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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Torre Bela -- Torre da Vergonha


Sinto profundo desprezo por quem denota satisfação por matar um animal, vangloriando-se do feito vergonhoso. Quem alegremente se faz fotografar ao lado de cadáveres de animais por si trucidados para satisfazer insanos prazeres de caçador desportivo só pode ser um ser humano mal formado e de baixo nível moral. O massacre de Torre Bela, provocando a morte de centenas de animais indefesos e encurralados, é um acto abjecto, indigno e criminoso. É inadmissível que possa permanecer impune, como aconteceu em casos anteriores. Exige-se uma exemplar condenação dos criminosos – que neste caso são um grupo organizado de caçadores que pagou para matar.

João Maria de Freitas Branco
23 de Dezembro de 2020

 

domingo, 20 de dezembro de 2020

Discórdia em torno de Eduardo Lourenço

 

Como já referi em outro texto aqui publicado, Eugénio Lisboa abandonou o JL por achar que o director do jornal lhe endereçou algumas “farpas” no editorial, ou artigo introdutório da edição especial do JL inteiramente dedicada a Eduardo Lourenço, publicada no passado dia 16, no seguimento do seu falecimento no início de corrente mês.

Só li os artigos que estão na base da desavença depois de ter tomado conhecimento da carta de Eugénio Lisboa. Mesmo estando alertado pela epístola, devo dizer que não consegui encontrar no editorial nenhuma evidência desse ataque “enviesado”; as ditas farpas, a existirem, estão, ao que me parece, bem disfarçadas e, provavelmente, só serão notadas e sentidas por quem esteja mais por dentro da edição em causa.

Porém, não tenho a mínima dúvida de que José Carlos Vasconcelos discorda, e muito, do conteúdo crítico do artigo de Eugénio Lisboa. Tal não é o meu caso. Bem pelo contrário. Concordo desde logo com a atitude do articulista. Homenagem não é sermão laudatório. O melhor e mais nobre gesto de homenagem não deve apresentar-se na praça pública despido de espírito crítico. Tal desprovimento conduz lestamente ao discurso panegírico, encomiástico, que quase sempre mais concorre para diminuir o visado do que para o engrandecer, provocando efeito contrário ao pretendido. Aristóteles engrandece Platão através da crítica; Galileu engrandece Aristóteles pela mesma via.

Mas para além da concordância com a atitude, revejo-me no conteúdo crítico. Sintoniza ele, no essencial, com o que desde há muito penso sobre o estilo do ensaísmo literário de Eduardo Lourenço. Para que melhor se perceba, tomo a liberdade de trazer para este espaço público parte de um meu escrito privado: uma missiva ontem endereçada a um Amigo depois de ter lido os textos de Eugénio Lisboa e José Carlos Vasconcelos, mas que, no que toca aos parágrafos que passo a citar, bem podia ser dirigida a qualquer outra pessoa interessada por estes assuntos da Cultura. Por isso, aqui vai:

«[…] Devias ler o artigo do Eugénio Lisboa sobre o Eduardo Loureço, causador do desentendimento com o José Carlos Vasconcelos. É a primeira vez que vejo publicada a minha própria opinião crítica. Como sabes, conheci pessoalmente o Eduardo Lourenço e os contactos que mantive com ele foram de grande cordialidade. Uma pessoa em cuja companhia sempre me senti bem e que era verdadeiramente estimável. Outra coisa é o seu estilo ensaístico. Simpatizo com o homem mas não com a sua prosa ensaística. Esta não é nem nunca foi do meu agrado. Não é uma prosa escorreita, límpida, imediatamente servidora da clareza da ideação. Demasiados artificialismos barrocos que acabam por obscurecer a ideia, por dificultar a compreensão do pensamento. Além disso, também, a meu ver, lhe falta nervo no verbo – essa essencial qualidade que encontramos em abundância nos escritos do Oliveira Martins, nos textos em prosa do Antero de Quental, no ensaísmo filosófico do António Sérgio – e já nem falo do Eça cronista. O Eugénio Lisboa dá como exemplo contrastante o Régio, o Sérgio e o Sílvio Lima. Concordo totalmente com o artigo dele e não tenho dúvida de que o José Carlos Vasconcelos discorda fortemente do que é dito. Não preciso de lhe perguntar, conheço a sua opinião.

Também a mim me inquieta o modo "unanimista e incontinente da homenagem que se tem andado a fazer e que deixa muito a desejar, quando se vise um escrutínio sereno, objectivo e inteligente, que a obra de Eduardo Lourenço requer e merece" (E.Lisboa: “Somos o passado de amanhã”, JL, Edição Especial de 16/12/2020, p.34).»

Espero, como amigo de ambos, do José Carlos e do Eugénio, que se supere o desentendimento e que todos possamos continuar a conviver com as enriquecedoras colaborações do Eugénio Lisboa nas páginas do JL.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 20 de Dezembro de 2020

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Eugénio Lisboa abandona o JL

 

O último número do JL, ontem chegado às bancas, é inteiramente dedicado a Eduardo Lourenço. Trata-se de uma edição especial no seguimento da morte do ensaísta no passado dia 1. Um dos artigos sobre o homenageado é de Eugénio Lisboa, colaborador permanente do jornal desde há muitos anos; mas parece ter desagradado ao director, José Carlos Vasconcelos, que resolveu dar a conhecer publicamente esse seu sentir através do editorial. Em resposta, Eugénio Lisboa escreveu uma carta ontem transcrita por Eduardo Pitta na sua página do Facebook e que agora transponho para aqui.

«José Carlos de Vasconcelos, quero comunicar-lhe que não volto a colaborar no JL. Enquanto o fiz, procurei sempre dizer, com “franc parler” que devo a bons e íntegros mestres, aquilo que penso: com admiração, quando ela é devida, mas sem idolatrias próprias de ditaduras de terceiro mundo.

Para este número, dedicado a Eduardo Lourenço, enviei-lhe um texto a seu pedido. Isso convocava, da sua parte, no mínimo, neutralidade e cortesia, não as farpas envenenadas da sua editorial.

A minha colaboração de tantos anos, que não é de qualidade “imaginária” — ou, se é, porque continuou a mantê-la? — não justifica um ataque tão enviesado. A minha visão do Eduardo Lourenço é a minha, a que sinceramente tenho e posso garantir-lhe que não estou só.

Seja como for, não voltarei a incomodá-lo com os meus textos e desejo bom futuro ao JL. Eugénio Lisboa»

 

Má notícia. Eugénio Lisboa, que bem conheço e muito estimo, faz parte da nossa melhor paisagem intelectual. Ainda não li o artigo que escreveu sobre o Eduardo Lourenço, nem o editorial do José Carlos Vasconcelos; e não sabia da discórdia plasmada na carta. Fico, para já, com uma certeza: quem perde é o JL (jornal de que fui colaborador permanente e correspondente no estrangeiro) e os seus leitores. Lamentável.

João Maria de Freitas Branco
17 de Dezembro de 2020

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Tripla mágoa: Eduardo Lourenço, a Jovem e a TV

 


A morte de Eduardo Lourenço teve lugar precisamente há uma semana, no dia 1 de Dezembro, dia da restauração da independência. Empobrecimento da paisagem humana no planalto da Cultura nacional com o desaparecimento de um verdadeiro intelectual, autêntico como poucos neste tempo de pensamento ligeiro votado ao entretenimento e à correria tumultuosa – tão abusadora do espírito, como diria o nosso bom Eça.

Poucos dias após a morte do insigne pensador da Portugalidade, que nos educou o olhar para nós próprios, que nos instruiu na contemplação da nossa condição de portugueses e no exercício do reflectir sobre a Nação lusa, constatamos que de acordo com os critérios editoriais dominantes nos espaços televisivos dos nossos canais de notícias é atribuída maior relevância noticiosa à morte trágica de uma jovem por ser filha de um cantador popular do que ao óbito do pensador. Um dos canais, a cmtv, chegou ao cúmulo do despropósito de alterar toda a sua programação, exibindo a morte trágica como entretenimento!

O insuportável despautério representa o assassinato do Jornalismo ao mesmo tempo que corrói a mentalidade individual e colectiva, baixando-lhe o nível. Coisas que, não se duvide, seriamente auxiliam a germinação de fenómenos como aquele a que tenho vindo a chamar indecência americana – o espectáculo de decomposição da sociedade estadunidense assolada por vagas trumpistas e outras semelhantes formas de obscenidade.

Eis a razão pela qual não se pode encolher ombros e deixar que o despautério se instale como hábito. Remetermo-nos a um silêncio cúmplice e cobarde, como muitos fazem, aceitando o inaceitável, é abrir via rápida para a catástrofe existencial: a revitalização e triunfo da barbárie.

Por ser evidente para qualquer pessoa de bem, dispenso-me de explicar que não está aqui em causa nenhuma hierarquização de sentimentos, de comoções, e muito menos de seres humanos e de mortes de seres humanos. Em causa está sim a semeadura de confusão de valores na esfera da hierarquização mediática de um legado público de dimensão nacional.

Não se pode tolerar que a televisão seja o que Eduardo Loureço disse ser. Descreveu-a assim:

«A televisão é um instrumento permanente do divertissement. […] É uma cultura do esquecimento e uma criação do esquecimento sobre o esquecimento».

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 8 de Dezembro de 2020