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terça-feira, 29 de setembro de 2020

Debate eleitoral?

Ao longo do dia de hoje, todos os grandes órgãos de comunicação espalhados pelo mundo estão a noticiar a realização de um debate político eleitoral. O primeiro debate entre os dois principais candidatos à presidência dos EUA, Donald John Trump e Joseph Robinette Biden (mais conhecido por Joe Biden).

 Essa atenção generalizada tem plena justificação, uma vez que o resultado da eleição presidencial estadunidense se repercute directa ou indirectamente na vida de cada um de nós, na realidade de cada região, de cada país, de cada continente. Uma única decisão do presidente dos EUA e da sua Administração pode abalar a paz mundial, acabar com a civilização humana e até pôr fim à vida na Terra. Mesmo pondo de parte a hipótese de catástrofe nuclear, a salvação do Planeta enquanto espaço acolhedor de vida, humana e não humana, passa em grandíssima medida pelo empenhamento dos EUA em políticas ambientais que se traduzam em acções de efectivo combate ao aquecimento global e à poluição.

  No entanto, essa principal notícia do dia é essencialmente falsa. Mais um caso de fake news, mesmo tendo a atenuante da não intencionalidade, como adiante se perceberá.

Que me leva a classificar assim uma notícia tão clara e objectiva? Onde está a falsidade dessa notícia que por todo o lado circula? Explico: o que está a ser noticiado é uma impossibilidade. Está a ser anunciada a realização de uma coisa impossível de se realizar. Eis a razão da falsidade apontada.

O acontecimento que está a ser anunciado, um debate político entre dois sujeitos, Joe e Donald, nunca poderá ter lugar. Esta previsão é fácil de fazer. Um dos sujeitos envolvidos não satisfaz os supostos mínimos para que se possa realizar um debate político autêntico. Por isso, o que vai ter lugar dentro de poucas horas (por volta da meia-noite portuguesa) é um encontro entre dois candidatos a uma eleição num palco mediático, mas nunca será um debate.

Duas pessoas não podem manter discussão séria sobre um tema se pelo menos uma delas for totalmente ignorante na matéria em causa, se for destituída da capacidade de racionalização, se não souber distinguir entre o verdadeiro e o falso, os factos e as mentiras/ilusões, a legalidade e a ilegalidade, e se, para além disso tudo, for um indivíduo desprovido de ética e de moral, um completo agente da desonestidade (em todos os registos). Uma simples conversa a dois em que um dos sujeitos envolvidos mantenha, por inépcia ou intencionalidade, um discurso essencialmente irracional tenderá a ser um acto estéril. Se for um debate, uma discussão de ideias, a consequência do investimento será ainda mais decepcionante, dado o indeclinável curto-circuito causado pelo contacto do puro discurso irracional com o discurso racional. É por isso que quando acidentalmente nos cruzamos com uma víbora num caminho estreito convém não optarmos por tentar encetar uma discussão sobre direitos de utilização daquele exíguo espaço.

Receio que Joe Biden caia no erro colossal de querer realizar o impossível: um debate com a víbora.

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 29 de Setembro de 2020

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Convocar a memória

Depois de ontem terem sido tornadas públicas umas certas propostas políticas. Convém trazer à memória as Nürenberger Gesetze, de 1935. Também é recomendável rever o filme “Judjement at Nuremberg”, realizado por Stanley Kramer no início dos anos 60. Lembram-se da cena protagonizada por Montgomery Clift , interpretando admiravelmente o papel de uma das testemunhas? É preciso saber-se recolher os ensinamentos da História.

sábado, 19 de setembro de 2020

Fátima e a pandemia

Nem todos os crentes católicos acreditam nas aparições de Fátima (nem a tal estão obrigados); mas ao que tudo indica há uma grande maioria que acredita, e muitos destes, movidos pela sua fé, foram ao santuário em busca de uma milagrosa cura para as suas maleitas mais gravosas. O fotógrafo Alfredo Cunha captou artisticamente as figuras, os rostos, o sofrimento, o profundo sentimento religioso desses fiéis e peregrinos (álbum publicado em 2017). Para todos esses crentes, Fátima é local de cura, é espaço sagrado negador da doença, por efeito de intervenção sobrenatural. Como se pode obrigar esses fiéis de Fátima a acreditar que o santuário possa ser agora perigoso local de contágio, espaço onde se corre sério risco de adoecer? Como pode a Covid-19 propagar-se nesse local sagrado de cura? Como se justifica que os fiéis sejam proibidos de aí se juntarem por causa da ameaça de um vírus? Como aceitar essa contradição sem insultar a inteligência? Recorde-se que Jacinta Marto e Francisco Marto, dois dos três pastorinhos de Fátima, morreram em consequência de uma pandemia (a da pneumónica ou gripe espanhola) pouco tempo depois de terem observado a alegada aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria. (Dispenso-me de tecer considerações sobre o modo como a comunicação social tratou o acontecimento religioso do passado dia 13 de Setembro, em Fátima, em comparação com o tratamento dado à Festa do Avante. Os factos são suficientemente claros para que cada um possa tirar as suas conclusões sobre a actual independência da imprensa.) João Maria de Freitas Branco 19 de setembro de 2020

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Festa do Avante!

Saúdo a Festa do Avante que hoje abre as portas ao público. Faço-o por duas razões principais: 1) esta realização sublinha o facto de a democracia portuguesa e o Estado de direito democrático estarem e deverem estar em pleno funcionamento, actuando como ferramentas políticas essenciais no combate à pandemia, bem como a outras ameaças que pairam sobre o nosso viver societal; 2) esta realização contribui, ou pode contribuir para a criação de um estado de ânimo e de uma atitude colectiva facilitadora da restruturação do funcionamento da nossa sociedade sob as condições anómalas de uma pandemia, fazendo-nos acreditar na possibilidade de superação do problema de saúde pública sem que para isso se tenha que regressar a medidas radicais de confinamento generalizado. Estas duas razões para uma saudação não inibem os receios nem tão pouco a consciência crítica de terem existido da parte do PCP e das autoridades governamentais erros, incorrecções, subestimações, imprudências, teimosias que podem ter consequências nefastas, desde logo no plano da saúde pública. O compreensível sentimento colectivo de ter havido “tratamento desigual” é para já o efeito mais oneroso. Na esfera da saúde, ninguém duvida ser mais arriscado realizar a Festa do que tê-la cancelado; mas na vertente política, suspeito que haveria maior risco se tivesse sido cancelada. Esta 44ª edição da Festa do Avante é a primeira que se realiza sem a participação de Ruben de Carvalho, meu saudoso amigo, a quem se devem os melhores momentos de arte musical dos 43 anos de história do evento (de 1976 a 2019). Embora tenha falecido em Junho de 2019, ainda se dedicou à preparação da edição anterior. Uma outra ausência de vulto é a de outro saudoso amigo: o Manuel Jorge Veloso, que morreu em Novembro de 2019 e que sempre esteve ao lado do Ruben no trabalho de concepção e concretização da programação artística. Tenho a satisfação de ter trabalhado directamente com ambos ao longo de vários anos. Aqui lhes presto a minha sentida e amiga homenagem. João Maria de Freitas Branco Caxias, 4 de Setembro de 2020

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Nikias

Na passada quarta-feira, dia 26 de Agosto, faleceu o pintor melómano e resistente antifascista Nikias Skapinakis. Tinha 89 anos e muitas décadas de vida intensamente criativa dedicada às artes plásticas. Comovido com a chegada da triste notícia, e viajando mentalmente pelas saudosas memórias dos tempos, já recuados, em que o Nikias frequentava a minha casa, venho aqui recomendar que vejam o filme documentário transmitido pela RTP-2, no Sábado, dia 28 de Agosto; uma bonita homenagem cinematográfica ao pintor e à sua obra, em que as telas que nos são dadas a ver pela rigorosa e generosa objectiva da câmara de filmar surgem na companhia de música muito amada pelo artista, assíduo frequentador das salas de concertos de Lisboa, sua cidade natal. O bom documentário é da autoria de Jorge Silva Melo e foi realizado no ano de 2007, quando o artista tinha 76 anos e já concluíra mais de oitocentas criações pictóricas. João Maria de Freitas Branco Caxias, 1 de Setembro de 2020