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quarta-feira, 25 de novembro de 2020

MARADONA

 

EVOCAÇÃO DE UMA MEMÓRIA
COMO FORMA DE HOMENAGEM

Ao longo da vida conheci pessoalmente muitas figuras de fama mundial (artistas, intelectuais, políticos), mas nunca observei efeito emocional colectivo tão intenso centrado numa única pessoa como quando tive a felicidade de ter entrado no relvado de um grande estádio ao lado de Diego Armando Maradona, “El Pibe”. Acompanhei no relvado, junto dele, o aquecimento que fez, a anteceder um jogo internacional da UEFA. Em nosso redor estavam cerca de cem mil espectadores para quem o único foco de atenção era aquele argentino com divino talento futebolístico e que então envergava a camisola do Nápoles. Nada mais interessava. Uma experiência emocionante e inolvidável.

Revelo este episódio da minha vida neste dia 25 em que Maradona saiu da vida – curiosamente o mesmíssimo dia do mês em que também morreu o seu admirado amigo Fidel.

Diego Armando Maradona foi o maior futebolista que vi jogar directamente; a ele fico a dever alguns dos maiores momentos de fruição estético-desportiva.

João Maria de Freitas Branco
25 de Novembro de 2020

 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Com Congresso ou sem Congresso

 

Não se iludam: caso o PCP tivesse decidido (ou venha a decidir) não realizar o seu Congresso, isso nunca podia traduzir-se num desejo de enfraquecimento da acção política que o partido concebe como sendo contra a desigualdade, a injustiça, a falta de liberdade e, no contexto actual, contra a cada vez mais exuberante ameaça totalitária que grassa pelo mundo e a que só falta adicionar um momento de grande crise, como o que se pode desenhar a partir de uma situação de calamidade pandémica que vai sulcando de modo propiciador ao germinar de graves dificuldades económicas, sociais e políticas.

Sabemos não faltarem vozes críticas ou acusatórias relativamente à genuinidade das intenções, bem como da acção concreta desenvolvida pelo partido em causa, agora estranhamente classificado como “partido de extrema-esquerda” ou como “partido populista e extremista”. Mas esse debate é irrelevante neste contexto temático. Não é isso o que aqui se equaciona. Importa antes ter presente que em Portugal, por efeito da Revolução de Abril de 1974 que pôs termo a uma ditadura, os Governos deixaram de poder autorizar ou proibir as actividades político-partidárias. Valiosa conquista à luz da qual não se pode pôr em causa a legitimidade da organização de reuniões partidárias (para além de outras), como é o caso da iniciativa agendada pelo PCP para o próximo fim-de-semana. No entanto, o reconhecimento da total legitimidade do acto não inibe, nem pode inibir o direito à opinião sobre eventuais vantagens ou inconveniências políticas da realização de uma determinada actividade partidária. É este um outro patamar de discussão, independente da legalidade ou legitimidade da actividade promovida.

Como tenho feito saber, considero que a realização do Congresso nos moldes previstos fornece armas de fácil manuseamento ideológico aos inimigos da Liberdade e do Estado de direito democrático, sendo por isso, e se não houver engano meu, um erro político. Mas a alternativa não pode ser uma atenuação da força combativa, nem uma suspensão da actividade política. Bem pelo contrário. O adiamento do Congresso teria que ser realizado através de outra acção política, criativamente pensada e porventura até mais efectiva, e que poupasse o PCP a uma muito espectável reprovação popular com inevitáveis efeitos na sua futura capacidade de intervenção. Não é o ruidoso opinar de hordas anticomunistas de variegado género que deve preocupar ou prender a atenção; é antes a boa percepção da sensibilidade popular que deve interessar os decisores políticos. E quem pensa à esquerda, deverá ter o acrescido cuidado de avaliar se o seu proceder intensifica a polarização fecundante do totalitarismo.

Não sei se me vão perdoar o uso do que muitos, em todos os quadrantes políticos, à direita, à esquerda, ao centro, consideram ser um vetusto chavão, mas a verdade é que o combate político contra a exploração do homem pelo homem jamais pode esmorecer. É pelejar permanente. A expressão desconsiderada (quando não vilipendiada) é, a meu ver, rigorosíssima, porque traduz exactamente uma fundamental realidade passada e presente da história humana: a exploração de enormes maiorias de seres humanos por magras minorias de seres humanos, causando sofrimentos horrendos de infinita dimensão colectiva. A chama dessa lide deve e tem que se manter bem viva, porque se trata, antes de tudo o mais, de um imperativo ético e moral!

Na memória mais nobre da história deste nosso invulgar presente figurarão aqueles que souberam erguer-se contra as renovadas formas de exploração e descriminação de incontável número de seres humanos por esses alguns seres humanos que agora se agitam, manipulando as massas, como outros no passado, com o prioritário objectivo de tirar máximo proveito de uma crise alargada que desimpeça a estruturação de novos regimes autocráticos/totalitários favorecedores de acumulação de riqueza e poder nas mãos de uma minoria dominante. Nesta época de estranhas classificações é um Papa, curiosamente rotulado de marxista pelas hostes mais conservadoras e reaccionárias da própria Igreja Católica que lidera, que vem a terreiro, com Carta Encíclica, apelando para o «pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns» (Papa Francisco: Fratelli Tutti, Paulinas, Lisboa, 2020, p.70).

Com Congresso ou sem Congresso, o combate contra a exploração do homem pelo homem tem que ser intensamente contínuo. É uma acção sem intervalos.

João Maria de Freitas Branco
24 de Novembro de 2020

sábado, 21 de novembro de 2020

Depois da comunicação de António Costa

 

Após ter escutado a comunicação do primeiro-ministro, tive curiosidade de passar pelos vários canais televisivos de notícias para ouvir os comentários. Fiquei assustado com o grau de desonestidade de alguns dos intervenientes. Atacam António Costa por não se opor à realização do Congresso do PCP e por se “refugiar numa legislação de 1986”. Mas será que uma lei se cumpre em função da data de promulgação? Ou será que estes comentadores políticos consideram que o primeiro-ministro não deve cumprir a lei? Resolvi fugir. Mais grave ainda é o que se ouviu ontem em São Bento da boca de deputados que parece ignorarem qual é o órgão de soberania para que foram eleitos. Aparentemente, julgam estar na Assembleia Nacional do Estado Novo, num tempo em que de facto a lei permitia a proibição da actividade de partidos políticos desafectos ao Governo. É muito grave que isto se esteja a passar; e não é por acaso que se está a passar agora, num tempo em que o ataque directo à democracia se reorganiza em várias latitudes. É claro que, insistindo na realização do Congresso neste momento de aguda crise pandémica, o PCP comete um erro político de uma ingenuidade difícil de compreender num partido quase centenário. Óptimo contributo para a acção de agitação e propaganda da extrema-direita nascente.

João Maria de Freitas Branco
21 de Novembro de 2020

 

 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Nota sobre as eleições nos EUA: vitória política e vitória moral

 

Neste momento (15h do dia 6 de Novembro, em Portugal, 10h em New York) Joe Biden tem os votos suficientes para ser o 46º presidente dos EUA. É um facto político muito importante. Mas não me entusiasma. Não é só pelo facto de estar ideologicamente distante. É também porque o resultado eleitoral é uma vitória política mas é uma derrota moral. Não se assistiu ao desejável repúdio generalizado do projecto autocrático e da obscenidade trumpista. Isso deixa-me triste e preocupado. Note-se que Trump obteve até agora mais de 68 milhões de votos. É um grande resultado. Um resultado ameaçador. Depois de toda a imoralidade exibida, creio ter havido mais seis milhões de cidadãos americanos que decidiram ir votar neste sujeito execrável. Trata-se de uma enorme base social de apoio. Isto deve fazer-nos reflectir demoradamente. E atenção: está em curso um golpe autocrático com o objectivo de anular as eleições (ver o meu texto “Início do golpe”, no blog RAZÃO – razaojmfb.blogspot.pt – ou aqui na minha página do Facebook). Os votos contados dão a vitória a Biden no “voto popular” e no Colégio Eleitoral. Mas isso ainda não garante a derrota de Trump, porque desde as 19h de ontem (hora americana) ele passou para outro registo: o do golpe. Não sabemos ainda qual a capacidade real que tem de mobilizar a sua base social de apoio (que inclui numerosos grupos armados espalhados por todo o país). E, até agora, o Partido Republicano não se demarcou da acção golpista. Foi ganha uma batalha, mas a guerra está longe de ter terminado.

João Maria de Freitas Branco
6 de Novembro de 2020 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

EUA: início do golpe

 

A última comunicação de Donald Trump, feita por volta das 19h (hora local, meia-noite em Portugal) corresponde ao que eu esperava que acontecesse e, à primeira vista, parece não conter nenhuma novidade. Mas não é verdade. Trata-se de uma comunicação importantíssima e gravíssima que representa um novo passo: o que inaugura um golpe perpetrado a partir da Casa Branca (leia-se o que escrevi no jornal PÚBLICO, edição de 29 de Outubro).

Assistimos há poucas horas a um acontecimento que ficará inscrito na História: às 19h do dia 5 de Novembro de 2020 Donald Trump declarou publica e inequivocamente ser inimigo da democracia e pretender anular as eleições, gesto que abre caminho à completa destruição da democracia na América. Ficou claro que só aceita resultados eleitorais que lhe sejam favoráveis. O passo seguinte vai ser a convocação de manifestações e um apelo explícito à intervenção das milícias armadas que o apoiam. Vai assim tentar criar o caos nas ruas das principais cidades do país para depois poder declarar uma situação de excepção que inviabilize a transição de poder, anulando assim a eleição, a expressão da vontade popular, elemento basilar do Estado de direito democrático.

No momento em que redijo estas linhas tudo indica que Joe Biden vai vencer as eleições. O anúncio dessa vitória talvez ocorra já nas próximas horas, caso o resultado final na Pennsylvania lhe seja favorável. Há muita gente a pensar que isso colocará um ponto final neste processo. Que a partir desse anúncio da obtenção dos 270 votos no Colégio Eleitoral Trump está definitivamente derrotado. Enganam-se. Isso não passa de optimismo ilusório. A tentativa de golpe já em curso vai continuar.

Sei que alguns vão considerar o que aqui afirmo um exemplo de pessimismo alarmista, numa altura em que a derrota eleitoral de Donald Trump parece ser já uma certeza. Mas infelizmente não creio que seja o caso. Não pretendo de forma alguma ser alarmista. Apenas lanço um alerta: não se deixem iludir com a vitória eleitoral de Biden. Isso não vai fazer com que Trump desista. Ele (com o apoio dos seus aliados) já deu início ao golpe e não vai recuar por iniciativa própria. A vitória eleitoral de Biden vai ter que ser reforçada pela vitalidade das instituições democráticas, a começar pelos tribunais (estaduais e federais), e vai necessitar também de amplo apoio popular na rua, como forma de resistência ao golpe antidemocrático em curso.

Chegou o momento da verdade para a direcção do Partido Republicano: vai ela assumir a defesa da democracia ou vai ser cúmplice de um golpe instaurador de um regime autocrático nos EUA?

Já passaram mais de quatro horas e ainda só ouvi silêncio institucional (nenhum comunicado oficial do Partido, nenhuma intervenção formal em nome da direcção partidária), embora alguns republicanos já tenham repudiado pessoalmente a inacreditável comunicação presidencial.  

O que se está a passar nos EUA é o acontecimento político mais importante da actualidade no plano mundial. O que acontecer nos EUA nas próximas horas, dias ou meses irá ter repercussão planetária. A comunidade internacional não pode permanecer em silêncio. A União Europeia e países como nosso têm que reagir de alguma maneira ao discurso golpista de Donald Trump.

Foi iniciado, a partir da Casa Branca, um golpe contra a democracia. Ele foi publicamente anunciado pelo próprio presidente dos EUA às 19h do dia 5 de Novembro.

A Liberdade está debaixo de ataque. É preciso resistir!

João Maria de Freitas Branco

Às 4h:30 do dia 6 de Novembro de 2020

O inaceitável

Nas últimas horas, o presidente dos EUA e candidato eleitoral Donald Trump escreveu mais do que uma vez no Twitter o seguinte:

STOP THE COUNT!

Com maiúsculas e ponto de exclamação. Como se fosse um papá zangado a dar uma ordem aos seus filhotes. É isto admissível? Pode tolerar-se que um candidato queira interromper um escrutínio, anulando o voto expresso por centenas de milhares ou milhões de cidadãos eleitores? Fica provado que Trump é mais um daqueles que só aceita eleições desde que o vencedor seja obrigatoriamente ele.

Não se pode aceitar o inaceitável!

João Maria de Freitas Branco

5 de Novembro de 2020

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Uma eleição americana

Dia de eleições nos EUA. Eleições diferentes do habitual, porque desta vez é a própria democracia que está em jogo. Todos, à esquerda, à direita, ao centro, estão de acordo relativamente à singular relevância deste acto eleitoral. O seu resultado terá impacto mundial.

Leio o seguinte num site da direita cristã, dirigido à comunidade ibero-americana:

«Donald Trump se ha convertido en el último bastión en defensa de la Civilización Judeo-Cristiana. […] Nunca en la historia de EEUU había existido tal diferencia entre los programas de los dos candidatos, ya que el programa de cada uno no se reduce únicamente a la divergencia en propuestas concretas, sino a la propia concepción, bien distinta, de la civilización occidental.

El Partido Republicano de Donald Trump se ha convertido en el último resorte de la defensa del pensamiento occidental cristiano, con un programa centrado en la protección de la vida, la familia, la libertad y la propiedad privada.»

Brien Burch, um líder cristão estadunidense, presidente da organização CV-Catholicvote, também tem apelado ao voto em Trump.

Pensava que a mentira, a difamação, o racismo, o ódio, o apelo à violência, o assédio sexual, o acto de desunir os seres humanos, a defesa do uso de armas de fogo, etc., eram coisas contrárias aos princípios do cristianismo e que por isso um autêntico cristão teria dificuldade em simpatizar com um sujeito como Donald Trump. Mas vejo não ser essa a opinião destes militantes cristãos. No entanto, há quem os contrarie inequivocamente a partir do centro da Igreja Católica. Leiam-se estas linhas retiradas de um escrito recentemente publicado e que me soam bastante mais cristãs:

«Usa-se hoje, em muitos países, o mecanismo político de exasperar, exacerbar e polarizar. Com várias modalidades, nega-se a outros o direito de existir e pensar e, para isso, recorre-se à estratégia de ridicularizá-los, insinuar suspeitas sobre eles e reprimi-los. Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. […] Nesta luta de interesses que nos coloca a todos contra todos, onde vencer se torna sinónimo de destruir, como se pode levantar a cabeça para reconhecer o vizinho ou ficar ao lado de quem está caído na estrada? Precisamos de nos construir como um “nós” que habita a casa comum.» Papa Francisco, Carta Encíclica “Fratelli Tutti”, p.15.

Fica uma certeza: este cristão católico, que até é Papa, jamais votaria numa criatura como Donald. Já me sinto mais “católico”… Quantos outros Franciscos estarão agora a votar nos EUA contra a obscenidade política?

João Maria de Freitas Branco

3 de Novembro de 2020