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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Resposta a uma leitora


Resposta à prezada Leitora e Amiga-Facebook Maria Gabriela Bragança:

Compreendo o sofrimento a que alude. Mesmo não conhecendo pessoalmente D.Carlos de Azevedo -- o que para o efeito é irrelevante --, desejo que a sua inocência venha a ser provada tão depressa quanto possível. Que esteja claro para todos os meus leitores não ter havido da minha parte a menor intenção de acusar o Bispo D.Carlos de Azevedo ou o propósito de emitir qualquer juízo sobre a alegada prática de assédio sexual. Insurjo-me, sim, de forma veemente, contra o pensamento e a acção da hierarquia da Igreja Católica que insultam a inteligência, a moral e os princípios civilizacionais. Aludi ao tão badalado “caso D.Carlos de Azevedo” apenas porque ele ilustra bem a desonestidade intelectual que a Igreja exibe, bem como as aberrações que de aí resultam. Essa desonestidade ofende, por exemplo, a dignidade de todos os padres homossexuais como D.Carlos Azevedo. Para que não haja dúvidas, passo a citar o próprio Papa: «A Igreja não pode admitir nas ordens sagradas e nos seminários aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente arreigadas ou que apoiam a chamada cultura gay» -- palavras do sumo Pontífice pronunciadas no dia 28 de Novembro de 2005, em pleno século XXI. Estranho é parecer ficar eu, que sou ateu heterossexual a tempo inteiro, mais indignado com este discurso papal do que muitos católicos homossexuais, incluindo Bispos, que perante o carácter aberrante do citado discurso papal permaneceram e permanecem em silêncio. E, não fosse eu ateu, racionalista crítico materialista ficaria também, no mínimo, bastante preocupado com o silêncio, com o apartamento, com a ineficácia, com a impotência do divino Espírito Santo perante a dimensão do despautério. Mas, “graças a deus”, escapo a esse dubitativo incómodo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A homossexualidade do Bispo


O caso do Bispo D.Carlos de Azevedo (mais um caso), que nas últimas horas ganhou grande visibilidade mediática, exemplifica o que escrevi nos meus últimos textos aqui publicados sobre a Igreja católica. Na base deste caso está essa mesma ideologia, de um gritante conservadorismo reaccionário, que tem sido cultivada pelo Vaticano e, em geral, por toda a hierarquia da Igreja. Essa ideologia (pensamento católico oficial) bem como a acção que nela se estriba entram em clara contradição com os Direitos do Homem, ferem os mais elementares princípios da Liberdade, então em conflito com a Civilização e com as suas linhas de progresso, pelo que devem ser denunciadas como factor de obscurantismo, como coisa inaceitável, acintosa e vergonhosa. A interferência da Igreja na liberdade sexual dos seres humanos, a que se adiciona o sistemático encobrimento de actos de prevaricação cometidos pelos seus membros, prefigura a prática de crime.

Faço notar que perante a denúncia interna de um alegado crime de assédio sexual feita por um padre contra um Bispo, a instituição Igreja católica, decorridos que estão mais de dois anos, não apresentou o caso às competentes autoridades judiciais do Estado português para que pudesse ser investigado e, confirmando-se ter havido prática criminosa, ser julgado em tribunal. Atitude de silenciamento bem pouco digna e nada cristã, para além de ser ilegal.

 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Esclarecedora resignação papal


A renúncia papal parece ter tido já o indiscutível mérito de tornar visível para o grande público o que é a realidade interna do Vaticano: um ninho de víboras, um campo de batalha pelo poder em que a mais desavergonhada imoralidade prolifera livremente. A cada dia que passa, vamos percebendo de forma clara quais foram as verdadeiras causas do acto de resignação. O correspondente do El País em Roma, o jornalista Miguel Mora, escreveu o seguinte: «Os lobos ganharam a partida»; Bento XVI resolveu partir «antes de ser devorado pelos abutres». Pudera, ninguém duvidará que o cardeal Joseph Ratzinger, até bem antes de se ter tornado Papa, já conhecia de ginjeira a vasta e truculenta história de mortes misteriosas e assassinatos de Pontífices. O caso de Albino Luciani, Papa por um mês com o título de João Paulo I e cujos discursos pontifícios estranhamente (ou talvez compreensivelmente) não se encontram à venda na livraria do Vaticano (como pude comprovar in loco), está ainda bem presente na memória das pessoas informadas. Como alguém escreveu, «muito longe do céu e muito perto dos pecados terrestres» o Vaticano é «um ninho de hienas enlouquecidas» lutando pelo poder, pela defesa de privilégios. Na cúria não se olha a meios para atingir os inconfessáveis fins. Foi esse oceano de imoralidade, de corrupção, de ódios, de traições, de crimes financeiros, e sei lá que mais, foi isso que Bento XVI acabou por descobrir completamente, através de um comunicado elaborado por um grupo de cardeais, ao regressar a Roma depois da viagem ao México e a Cuba.

A toda esta montanha de imoralidades, ao desavergonhado apego aos bens materiais e ao poder temporal em total detrimento da apregoada espiritualidade cristã, junta-se um asfixiante conservadorismo reaccionário de que Bento XVI foi o último lídimo representante no seio da Igreja católica. A condenação das teologias da libertação paralelamente à revogação da excomunhão dos arcebispos fascistas lefebvrianos, que recusam o Concílio Vaticano II; a classificação da manipulação genética e outros trabalhos de investigação científica como sendo um dos sete pecados capitais; a descriminação da mulher; a perseguição dos homossexuais; a ameaça de excomunhão endereçada aos políticos defensores da legalização do aborto e a excomunhão de jovens violadas que decidiram praticar o aborto, quando não consta que nenhum dos responsáveis por Auschwitz tenha alguma vez sido excomungado. Enfim, é melhor ficarmos por aqui pois a indecorosa lista de obscurantismos vergonhosos é demasiado longa. As intrigas, as negociatas, os comportamentos mafiosos envolvendo o Banco do Vaticano, o apego ao poder temporal, etc. etc. sugerem fortemente que haja prelados da Igreja, no próprio topo da hierarquia, que afinal não são nada cristãos. Talvez não falte quem um dia se lembre de dizer que eles são assim, homens maus, por serem bispos ateus. Como se calculará, não me desagrada a eventualidade de se terem “convertido” ao ateísmo; o que me indispõe é serem desonestos, corruptos, criminosos, mafiosos, sejam crentes ou não crentes disfarçados de cardeais. Uma coisa parece ser exuberantemente evidente quando hoje se observa o que se passa no Vaticano (e já deixando de olhar para o passado): a religião não faz com que as pessoas se comportem melhor; não lhes confere superioridade moral. O mesmo vale para o ateísmo.

Entretanto, cá na nossa terrinha todos os dias aparecem uns patetas sorridentes, beatos empedernidos, que alegremente proclamam que a Igreja não está em crise, que está plena de saúde. Caramba! São tão sectariamente patetas que até nem percebem ser o próprio Papa que dizem adorar quem está a denunciar a vergonha da corrupção nos corredores do Vaticano? No último programa televisivo “Prós e Contras” (que quando se trata de discutir a Igreja mais é um “Prós e Prós” pago por nós), tivemos paradigmáticos momentos de exibição desse patetismo sorridente por vezes agravado de hipocrisia reaccionária, como quando um dos intervenientes, conhecida figura pública ligada ao Opus Dei, se permitiu gozar com o indigno tratamento dado à mulher no interior da Igreja. «A Igreja está cheia de mulheres que participam na vida religiosa e não se calam»,foi mais ou menos isto o que disse o dito Sr. Mas nem Fátima Campos Ferreira nem nenhum outro interveniente no programa soube confronta-lo com a pergunta: quantas mulheres vão participar no próximo conclave para a eleição do sumo Pontífice? Quantas mulheres ocupam lugares de poder na cúpula do governo do Estado do Vaticano? Quantos católicos, mulheres e homens, estariam dispostos a aceitar a implementação no Estado português das regras vigentes no Estado do Vaticano? Que se diria se em Portugal as mulheres passassem a estar impedidas de votar, de serem eleitas para a Assembleia da República, ou de ocuparem o lugar de Primeiro-Ministro e Presidente da República? Qual a noção vaticanista de Democracia? O Espírito Santo é antidemocrata?

Espantoso é ver como em todos estes debates que se têm multiplicado nos últimos dias, cada vez mais acesos, nem mesmo os católicos mais fervorosos aparecem a falar da função da “vontade de Deus”? Afinal que faz deus no meio disto tudo? O Espírito Santo inspirou os eleitores de Bento XVI e agora fica impávido perante a derrota do seu escolhido/protegido na luta contra a corrupção, o crime, a imoralidade na sede da sua própria santa Igreja? Como pode, na óptica de um crente católico, ser tão fraquinha a “vontade de Deus”? Será que afinal o falecido Christopher Hitchens tinha razão e God is not great? Será que a Fé dos crentes no absoluto poder divino, a tal omnipotência divina, é, ao cabo de contas, tão nula como a minha, a de um humilde racionalista laico. Mas que completo despautério!

 

Texto publicado no Blog RAZÃO – razaojmfb.blogspot.pt

 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Meteorito alfacinha


Curioso que não tenha havido nos últimos dias nenhuma referência pública (que eu tivesse visto) ao facto de ter ocorrido sobre Lisboa, há mais de 30 anos, durante a noite, um fenómeno idêntico ao que foi observado na passada sexta-feira na Rússia. Assim, o nosso meteorito, que não causou onda sónica, continuará travestido de nave espacial alienígena (a “explicação” que prevaleceu na época) e a colorir a memória de muitos incautos alfacinhas.
 
Lamentavelmente não me recordo da data exacta do acontecimento. Tenho ideia que foi no final dos anos setenta do século passado (1978 ou 79). Só tenho a certeza de que foi há mais de 30 anos. Lembro-me de ter ocorrido por volta da uma hora da madrugada. Foi testemunhado por uma equipa de reportagem da RTP que nesse momento circulava na zona do Marquês de Pombal. O efeito mais espectacular foi descrito pela jornalista que integrava essa equipa que regressava aos velhos estúdio do Lumiar: «Repentinamente ficou dia em Lisboa, durante cerca de 10 segundos; foi como se o Sol tivesse surgido no céu apenas durante uns segundos», disse a repórter numa peça que foi apresentada no Telejornal do dia seguinte. Esse depoimento deve estar ainda nos arquivos da RTP. Mas como comentou ontem, na minha página do Facebook, o também jornalista Milan Balinda, o problema é que, ao contrário do meteorito russo, deste nosso não ficou nenhum registo de imagem. Nesse então não havia câmaras de vigilância espalhadas por todo o lado, nem telemóveis. Foi no século passado…

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Dúvidas em torno da renúncia de um Papa



A população católica – cada vez mais reduzida nos países com elevados índices de escolaridade – foi surpreendida pela resignação do Papa Bento XVI. Pondo de parte as amargas razões de saúde que estiveram na base da decisão papal, parece-me a mim, cidadão laico, tratar-se, em princípio, de uma boa notícia, por representar a saída de alguém que, no exercício de um cargo de poder, se opôs ao progresso civilizacional, bem como à modernização da Igreja. A apreciável erudição do teólogo Ratzinger sempre se traduziu em pensamento e acção de acentuado conservadorismo reaccionário. Algo que adquire particular gravidade quando, aproveitando-se da crença de muitos seres humanos, quarta a mais intima e privada liberdade das pessoas, estabelecendo, por exemplo, quais são os comportamentos sexuais virtuosos e os pecaminosos.

Para uma mente critico-racionalista e céptica, como a minha, causa espanto a desconsideração pela alegada omnisciência divina exibida pelos crentes católicos. Admitindo estes como verdade inquestionável que no conclave os cardeais eleitores escolhem o Papa em função de uma directa inspiração do espírito santo, como não estranhar o lapso de previsão? Como pôde escapar a um omnisciente a antevisão de que iriam faltar ao eleito Ratzinger as energias físicas e psíquicas requeridas para o cabal cumprimento da missão papal de representação terrena do próprio divino espírito inspirador? Como se justifica o divino lapso? E tendo-se tornado Papa «por vontade de Deus»,tal como afirmou o próprio sumo Pontífice logo após a sua eleição em Abril de 2005, como ousa agora o ainda Bispo de Roma contrariar essa suma vontade omnipotente? Como pode o humilde servidor contrariar assim a vontade do seu divino Senhor? Falou com o seu Deus antes de resignar, obtendo permissão para o gesto, responderão alguns. Muito bem. Mas então, se resignou também «por vontade de Deus», ou com o seu sapientíssimo agrément, como se justifica que os católicos que tenho escutado nas últimas horas falem invariavelmente de coragem, afirmando, como D, José Policarpo, tratar-se de «um acto extraordinariamente corajoso»? Que coragem, se a decisão foi tomada em sintonia com a vontade divina? Desculpem, mas tenho por hábito reservar o nobre substantivo para qualificar outro tipo de gestos, em que há clara exibição de grande firmeza de ânimo perante enormes perigos, riscos, sofrimentos, etc. Tendo a aquiescência, a concordância, a fiança de um ser omnisciente e, para mais, omnipotente, não vejo que coragem é requerida para avançar… Ou será que me está curta a inteligência?

Recorde-se que, na Europa, no coração da civilização moderna, um Estado como o Vaticano, Estado eclesiástico, não democrático, só pode “justificar-se” com base no suposto da crença religiosa num Deus pessoal demiúrgico, omnipotente, omnisciente, infinitamente bom e misericordioso.

Continuando a colocar-me na posição do crente católico, também não chego a entender as intervenções públicas de vários prelados da Igreja ao longo das últimas horas, discutindo quem deve ser o sucessor, se deve ser “de esquerda” ou “de direita” -- terminologia utilizada por um padre num telejornal. Mas se a escolha vai ser ditada pela vontade de Deus, porquê então tanta preocupação política? Por que temem uns que o sucessor de Bento XVI seja outro conservador e outros que possa ser um progressista que ponha fim a medievalismos como o da subalternização da mulher, o celibato, a condenação da homossexualidade, a proibição do uso de contraceptivos, a estigmatização do divórcio, o impedir da legalização da interrupção voluntária da gravidez ou da prática da eutanásia? Caramba! Não haverá em tudo isto despudorado excesso de contradição, de incoerência, de confusão e, pasme-se, de falta desbragada de Fé católica?

Não será o espectáculo a que temos assistido nos vários órgãos de comunicação desde a hora do anúncio público da resignação papal algo que, dado o contexto religioso, se pode baptizar de “salada de tretas”?