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sábado, 31 de outubro de 2020

Trump - neutralidade?

Não resisto a confessar aqui, publicamente, ter ficado arrepiado com o debate sobre as eleições americanas na SIC-Notícias, ontem (29/10/2020), no programa “Expresso da Meia-Noite”. Como se pode falar de Donald Trump normalizando-o? Em nome da neutralidade? Mas como pode um jornalista que se preze ou um comentador democrata ser neutral perante um sujeito que diz que «os media são inimigos do povo», que anunciou nas Nações Unidas estar pronto para apagar do mapa a Coreia do Norte, destruindo-a com recurso a armas nucleares, que é racista e elogia nazis, que nega a ciência, que simpatiza com o movimento QAnon, que mente de forma sistemática, que difama, que apela à intervenção de milícias armadas, que grita «Libertem o Michigan!» e não condena a tentativa de sequestro e assassinato da governadora desse estado? Etc., etc. Como se pode alimentar uma atitude de neutralidade face a um candidato tão execrável? Como se pode considerá-lo “normal”? Fico assustado.

João Maria de Freitas Branco

31 de Outubro de 2020

terça-feira, 27 de outubro de 2020

Luís de Freitas Branco: Ensaios sobre Beethoven

 

Neste ano em que se comemora com indesejáveis limitações pandémicas o 250º aniversário do nascimento do grande Ludwig van Beethoven, é com satisfação que venho aqui anunciar que já se encontra disponível nos escaparates (reais e virtuais) das livrarias a nova edição dos dois ensaios beethovenianos escritos pelo meu Avô, o compositor e musicólogo Luís de Freitas Branco, nos anos 40 do século passado e originalmente publicados na Biblioteca Cosmos, dirigida por Bento de Jesus Caraça. A presente edição, com a chancela da Editorial Caminho, reúne num único volume os dois ensaios e interrompe um longo período de quase inacessibilidade a estes escritos que fazem parte do nosso património musicológico. Quero aqui agradecer publicamente ao amigo editor Zeferino Coelho o entusiasmo com que acarinhou este projecto editorial. Sem o seu empenho os textos teriam continuado a estar afastados das novas gerações de leitores. Quero ainda saudar a enriquecedora colaboração de outro amigo, o musicólogo Paulo Ferreira de Castro, que competentemente prefaciou o volume agora disponibilizado.

Referência bibliográfica:

FREITAS BRANCO, Luís de: “Beethoven – vida e personalidade”, Editorial Caminho, Lisboa, 2020, 184 pp.

 

João Maria de Freitas Branco

27 de Outubro de 2020

 

 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

NOTA DE UM CIDADÃO PREOCUPADO

NOTA DE UM CIDADÃO PREOCUPADO

 

A direita antidemocrática portuguesa tem manifestado crescente admiração por Donald Trump. O desejo de que seja ele o vencedor das eleições no próximo dia 3 de Novembro tem sido explicitado de várias formas. É uma atitude legítima e coerente. Porque a liberdade de opinião deve ser total e porque, como um terramoto, Trump tem estado de facto a abalar os pilares da democracia na América, para utilizar a expressão de Alexis de Tocqueville. E prepara-se para demolir o pilar Eleições, fazendo com que muitos votos por correio não sejam contabilizados, por presumir serem-lhe desfavoráveis. Estou convicto de que nunca aceitará a derrota e transferência de poder. Fará tudo o que estiver ao seu alcance, seja ou não legítimo, para distorcer a seu favor o resultado eleitoral. A partir da madrugada do próximo dia 4 de Novembro a situação nos EUA será muito incerta e extremamente perigosa, para a América e para o mundo. Não vejo por cá, nem por lá muita gente consciente desses perigos reais. Já foram ultrapassadas demasiadas linhas vermelhas sem que o clássico system of checks and balances tivesse funcionado como travão eficaz. Temo o pior – incluindo o confronto armado.

Algumas pessoas dessa direita simpatizante do candidato republicano, sabendo-me defensor do valor da tolerância (no sentido moderno do termo), vêem na atitude crítica que tenho publicamente assumido um gesto de incoerência. Não compreendo o reparo. Primeiro porque a minha crítica não amordaça o opositor, nem em caso algum pretende fazê-lo; apenas esgrime argumentos (ou contra-argumentos) com o objectivo de fundamentar uma discordância profunda, esgrimindo contra o que considero ser uma verdadeira ameaça civilizacional, por concorrer para a estruturação do totalitarismo e para o apagar de conquistas históricas fundamentais. Repito: a liberdade de opinião deve ser total, pois só assim se garante a Liberdade. Em segundo lugar, penso que a idiotice não merece consideração, se bem que cada um de nós possa exibir livremente opiniões e comportamentos idiotas – como os de Donald Trump ou outros quaisquer.

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 23 de Outubro de 2020

 

 

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

PENSAR -- UMA FORMA DE HOMENAGEAR PATY

 

A horrorosa morte do professor Samuel Paty tem um enorme valor simbólico. Depois de ler e escutar algumas opiniões, nomeadamente as expressas no Facebook, em trocas argumentativas mais ou menos inflamadas, desejo trazer à colação alguns factos e propor um exercício de reflexão, esperando assim poder concorrer para o enriquecimento do debate, bem como para a dilucidação de algumas graves questões relacionadas com o acto terrorista e que tanto agitam o ambiente, em Portugal e no mundo.

Como primeiro contributo para a discussão, deixo aqui a memória de um acontecimento histórico esquecido e até intencionalmente ocultado. No dia 17 de Outubro de 1961, em pleno centro de Paris, a polícia francesa matou um elevado número de pessoas que participavam numa manifestação de argelinos, manifestação pacífica organizada pela federação de França do FNL (Front de Libération Nationale). Muitos dos manifestantes foram lançados pelos polícias para as águas do rio Sena a partir da ponte Saint Michel e de outras pontes do centro da cidade. A operação policial repressiva foi ordenada e comandada pelo então chefe da polícia de Paris, Maurice Papon, um criminoso de guerra (do período da ocupação nazi). Ainda hoje se desconhece o número exacto de vítimas mortais. Algumas estimativas apontam para 150/200 mortos. Não pensei que me enganei na data e no local. Não. Não foi no ano de 1261, nem outro qualquer 61 anterior ao século XX. Nem foi em nenhuma capital de uma república das bananas. Foi em Paris, capital de França e do Iluminismo, no ano de 1961, há apenas cinquenta e nove anos. E em 2011, por ocasião do 50º aniversário, o então presidente da República Francesa, Nikolas Sarkosy, impediu que se realizasse uma cerimónia oficial evocativa do massacre.

Para além desta memória quase apagada, recomendo que pensem numa violência bem mais recente: o assassinato de dois manifestantes em Agosto último, no Wisconsin, e perpetrado por um jovem de 17 anos, militante de extrema-direita, que percorreu muitos quilómetros para ir estabelecer a “lei e ordem” propugnada por Donald Trump. Vêem alguma semelhança entre o imã extremista que através das redes sociais instigou à violência (fazendo com que um jovem de 18 anos saísse de casa para decapitar um professor que não conhecia e que vivia a cerca de cem quilómetros de distância) e o presidente Trump? Se virem, é capaz de não ser pura coincidência. Sugiro um exercício: elaborem a listagem dos ideais e dos principais princípios programáticos do islamismo radical e do trumpismo; concluída a compilação, comparem os respectivos conteúdos listados.

Pensem bem!  

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 21 de Outubro de 2020

domingo, 18 de outubro de 2020

Como se mata a democracia

 

Uma das notícias do dia que mereceu chamada à primeira página de um jornal:

Deputada transforma falsificação em “imprecisões no registo comercial”.

Trata-se de uma deputada do PS que falsificou um documento para evitar ser acusada e constituída arguida num processo em que o marido (ex-presidente de uma câmara municipal) será julgado. A deputada em causa, que chegou a ser vice-presidente do Grupo Parlamentar do PS em três mandatos, não apresentou a sua demissão e nada indica que tenha intenção de o fazer. No entanto, é claramente inadmissível que uma pessoa que comprovadamente falsificou documentos permaneça no Parlamento.

Muitos terão reagido à notícia com indignado lamento por mais um caso de falta de ética no comportamento de um responsável político, outros terão optado por um resignado encolher de ombros. O caso foi revelado na imprensa no dia 25 de Setembro deste ano. Passaram 23 dias. Será que o Partido Socialista vai tomar posição em defesa da dignidade do seu Grupo Parlamentar? Ou será que vai admitir o inadmissível?

A conclusão a que quero chegar: um caso como este é mais letal para a democracia do que muitos discursos de políticos de extrema-direita. Alguns dos maiores inimigos da democracia vestem a pele de democratas.

 

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 18 de Outubro de 2020