). Repito o que disse à Irene Pimentel: Creio ser importante perceber qual é o tema central do meu texto. A dimensão criminosa da invasão russa já tinha sido múltiplas vezes abordada por mim em escritos anteriores. Neste, é apenas um dos supostos, associado ao horrível sofrimento das vítimas; outro suposto é a colossal perigosidade desta guerra. Nessa base, introduzo o tema e coloco questões. Como p. e.: a escalada bélica concorre para a solução? Pode derrotar-se militarmente uma tirania nuclear? É isso possível? E mesmo que seja, será que devemos correr riscos tão dramaticamente perigosos para a sobrevivência da Civilização? A quem não estiver de acordo com a minha proposta para a paz, apenas peço que me digam qual é a solução alternativa. Como conquistar a paz? Dêem-me uma alternativa e ficarei satisfeitíssimo. Neste momento histórico de tão elevada gravidade, a tua opinião é muito importante. Espero ter clarificado o teor das minhas interrogativas e a fundamentação da proposta apresentada no texto. Como também disse ao António Teodoro, devíamos estar a conversar sobre tudo isto à moda antiga, à mesa da tasca, com petiscos de qualidade e bom néctar; mas neste presente é tudo virtual... Abraço!

João Maria de Freitas Branco
Facebook, 7 de Abril de 2022


Resposta de Francisco Bethencourt (8/4/22):

«Aprecio o tom desta ultima mensagem, mas nao me parece que o uso do nuclear seja para breve. A derrota da tentativa de conquista da Ucrania esta a assentar, os russos estao a digerir o triunfalismo deslocado e a humilhacao de um exercito baseado em bluff e inferiorizado por corrupcao generalizada. Optaram por concentrar-se num improvisado plano B de conquista do Donbas e da costa do mar Negro. Veremos se conseguem obter o que pretendem. Nao me parece que estejam inclinados para negociacoes de paz, nem eles nem os ucranianos. Nao vale a pena manifestar fraqueza frente ao projecto nacional-imperialista russo de inspiracao fascista, os ucranianos mostram toda a capacidade.»

 

Resposta de JMFB (10/4/22):

Posso estar enganado, mas penso que com o aparecimento das armas nucleares tácticas se operou uma transformação profunda na estruturação dos conflitos político-militares. Manifestar fraqueza perante Putin seria grave erro, sem dúvida. Concordo em absoluto. Mas, se muito não erro, negociar e repensar atitudes não é necessariamente uma manifestação de fraqueza; é, muitíssimas vezes, a expressão do poder da racionalidade, e, nessa precisa medida, uma manifestação de força. Admito que isto seja defeito profissional de quem, como eu, dedicou grande parte da vida a pensar a ciência; mas, na realidade, vejo na humildade do racionalismo crítico-dubitativo, na capacidade de reconhecimento de erros próprios e de consequente reformulação de métodos, de atitudes, de acções, no repensar da formulação programática, no reorientar de práticas política concretas, vejo nisto tudo uma força poderosa. Para já, avizinha-se o primeiro grande combate militar alargado. O objectivo imediato da Rússia parece-me ser o de conquistar totalmente o território mais rico da Ucrânia (toda a parte oriental e central, partindo da linha Kiev-Odessa). O que significa acabar com a Ucrânia que hoje conhecemos.

 

 

 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Que guerra?

  

Pelo que consigo observar, a grande maioria dos meus concidadãos acredita que a guerra que está a ser travada em solo ucraniano é essencialmente um conflito entre dois países: a Rússia e a Ucrânia. Completa ilusão. A guerra opõe EUA, e os seus aliados, à Rússia e seus aliados, sendo que estamos quase a pisar a fina linha que separa o uso de tácticas decretadas por meios não militares das decretadas por meios militares (de acordo com a conceptualização estabelecida pela EU em 2015). Impunha-se, por isso, que, partindo de uma atitude de honesta humildade racional, os EUA e a NATO abdicassem da disposição beligerante e dessem absoluta prioridade a uma imediata negociação directa, ao mais alto nível, entre EUA e Rússia.

É de quem reivindica o estatuto de “defensor da democracia” que se espera a urgente iniciativa pacificadora. Mas não é o que se tem visto. Os arautos da guerra continuam a falar mais alto. No mundo ocidental, a acção comunicacional tende a criar opiniões públicas favoráveis à opção marcialista – veja-se o resultado na Suécia, com 59% da população a advogar a estúpida e suicidária adesão à NATO; ou na Finlândia, com o Parlamento pronto a discutir a adesão. Entretanto, estes dois países já estão a participar, pela primeira vez, em exercícios militares da NATO. Como se tal não bastasse, em face destas perigosíssimas inclinações político-militares o Secretário-Geral da NATO, parecendo querer lançar gasolina para a fogueira, declarou há poucas horas que «Suécia e Finlândia serão bem recebidas na Aliança».

É tudo demasiadamente assustador.

Não devia o Secretário-Geral das Nações Unidas tomar uma iniciativa histórica, exigindo, com o apoio de um significativo grupo de Nações, que EUA e Rússia, através dos respectivos presidentes, Biden e Putin, negociassem um urgente e imediato cessar-fogo em nome da defesa da Civilização? Não deverá Portugal, em coordenação com o Secretário-Geral das Nações Unidas (o lusitano António Guterres), estar entre os primeiros proponentes desse passo que é obrigação imperiosa?

Continuar a armar os ucranianos para vencerem os russos é erro colossal: ninguém conhece a forma de derrotar uma potência nuclear alcançando objectivos construtivos. Na perspectiva da continuidade da civilização humana, não existem vitórias possíveis num conflito mundial nuclear. Estamos muito perto do ponto em que essa ameaça devém realidade apocalíptica.

Aqui, no nosso canto ocidental, em face desse perigo estreme e considerando que os Estados membros da NATO já se encontram em guerra, com recurso a meios não militares (guerra pré-militar), não deveria ter sido pedido ao Governo que informasse sobre as condições de segurança da população nacional? Caso haja contaminação radioactiva da atmosfera (por efeito indirecto, por exemplo), de que meios dispomos para nos protegermos? Há um plano nacional de protecção? Há recursos farmacêuticos? Há abrigos?

Há uma única prioridade urgente: negociar a Paz. Já!

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 4 de Abril de 2022


 

 

sexta-feira, 25 de março de 2022

Neblina em tempo de guerra

 

Há cerca de duas semanas, deparei com a seguinte afirmação de Raimundo Narciso no Facebook:

«Como sabereis o Sr Zelensky poderia ter evitado esta guerra bastava-lhe informar o Sr Putin que desistira de aceitar os insistentes convites de Washington para aderir à NATO. Ora, contra o que a Casa Branca prometera a Gorbatchov em 1990, a NATO avançou desde 1997 para o cerco à Rússia estabelecendo-se em mais 14 países do Leste europeu, a toda a sua volta. »

A primeira afirmação surpreendeu-me, dada a sólida cultura político-militar deste meu amigo e conhecido combatente antifascista. A segunda declaração é uma verdade factual que qualquer pessoa intelectualmente honesta subscreve (sendo que há gente poderosa a querer ocultá-la, disfarçá-la e até mesmo negá-la), mas que neste preciso momento, no contexto da agressão bélica da Rússia, dá azo a interpretações ambíguas, tendencialmente justificativas da decisão de Putin e recorrendo à habitual argumentação adversativa (sou contra Putin, mas…, condeno, contudo…, no entanto…, abundam por aí os exemplos), argumentação que os que a usam parecem não sentir como eticamente inaceitável no momento histórico presente. Além disso, reforçando a ambiguidade, ou até mesmo a intenção de justificar uma ilegalidade criminosa (a invasão da Ucrânia), o texto acompanhava a imagem de um cartoon em que o presidente dos EUA, Joe Biden, é representado de pé, com as mãos a escorrer sangue e pisando uma montanha de cadáveres de vítimas da política americana nas últimas décadas, em vários cantos do globo.

No actual contexto bélico, as afirmações e a divulgação do cartoon mereceram-me o seguinte breve comentário sob a forma de carta aberta:

 

Raimundo, caríssimo Amigo,
Será que acreditas mesmo que «o Sr. Zelensky poderia ter evitado esta guerra, bastando para isso ter «informado o Sr. Putin que desistia de aceitar os insistentes convites de Washington para aderir à NATO? Acreditas mesmo que o tirano de Moscovo ouvia a declaração do Sr. Zelensky e de imediato desistia do titânico plano belicista de invasão da Ucrânia, plano meticulosamente delineado ao longo de dois anos (pelo menos)?

Quanto ao “boneco exibido”, é incontestável que retrata uma trágica realidade; mas dizer uma verdade, por mais sólida que ela seja, pode ser acto pouco digno em determinado contexto. Se não me equivoco, o caso vertente disso mesmo é exemplo. Porque, queiramos ou não, a verdade que o cartoon por ti publicado transporta concorrerá, inevitavelmente, na presente situação, para uma qualquer forma de justificação do injustificável: a invasão da Ucrânia pelo exército russo e a consequente inauguração de uma guerra que ameaça a paz mundial. Abraço.
[Facebook, 12 de Março de 2022; não junto resposta do destinatário porque ele não a deu.]

 

O que me motivou a trazer aqui estes escritos é uma minha preocupação de fundo que se tem vindo a agravar com a observação de opiniões publicadas, disseminadas por vários espaços públicos. Qual é essa minha preocupação? É a seguinte: num momento histórico exigente de elevada lucidez está a adensar-se uma neblina mental no plano das elites; está a agudizar-se de forma acelerada uma crise do pensamento.

Voltarei recorrentemente ao tema por o considerar essencialíssimo no tempo presente.

João Maria de Freitas Branco

GUERRA


Entramos hoje no segundo mês de guerra na Ucrânia, um conflito que para além das tragédias já causadas constitui, hora a hora, uma ameaça para o mundo. Neste dia de passagem do primeiro para o segundo mês de guerra vem-me à memória a seguinte afirmação do escritor George Orwell depois de ter vivenciado a guerra em solo espanhol, na Catalunha, nos anos 30 do século passado:

«O facto é que todas as guerras padecem de uma espécie de degradação progressiva a cada mês que passa, porque coisas como liberdade individual e imprensa de confiança são simplesmente incompatíveis com a eficiência militar»

JMFB, 25 de Março de 2022

terça-feira, 22 de março de 2022

Guerra e Crise do pensamento

 

Vejo que a guerra actual suscita por aqui (em algumas páginas) acesas polémicas em que se contabilizam méritos dos exércitos dos EUA, da URSS e de outros Aliados no desfecho da segunda Grande Guerra. Isso motiva-me a enunciar três interrogativas:

 

Não será intolerável desrespeito para com todos os que corajosamente combateram o nazi-fascismo enveredar por exercícios contabilísticos? Não será atitude portadora de inadmissível deselegância ético-política? Ou será uma das faces visíveis da grande crise do pensamento?

João Maria de Freitas Branco
22 de Março de 2022

 

quinta-feira, 3 de março de 2022

SINAIS ALARMANTES

Quando ao início da tarde me dedicava a percorrer os principais canais televisivos em busca das últimas notícias sobre o conflito bélico que neste momento monopoliza a nossa atenção, apercebi-me do corte do sinal do canal RT que, como se sabe, é uma rede televisiva internacional com directa ligação ao Estado russo. No ecrã do televisor apareceu-me, sobre fundo negro, a seguinte nota informativa:

«A emissão deste canal está proibida por decisão do Regulamento EU 2022/350 do Conselho, de 1 de Março de 2022».

Será que esta decisão é aceitável à luz dos valores democráticos? Esta proibição não põe em causa a liberdade de imprensa? Não está o Conselho da União Europeia a adoptar um regulamento censório e, assim sendo, contrário aos princípios da União Europeia?

Ao que me é dado saber, a agência de notícias russa Sputnik foi também abrangida pela decisão do Conselho da EU.

Mas há mais. Têm vindo a verificar-se outras “proibições” que atingem personalidades de nacionalidade russa, incluindo artistas e directores de instituições culturais. Retenha-se esta notícia publicada ontem num jornal italiano, dando conta do despedimento do aclamado maestro russo Valery Gergiev (ocupava o cargo de director da Orquestra Filarmónica de Munique) por não ter condenado a invasão da Ucrânia e ser amigo de Putin:

«Sulla scelta della star mondiale del melodramma [Anna Netrebko] pesa, senza ombra dubbio, la guerra in Ucraina e la decisione - del sindaco Beppe Sala e del Piermarini - di allontanare dal teatro il direttore d'orchestra Valery Gergiev, amico personale di Vladimir Putin e messo alla porta perché non si è schierato apertamente contro l'invasione russa.»

A célebre soprano Anna Netrebko, russa, já não vai subir ao palco no próximo dia 9, no Scala de Milão. Vários teatros na Alemanha, na Holanda, em Itália, já anunciaram a intenção de cancelar os concertos com Gergiev que é o mais notabilizado maestro russo da actualidade.

Quem toma estas decisões diz combater a falta de liberdade na Rússia e o ditador Putin. Estranha atitude: denunciar a censura censurando; evocar a liberdade impedindo a liberdade de opinião.

Tudo isto me parece extremamente preocupante.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 2 de Março de 2022

 

NOTA: Para quem estiver interessado em ler na íntegra o Regulamento aprovado, informo que ele foi hoje publicado no Jornal Oficial da União Europeia, podendo ser consultado na Internet.

Comentário do meu amigo e compositor Carlos Alberto Augusto que merece ser lido:

Ainda vai correr muita tinta por causa destas proibições, sanções e outras reacções. Racismo, intolerância, perseguições, revanchismo, atropelamento de direitos democráticos, correm livres, por todo o lado, aqui também em Portugal. Não tarda vai valer tudo. Verifico que se aceita tudo isto com bonomia, diria mesmo, com não escondida satisfação. E nunca o ditado "no melhor pano cai a nódoa" foi tão verdadeiro. Estamos num estado de pré-fascismo, transversal a toda a sociedade. Exagero? Vamos ver...
Carlos Alberto Augusto, Facebook, 2 de Março de 2022

A minha resposta: 

Carlos Alberto, é terrível dizê-lo, mas inclino-me a considerar que não pecas por exagero. Repara, por exemplo, na situação dos EUA, com uma guerra fria civil a decorrer há largos meses e com o Partido Republicano convertido ao autoritarismo neofascista de Trump, ou na situação em França, em que destacadas personalidades falam abertamente de guerra civil já iniciada! E onde estão as forças organizadas capazes de contrariar as novas vagas explicitamente antidemocráticas e totalitárias? Nos anos 1920/30 existiam, e mesmo assim foi necessário travar uma guerra mundial. Muito perturbador...

 

Carlos Alberto Augusto, um acrescento à minha primeira resposta: repara como bastam estas poucas dezenas de reacções ao meu escrito para se poder exemplificar/demonstrar a aceitação por ti referida, seja ela acompanhada de mais ou de menos bonomia. Chegámos a pensar que a Escola pública e os anos de vivência democrática tinham gerado sólida imunidade ao "vírus" do autoritarismo neofascista. Não por acaso, desde o berço da civilização o ilusionismo foi uma forma de diversão que granjeou enorme sucesso. O sapiens é um ente que se ilude e auto-ilude. Abraço.
João Maria de Freitas Branco
3 de Março de 2022

 

 

 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Não foi penálti!

 

“NÃO FOI PENALTI!”
(Texto de Francisco Seixas da Costa, Facebook, 19 de Fevereiro de 2022)

Uma vez, no velho estádio José de Alvalade, no meio de uma bancada verde que reclamava um penalti que castigasse uma suposta falta sobre um jogador do (meu) Sporting, comentei, alto: “Não foi penalti!”.

O que eu fui dizer! Caiu-me em cima o Carmo e a Trindade! O mais meigo remoque que nesse instante recolhi foi de “lampião”, insulto-mor no clube que me tem como adepto desde que me conheço.

Não tinha sido penalti, claro, mas afirmar isso naquele contexto era uma heresia. Porque “tenho a mania” de que sou isento a ver futebol (e sou), raramento me inibo de dizer o que penso sobre a justiça do “senhor árbitro”. E, talvez por isso, raramente vou aos estádios.

(Ainda ontem, este tweet irritou bons amigos: “A Lazio não é o Manchester City, eu sei. Mas parece-me claro, e honestamente tenho de admitir, que o Porto é hoje, nomeadamente comparado com o (meu) Sporting ou o Benfica, a única equipa portuguesa que ainda vai conseguindo sustentar um razoável estatuto internacional.”)

Mas a que propósito vem isto? Da Ucrânia. Da Ucrânia? Exatamente.

Na minha qualidade de comentador da CNN tem-me vindo a ser pedido que analise a situação que por ali se passa. E eu faço-o, tão bem quanto consigo, tentando olhar para as coisas com equanimidade - “palavrão” que tenho por princípio moral.

Há dias, um outro amigo (tenho muitos, felizmente) disse-me, num tom que me soou um pouco chocado: “Quando, nos teus comentários, analisas o conflito na Ucrânia, chega a dar a sensação de que Biden e Putin se equivalem moralmente, de que um presidente eleito democraticamente tem uma dignidade idêntica à de um autocrata. Pareces esquecer de que lado estás.”

Achei graça ao comentário. E já o esperava. Sou cidadão e diplomata de um país da NATO e da União Europeia, defendo alguns Direitos Humanos que Putin nem desconfia que existem e detesto o sinistro regime que vigora em Moscovo. Mas, ao assumir esta atitude (que não é um “disclaimer”, note-se), acaso sou obrigado a esquecer, por exemplo, que os EUA mantêm, sem julgamento e sem vergonha, há mais de 20 anos, em Guantanamo, pessoas detidas por terrorismo, por não conseguirem provar que são culpados?

Recuso abertamente o desafio dualista, em matéria de valores, que está subjacente à pergunta, quase policiesca: “Estamos do lado de Biden ou do lado de Putin?”. O facto de eu saber bem do lado em que estou não me torna incapaz de avaliar, com serenidade, as razões de um lado e de outro. Porque a experiência, e essencialmente a consciência, ensinou-me que o mundo nunca é a preto e branco. E não tenho a menor paciência para os maniqueístas.

Bem me lembro dessa hora, bem negra para a política externa portuguesa, em que um governo nos provocava sobranceiramente com a pergunta: “Queremos estar do lado dos Estados Unidos ou do lado de Saddam Hussein?”. Esse executivo acabou a servir o “catering” nas Lajes e a avalizar a guerra criminosa que foi a intervenção no Golfo, em 2003, de onde só nasceu ódio, morte e o Daesh. E não pediu desculpa ao país por isso.

Conheço os valores que estão em causa na questão da Ucrânia. Esse é o lado opinativo, afetivo, da questão. O meu papel, na cena televisiva, não é ser “sportinguista em Alvalade”, é ser rigoroso a analisar os acontecimentos e as motivações contrastantes que lhes estão por detrás. Às vezes, isso não é simpático para as “nossas cores”, parecemos ”advogados do diabo”? É a vida!

Por isso, porque continuo a recusar-me a gritar “penalti!” quando não houve falta, ou insisto em dizer ”foi penalti!” quando um defesa do meu “lado” rasteira um adversário na área, continuarei, enquanto me quiserem ouvir, a tentar analisar as questões internacionais com o possível equilíbrio, tomando sempre em atenção a posição de cada lado e, essencialmente, procurando ser rigoroso com os factos.

Como alguém disse um dia, temos todo o direito a ter as nossas próprias opiniões, mas isso não nos dá o direito a ter os nossos próprios factos.

COMENTÁRIO 

Francisco Seixas Santos, A principal característica de um intelectual é o Carácter. O mesmo vale para o comentador político. Somos consócios. Não no Sporting – porque sou benfiquista desde que me conheço – mas no Clube do Carácter. Faz muitíssimo bem à mente ler escritos como este seu “Não foi penálti!”. Um inteligente contributo para a higiene mental. Faz sempre muita falta… Obrigado! (Já agora, acrescento que tive do outro lado da 2ª circular experiência em tudo semelhante à sua, mesmo em espaço designado por “catedral da Luz”… Provavelmente, ali como em tantíssimos outros lugares, a luz nem sempre está acesa.) Cumprimentos.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 19 de Fevereiro de 2022 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

Guerra? -- Resposta a Irene Pimentel

 

A historiadora Irene Pimentel publicou ontem à noite, na sua página do Facebook, a seguinte interrogação:

Estamos à beira de uma guerra mundial?

Dei a seguinte resposta:

Guerra? Não, não é possível. Irene, estás mal informada. Se houvesse tão grande perigo não seria possível observar tão grande indiferença entre a nossa gente, incluindo a elite política. Durante toda a campanha eleitoral para as legislativas do passado dia 30 de Janeiro (há menos de duas semanas) não houve, que eu tivesse visto, um único líder político que tenha apresentado uma reflexão ou até uma mera referência ao conflito na Ucrânia; em nenhum debate ou entrevista se observou preocupação relativamente às consequências para Portugal de um conflito bélico envolvendo Rússia, EUA e restantes países membros da NATO, Bielorrússia e, obviamente, a Ucrânia, esse insignificante país europeu com 44 milhões de habitantes e uma área de 603 Km2. Portanto, está tudo bem – creio que é assim que se diz, na linguagem em voga. Podes ficar tranquila. Sentes-te preocupada por efeito de defeito profissional. És historiadora…; e logo historiadora especializada no século XX, o das grandes guerras… Saber história é maçador, porque a memória histórica injecta-nos preocupações, certamente infundadas, quando vemos os Estados mais poderosos do mundo a mobilizar as suas tropas, a exibir o arsenal bélico, a ameaçarem-se mutuamente, a falarem do seu poder nuclear. Esta coisa do conhecimento é uma maçada. Beijinhos, querida Irene.  

João Maria de Freitas Branco
12 de Fevereiro de 2022

 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Desabafo democrático...


Não sei bem porquê, talvez por algum fenómeno ambiental, apetece-me declarar o seguinte: 

a Democracia aquartela os sujeitos que a repudiam e explicitamente a combatem; é esta uma sua essencial característica distintiva que, se muito não erro, lhe confere virtude. 

Simultaneamente, é dever de todo o autêntico democrata combater, de modo frontal, inequívoco e corajoso, todos os inimigos que, tirando partido das próprias liberdades democráticas, pretendam destruir a Democracia e as liberdades.

João Maria de Freitas Branco
10 de Fevereiro de 2022

 

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Rescaldo de uma jornada eleitoral

 

Deixo aqui um conjunto de breves impressões pessoais dos resultados de ontem. Carecem, por certo, de ponderação mais cuidada.

Para quem se situa na ala mais à esquerda, no espectro político nacional, o acto eleitoral de ontem traduziu-se no alcançar de um primeiro objectivo essencial: a reedição de uma maioria parlamentar norteada pelos valores da esquerda. No seu conjunto, PS, PCP, BE, Livre têm 129 deputados no hemiciclo (e vão ter mais). Uma confortável maioria absoluta que não deixa dúvidas quanto à inclinação política dos cidadãos portugueses.

Porém, o segundo objectivo principal não foi alcançado: o reforço da esquerda parlamentar anticapitalista (PCP e BE). Essa ala é um factor essencial para a vitalidade do nosso Estado de direito democrático. No entanto, nestas eleições, sofreu pesadíssima derrota que convoca cuidada reflexão crítica e autocrítica. A representação desta ala anticapitalista perdeu 20 dos 31 deputados que tinha! A extrema-direita passa a ter mais um deputado do que a soma dos deputados do PCP e do BE. O PCP teve a maior derrota eleitoral de sempre.

Como ontem escrevia o Francisco Assunção, antigo jornalista de O Diário e da Lusa, os erros tácticos do PCP e do BE «entram pelos olhos dentro». Resta saber se vai haver vontade de os reconhecer. Uma coisa é errar, outra é persistir no erro, replicando os mesmos desacertos. Algumas declarações das últimas horas fazem temer a revitalização da mentalidade espelhada na velha máxima: de derrota em derrota até à vitória final.

Outra derrota, com peso histórico, foi a que ditou o afastamento do CDS do hemiciclo. Trata-se de uma derrota da Democracia, e não apenas de um partido. A presença da democracia cristã na AR foi, desde a fundação da II República, um factor de enriquecimento do regime e da vida política nacional. Afirmo-o, sem hesitação e na óptica de uma esquerda antidogmática, dialéctico-racionalista, que é a minha. Pode soar como contradição na cabeça de alguns, mas não é, desde que haja inteligência antidogmática. Espero que o CDS, com a sua matriz democrata cristã original, esteja de regresso na próxima legislatura. Terá (com o actual PSD) papel relevante no combate à extrema-direita populista e antidemocrática.

Sinal de alerta: pela primeira vez desde Abril de 1974 há um grupo parlamentar inimigo do sistema democrático. Um partido de extrema-direita fascistóide, imoral, naturalmente antidemocrático, xenófobo e racista obteve 12 lugares no Parlamento. Nenhum democrata pode ficar indiferente.

Saúda-se o facto de o Livre, depois de um triste percalço e sendo representante de uma nova vertente da esquerda, que se autodenomina ecologista e europeísta, ter conseguido reeditar o bom resultado eleitoral de 2019. Aproveito para, publicamente, dar os parabéns ao Rui Tavares pela sua eleição como deputado da AR. Porque o conheço, sei que a sua presença no hemiciclo concorrerá para prestigiar o Parlamento.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 31 de Janeiro de 2022

sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Situação política -- uma reflexão pré-eleitoral

 

Começo por inserir aqui um curto texto redigido e publicado nas redes sociais horas antes da votação do OE na Assembleia da República, em Outubro de 2021, votação que conduziu à queda do Governo do PS. Faço-o com o único propósito de recordar qual foi a posição que assumi nessa altura, de modo a enquadrar o escrito mais longo que agora torno público pela primeira vez.

 

Situação política – reflexão antevendo uma crise pós-votação do OE

Falta pouco tempo para ser votado o Orçamento do Estado. Tudo indica que não vai ser aprovado. Lamento que as esquerdas nacionais não consigam entender-se, arquitectando um acordo, mesmo que mínimo. Num momento histórico em que a Democracia está particularmente fragilizada e ameaçada. As direitas (do centro direita à extrema direita) rejubilam. Facto significativo. Será que o chumbo do OE torna inevitável a queda do Governo? Não há outras alternativas? O Presidente da República tem que dissolver a Assembleia da República? Não pode ser dado um prazo para o Governo poder apresentar um novo OE? Não há espaço para mais negociações? A antecipação das eleições é obrigatória? Na óptica das esquerdas que se antevê de positivo? Que alternativas?
[Facebook, Outubro de 2021]

 

Situação política – uma reflexão pré-eleitoral

O desmoronamento da geringonça não pôde deixar de me entristecer. É sentimento que brota de modo espontâneo em espaço mental ideologicamente estruturado a partir dos princípios/valores do que se convencionou designar Esquerda. A geringonça, com todas as suas limitações e contradições internas, revelou-se eficaz na concretização de um gesto político urgente: o de reverter medidas indecentes – as do “austeritarismo” neoliberal, penalizadoras dos cidadãos menos favorecidos, bem como dos humilhados e ofendidos (totalizando a grande maioria da população).

Ao ser criada, em 2015, a geringonça injectou decência no enfermo corpo da política nacional. E na conjuntura actual, com o presente quadro político-partidário e numa óptica de esquerda, não vejo solução governativa satisfatória que dispense um certo nível de entendimento entre os protagonistas da geringonça. Considerando o voto popular expresso em eleições honestas (que confere ao PS uma representação parlamentar significativamente superior à soma das representações dos partidos à sua esquerda), como se pode concretizar uma governação de esquerda sem acordos com o PS? Ou, como alguns parecem desejar, contra o PS? Ou seja, podemos reformular a pergunta: como se pode, neste nosso presente, levar a cabo uma política de esquerda sem uma qualquer forma de unidade entre PS/PCP/BE?

Em política, quando se toma uma decisão e se faz uma escolha é porque existe a convicção de que essa preferência conduz a uma melhoria da situação, a um objectivo que corresponde aos interesses do decisor. Assim sendo, o PCP e o BE, com o seu voto de reprovação do OE, e perante a anunciada (e muito discutível) inclinação do Presidente da República, sabiam estar a provocar a dissolução da Assembleia da República e a consequente queda do Governo e convocação de eleições legislativas antecipadas. Assim sendo, é porque consideram haver benefícios neste caminho. Quais são? O que vai facilitar uma solução governativa de esquerda? O resultado eleitoral, com substancial reforço da representação parlamentar dos dois partidos, BE e PCP? Uma perda de influência do PS gerando nova correlação de forças na frente de esquerda, proporcionando uma nova geringonça em que o BE e o PCP passem a ter maior poder negocial? A hipótese real de alterar as condições de negociação do OE abrindo caminho à feitura de um orçamento mais à esquerda (maiores aumentos salariais, aumento do valor das pensões, redução do preço da electricidade e dos combustíveis, reforço do financiamento da educação, do SNS, da Cultura, etc.)? A hipótese real de garantir a urgente revisão da legislação do trabalho? Será que antevêem, de forma fundamentada, uma expressiva ou estrondosa derrota eleitoral das direitas? A exclusão democrática da extrema-direita, retirando-lhe o assento no hemiciclo? Quais são, em resumo, na opinião do BE e do PCP as consequências positivas do chumbo do OE? Não nos foi dito. Continuo à espera de uma enumeração clara dos objectivos que se considera irem ser alcançados pela esquerda através do acto eleitoral do próximo Domingo, causado pelo chumbo do OE.

No entanto, há já uma primeira consequência da votação do Orçamento do Estado no passado dia 27 de Outubro. É bem clara e constitui mais um motivo de júbilo para as direitas (em especial para a extrema-direita); e renovado motivo de tristeza pessoal. Basta libertar o nosso olhar na paisagem opinativa do Facebook ou do Twitter. Aí está ela, bem evidente na sua factualidade: os membros das várias famílias de esquerda (com ou sem filiação partidária) estão engalfinhados desde o final do mês de Outubro do ano passado. Mais ainda: os próprios membros da mesma família política -- seja ela a “comunista”, a “bloquista”, a “socialista” ou a dos “independentes de esquerda” (socorro-me das aspas para contornar certas ambiguidades denominativas) -- estão desavindos, abespinhados uns contra os outros. No estado de crescente irritabilidade em que quase todos estão, olvidam os adversários, gastando munições argumentativas contra quem com eles coabita no espaço global das esquerdas. Nem se coíbem de lançar mão de vitupérios, insultos, acusações pouco educadas. No Facebook, uma conhecida antifascista disse que ia votar no PS e isso logo originou, segundo disse, que várias pessoas da área da CDU lhe tivessem virado as costas, o que em linguagem hodierna se traduz no gesto virtual de se “desamigar”. Os que, à esquerda, revelam não irem votar no PS, mas sim no PCP ou no BE, vêem-se mal tratados por sujeitos do Partido Socialista. O voto é livre, desde que votem no meu partido. Não é novo, mas continua a ser lamentável.

O próximo governo vai ter a importantíssima incumbência de gerir a chamada “bazuca” (mais de 17 mil milhões de Euros) e não é inverosímil que à elite dominante de Bruxelas não agrade que forças anticapitalistas (como o PCP e o BE) tenham voz activa na distribuição de tão suculento bolo. De um ponto de vista de esquerda, só haverá vitória eleitoral no próximo Domingo se o resultado da votação nacional garantir duas coisas: 1) a continuidade de uma maioria de esquerda no Parlamento; 2) o reforço da esquerda à esquerda do PS (a esquerda anticapitalista). Nessa medida, o voto no PCP (CDU), no BE, no Livre é, no mínimo, tão útil como o voto no PS, se este mantiver a opção de entendimento à esquerda, não ceder às eventuais pressões externas e não tiver uma deriva direitista, semelhante a outras de que guardamos triste memória.

Votem bem!

João Maria de Freitas Branco
28 de Janeiro de 2022

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Estranha indiferença

 

Em período de campanha eleitoral causa-me maior espanto e inquietação a indiferença dos líderes dos partidos de esquerda, centro-esquerda e centro-direita face à gravidade da situação política internacional, com risco iminente de conflito bélico em território europeu, com um golpe de Estado antidemocrático em curso nos EUA, com o alargamento da base social de apoio da extrema-direita em vários pontos do globo, com o aumento das desigualdades geradas pela desumanidade de um capitalismo que se vai desvinculando da democracia, com a crise de abastecimento, com o aumento da inflação, já não falando da suicidária insuficiência das medidas ambientalistas urgentes para a defesa da vida humana no Planeta. Como se justifica esta indiferença, este silêncio? É lamentável que as grandes questões políticas não sejam ideologicamente trabalhadas e colocadas num contexto largado, internacional ou planetário.

João Maria de Freitas Branco
27 de Janeiro de 2022

 

 

 

 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Suicídio do Capitalismo -- Génese de um Neo-Feudalismo

 

Suicídio do Capitalismo – Génese de um Neo-Feudalismo

A autodestruição do capitalismo, gerando a exploração pós-capitalista: o feudalismo digital. A tese de Yanis Varoufakis que me parece merecer a nossa atenção, para além de ser um estímulo para a nossa reflexão pessoal. Ver entrevista muito bem conduzida por David Pakman (no David Pakman Show, YouTube).

 Para quem quiser aprofundar o tema, deixo aqui a seguinte referência bibliográfica: VAROUFAKIS, Y.: “Another Now: dispatches from an alternative present”, Melville House, Brooklyn and London, 2021.

«Capitalism without debs is like Christianity without hell». 

João Maria de Freitas branco
25 de Janeiro de 2022

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