Não se iludam: caso o PCP tivesse decidido (ou venha a decidir)
não realizar o seu Congresso, isso nunca podia traduzir-se num desejo de enfraquecimento
da acção política que o partido concebe como sendo contra a desigualdade, a
injustiça, a falta de liberdade e, no contexto actual, contra a cada vez mais
exuberante ameaça totalitária que grassa pelo mundo e a que só falta adicionar
um momento de grande crise, como o que se pode desenhar a partir de uma situação
de calamidade pandémica que vai sulcando de modo propiciador ao germinar de
graves dificuldades económicas, sociais e políticas.
Sabemos não faltarem vozes críticas ou acusatórias relativamente
à genuinidade das intenções, bem como da acção concreta desenvolvida pelo partido
em causa, agora estranhamente classificado como “partido de extrema-esquerda”
ou como “partido populista e extremista”. Mas esse debate é irrelevante neste
contexto temático. Não é isso o que aqui se equaciona. Importa antes ter
presente que em Portugal, por efeito da Revolução de Abril de 1974 que pôs
termo a uma ditadura, os Governos deixaram de poder autorizar ou proibir as
actividades político-partidárias. Valiosa conquista à luz da qual não se pode
pôr em causa a legitimidade da organização de reuniões partidárias (para além
de outras), como é o caso da iniciativa agendada pelo PCP para o próximo
fim-de-semana. No entanto, o reconhecimento da total legitimidade do acto não
inibe, nem pode inibir o direito à opinião sobre eventuais vantagens ou inconveniências
políticas da realização de uma determinada actividade partidária. É este um
outro patamar de discussão, independente da legalidade ou legitimidade da
actividade promovida.
Como tenho feito saber, considero que a realização do
Congresso nos moldes previstos fornece armas de fácil manuseamento ideológico
aos inimigos da Liberdade e do Estado de direito democrático, sendo por isso, e
se não houver engano meu, um erro político. Mas a alternativa não pode ser uma
atenuação da força combativa, nem uma suspensão da actividade política. Bem
pelo contrário. O adiamento do Congresso teria que ser realizado através de outra
acção política, criativamente pensada e porventura até mais efectiva, e que
poupasse o PCP a uma muito espectável reprovação popular com inevitáveis
efeitos na sua futura capacidade de intervenção. Não é o ruidoso opinar de
hordas anticomunistas de variegado género que deve preocupar ou prender a
atenção; é antes a boa percepção da sensibilidade popular que deve interessar
os decisores políticos. E quem pensa à esquerda, deverá ter o acrescido cuidado
de avaliar se o seu proceder intensifica a polarização fecundante do
totalitarismo.
Não sei se me vão perdoar o uso do que muitos, em todos os
quadrantes políticos, à direita, à esquerda, ao centro, consideram ser um
vetusto chavão, mas a verdade é que o combate político contra a exploração do
homem pelo homem jamais pode esmorecer. É pelejar permanente. A expressão desconsiderada
(quando não vilipendiada) é, a meu ver, rigorosíssima, porque traduz
exactamente uma fundamental realidade passada e presente da história humana: a
exploração de enormes maiorias de seres humanos por magras minorias de seres
humanos, causando sofrimentos horrendos de infinita dimensão colectiva. A chama
dessa lide deve e tem que se manter bem viva, porque se trata, antes de tudo o
mais, de um imperativo ético e moral!
Na memória mais nobre da história deste nosso invulgar
presente figurarão aqueles que souberam erguer-se contra as renovadas formas de
exploração e descriminação de incontável número de seres humanos por esses alguns
seres humanos que agora se agitam, manipulando as massas, como outros no
passado, com o prioritário objectivo de tirar máximo proveito de uma crise
alargada que desimpeça a estruturação de novos regimes autocráticos/totalitários
favorecedores de acumulação de riqueza e poder nas mãos de uma minoria dominante.
Nesta época de estranhas classificações é um Papa, curiosamente rotulado de
marxista pelas hostes mais conservadoras e reaccionárias da própria Igreja
Católica que lidera, que vem a terreiro, com Carta Encíclica, apelando para o «pensar
e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a
apropriação dos bens por parte de alguns» (Papa Francisco: Fratelli Tutti, Paulinas, Lisboa, 2020, p.70).
Com Congresso ou sem Congresso, o combate contra a
exploração do homem pelo homem tem que ser intensamente contínuo. É uma acção
sem intervalos.
João Maria de Freitas Branco
24 de Novembro de 2020