O meu texto “Que guerra?”, aqui publicado há
poucos dias, suscitou um comentário discordante do historiador Francisco
Bethencourt que considero merecer leitura reflexiva. Levanta a questão da
“submissão” e da “cedência a chantagem”. Assim sendo, tomo a iniciativa de
publicar aqui (sem nenhuma alteração) parte da conversa virtual que se
desenrolou na minha página do Facebook nestes últimos dias. Coloquei entre
aspas os vários comentários, identificando cada um dos autores.
«SUBMISSAO e o que
este post e varios comentarios propoem. Tenho respeito pelos russos que perdem
empregos e arriscam a vida por se oporem a uma guerra de genocidio, sem falar
da obvia resistencia heroica dos ucranianos. Nenhum respeito pelos
serventuarios do fascista Putin que pululam no fb portugues. Ceder a chantagem
fascista nao deveria ser opcao, mas ha quem o faca com devocao. E nao me venham
falar dos neonazis na Ucrania, reproducao da propaganda russa. Basta ler os
textos do Putin para ver quem e fascista e imperialista».
Francisco Bethencourt
Facebook, página de
JMFB, 5 de Abril de 2022
«Francisco Bethencourt vens aqui introduzir temas que não
foram referidos no texto do João Maria de Freitas-Branco , como o neonazismo, etc....gostaria ,
porque obviamente te estimo intelectualmente falando, a tua opinião sobre o
TEMA introduzido: parar a escalada belicista».
Maria Isabel dos Santos Isidoro
Resposta de Francisco Bethencourt:
«Por vontade dos
europeus e americanos a guerra tinha acabado logo com a rendicao da Ucrania
para que o negocio continuasse sem interrupcao. Sim, o negocio de armas mundial
cresce todos os anos. Incluindo a venda de armas a Russia. Os ucranianos
decidiram resistir e estragaram o arranginho que convinha a todos. Merecem todo
o nosso apoio, na linha do que esta a ser feito. E o unico caso interessante
dos ultimos trinta anos. Foi a opiniao publica ocidental que empurrou os
governos para a tomada de posicoes decentes. Nao devemos submeter-nos a
chantagem nuclear por birra dos fascistas russos nao terem conquistado um pais
que acham que nao deve existir. A conversa da NATO e dos EUA a manipularem os
ucranianos e boa para vender aos pobres russos sob ditadura e aos subservientes
ocidentais do Putin.»
Francisco Bethencourt
«Francisco Bethencourt então qual é a sua proposta de luta
pela Paz ? Tem de haver cedências sem submissão , mas ninguém quer ceder nada.
Afinal o que é negociar ?»
Gabriela dos Ramos Pineu
«De momento, não me
parece exequível uma negociação directa USA/Rússia, que subestimaria até o
papel da Ucrânia, a vítima da agressão. Posteriormente, sim, há que fazer tudo
para que haja uma ordem de segurança internacional digna desse nome. O que será
muito difícil, os ânimos estão muito exacerbados, e Putin quase se auto-excluiu
como interlocutor válido.»
Francisco Assunção
«Inteiramente de
acordo, João Maria. E mais! Já por várias vezes, e desde há muito tempo, que
digo que os que andam a iludir esta questão central, andam a ajudar a prolongar
a guerra. São pró guerra, querem mais entretenimento! É chocante, mas é isto.
Quero crer que a maior parte nem dá por isso, mas o resultado é este. Um dia
vamos ter de lhes pedir responsabilidades. Sugiro que os defensores da solução
guerreira sejam coerentes, peguem em armas e vão para a Ucrânia…»
Carlos Alberto Augusto
«João Maria de
Freitas-Branco fico mais satisfeito. Mas o que defendes é a
submissão da Ucrânia em nome da geoestrategia. Já te interrogaste porque estes
povos (e podes acrescentar agora Suécia ou Finlândia) temem o expansionismo
russo?»
António Teodoro
«Antonio Teodoro mas, então só se pode dizer que o Putin
é um FDP? E lá por ser não se pode reflectir sobre o decorrer da guerra? Agora
todos os outros desde que não sejam a corte do Putin são maravilhosos? Não nos
devemos interrogar ? Pensar como será melhor para a humanidade? Acaso pensa que
será melhor continuar a escalada belicista até á derrota de uma potência com
armas nucleares? É essa a questão levantada pelo João Maria....nem percebo como
isto não e claro!»
Maria Isabel dos Santos Isidoro
Minha resposta ao comentário inicial:
Francisco Bethencourt, Obrigado pelo teu comentário
manifestando discordância. Compreendo o teu sentir que é também o meu. Mas não
estarás a confundir submissão com negociação? Será que uma negociação com o
inimigo é necessariamente um acto de submissão? Claro que não queremos “ceder à
chantagem fascista”. Num mundo melhor, a ONU disporia de umas forças armadas
com capacidade muito superior à de qualquer país e, por vontade maioritária
expressa, intervinha em defesa dos princípios do direito internacional e dos
valores ético-morais, e a Paz triunfava. Como não é esse o mundo em que
vivemos, a coisa é mais complicada. Chegamos então ao tema do meu artigo
(redigido para o blog RAZÃO e republicado aqui). Repito o que disse à Irene
Pimentel: Creio ser importante perceber qual é o tema central do meu
texto. A dimensão criminosa da invasão russa já tinha sido múltiplas vezes
abordada por mim em escritos anteriores. Neste, é apenas um dos supostos,
associado ao horrível sofrimento das vítimas; outro suposto é a colossal
perigosidade desta guerra. Nessa base, introduzo o tema e coloco questões. Como
p. e.: a escalada bélica concorre para a solução? Pode derrotar-se militarmente
uma tirania nuclear? É isso possível? E mesmo que seja, será que devemos correr
riscos tão dramaticamente perigosos para a sobrevivência da Civilização? A quem
não estiver de acordo com a minha proposta para a paz, apenas peço que me digam
qual é a solução alternativa. Como conquistar a paz? Dêem-me uma alternativa e
ficarei satisfeitíssimo. Neste momento histórico de tão elevada gravidade, a
tua opinião é muito importante. Espero ter clarificado o teor das minhas
interrogativas e a fundamentação da proposta apresentada no texto. Como também
disse ao António Teodoro, devíamos estar a conversar sobre tudo isto à moda
antiga, à mesa da tasca, com petiscos de qualidade e bom néctar; mas neste presente
é tudo virtual... Abraço!
João Maria de Freitas Branco
Facebook, 7 de Abril de 2022
Resposta de Francisco
Bethencourt (8/4/22):
«Aprecio o tom desta
ultima mensagem, mas nao me parece que o uso do nuclear seja para breve. A
derrota da tentativa de conquista da Ucrania esta a assentar, os russos estao a
digerir o triunfalismo deslocado e a humilhacao de um exercito baseado em bluff
e inferiorizado por corrupcao generalizada. Optaram por concentrar-se num
improvisado plano B de conquista do Donbas e da costa do mar Negro. Veremos se
conseguem obter o que pretendem. Nao me parece que estejam inclinados para
negociacoes de paz, nem eles nem os ucranianos. Nao vale a pena manifestar
fraqueza frente ao projecto nacional-imperialista russo de inspiracao fascista,
os ucranianos mostram toda a capacidade.»
Resposta de JMFB
(10/4/22):
Posso estar enganado, mas penso que com o aparecimento das
armas nucleares tácticas se operou uma transformação profunda na estruturação
dos conflitos político-militares. Manifestar fraqueza perante Putin seria grave
erro, sem dúvida. Concordo em absoluto. Mas, se muito não erro, negociar e
repensar atitudes não é necessariamente uma manifestação de fraqueza; é,
muitíssimas vezes, a expressão do poder da racionalidade, e, nessa precisa
medida, uma manifestação de força. Admito que isto seja defeito profissional de
quem, como eu, dedicou grande parte da vida a pensar a ciência; mas, na
realidade, vejo na humildade do racionalismo crítico-dubitativo, na capacidade
de reconhecimento de erros próprios e de consequente reformulação de métodos,
de atitudes, de acções, no repensar da formulação programática, no reorientar de
práticas política concretas, vejo nisto tudo uma força poderosa. Para já,
avizinha-se o primeiro grande combate militar alargado. O objectivo imediato da
Rússia parece-me ser o de conquistar totalmente o território mais rico da Ucrânia
(toda a parte oriental e central, partindo da linha Kiev-Odessa). O que
significa acabar com a Ucrânia que hoje conhecemos.