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segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Uso da palavra "talvez"

 Ainda no âmbito da polémica surgida em torno do convite endereçado pela Câmara de Oeiras a Mario Vargas Llosa.


Texto

 

Mais uma questão interessante surgida neste debate do Facebook: o “talvez”; o uso desta palavra e o seu valor. No discurso, oral e escrito, recorro com frequência ao “talvez”; estranho seria que assim não fosse, dado o meu vínculo profissional com a Filosofia. No entanto, parece-me importante fazer notar que o “talvez” filosófico não implica nem promove, no domínio da ideologia bem com no da prática social concreta, a neutralidade, a indiferença, o amorfismo, a apatia, a existência invertebrada. As limitações cognitivas que convocam o uso do termo em nada desautorizam – numa outra esfera, a do humano existir social – o tomar partido, o ter convicções sólidas, o ter espinha, o assumir da responsabilidade cívica (ético-política) de decidir o que se apoia e o que se combate, o que se afirma e o que se nega, o que é aceitável e o que é inaceitável (exigindo resistência, impondo o faire face, como dizem os franceses). Aí reside o ponto de apoio antidogmático para o arquitectar do pensamento e da acção consequentes.

João Maria de Freitas Branco
Novembro de 2021

 

 

 


sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Vargas Llosa em Oeiras

 

Vargas Llosa convidado para discursar em Oeiras
Intervenção numa polémica do Facebook

No final do passado mês de Outubro apareceu num órgão de comunicação social a notícia de que Mario Vargas Llosa tinha sido convidado pela Câmara Municipal de Oeiras para participar na Bienal Internacional de Poesia de Oeiras. O tema da comunicação é “Poder e Democracia” e «o evento  insere-se na candidatura da cidade [sic] a Capital Europeia da Cultura 2027», informa o jornal.  Esta notícia foi partilhada nas redes sociais, suscitando polémica. Veja-se a página de Maria Isabel Santos Isidoro no Facebook (publicação do dia 30 de Outubro). Transponho agora para este blog os textos com que intervim nessa polémica. 

 

A Maria Isabel trouxe para aqui [Facebook] um tema interessante, activando a minha vontade de também sobre ele opinar.

As obras de arte, principalmente quando são obras maiores, adquirem vida própria, afastando-se da margem do espaço biográfico dos seus criadores. O facto de Michelangelo Merisi da Caravaggio ter assassinado uma pessoa não belisca a sua obra artística, em nada adelgaça a grandeza de “Os Batoteiros” ou de “Judite e Holofernes”, malgré le thème… Não seria culturalmente aceitável proibir a exposição pública deste quadro com a justificação de ser assassinato pintado por assassino, espécie de elogio pictórico do assassinamento. Receio, todavia, que por aí circulem sujeitos disponíveis para considerar que o óleo de Caravaggio é um despudorado incentivo à violência e por isso merecedor de censura. E se o artista-assassino Michelangelo Merisi da Caravaggio viesse à nossa terra para dizer publicamente o que pensa sobre este mundo? Devíamos ir ouvi-lo ou devíamos ficar em casa? Que seria mais enriquecedor para nós? Ir escutá-lo e conhecê-lo, ou não ir? Se decidíssemos ir, estaríamos coagidos a aplaudir? Não podíamos manifestar discordância ou até apupá-lo em função do que dissesse ou não dissesse?

Para meu sincero desgosto, o Autor de “La cuidad y los perros” e de “Conversación en la catedral” tornou-se confesso admirador do neoliberalismo, do capitalismo neoliberal a que já alguns, como Noam Chomsky, Marv Waterstone e Henry Giroux, chamaram capitalismo mafioso (denominação que aprovo). A minha já longa vida pública (como autor, intelectual, activista político, etc.) talvez me dispense de declarar quão profunda é a discordância política que tenho com o agora cidadão espanhol Mario Vargas Llosa que contradiz o primeiro Mario Vargas Llosa, esse que, até perto dos anos 1970, se confessava socialista e admirador da Revolução cubana. (A Maria Isabel Santos Isidoro e o Rui Capão já aqui referiram de forma clara a vergonhosa simpatia de Llosa pela sórdida política económica da ditadura de Pinochet, no Chile; está dito o essencial, pelo que nada acrescento neste contexto.)

No entanto, lendo com gosto e proveito o seu último romance, “Tempos duros” (ed. portuguesa da Quetzal), fico com a sensação de não estar ideologicamente apartado do Escritor, ou, talvez melhor, do conteúdo político da sua escrita ficcional. Não é pouco; talvez isso já justifique uma ida, mesmo que ela implique manifestar discordância, mesmo que ela exija vaia. Podemos conversar, discutir, polemicar com quem discordamos, mesmo que muito. Quanto menos idiota for esse outro, de quem politicamente discordamos, mais esse diálogo se justifica, podendo ser desejável, útil ou até mesmo necessário (no processo do confronto de ideias, bem como no da clarificação das ideias).

A vida ensinou-me quanto é valiosa a proximidade de seres humanos invulgares. Quem foi capaz de escrever romances como “La cuidad y los perros”, “Conversación en la catedral” e o recente “Tiempos recios” não é um sujeito vulgar; não me parece dever ser desmerecedor da nossa atenção. É apenas um dos maiores escritores vivos.

Como talvez alguns saibam, sou membro do Conselho Geral de Oeiras 27. No entanto, nessa minha qualidade, não me foi dado conhecimento da intenção de convidar Mario Vargas Llosa, nem sequer recebi comunicação formal relativa ao convite endereçado ao Escritor. Não tenho, por isso, qualquer responsabilidade no convite que foi feito no âmbito da candidatura oeirense a Capital Europeia da Cultura (Oeiras27). Não foi pedido conselho ao Conselho Geral. Strange, isn’t it?

João Maria de Freitas Branco
Facebook, 31 de Outubro de 2021

NOTA: Um outro texto relacionado com o tema, sobre o uso da palavra "talvez", será inserido isoladamente, em nova publicação.  




 

 

 

 

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Eutanásia aprovada

 A Assembleia da República está de parabéns pelo magnífico trabalho realizado sobre a eutanásia e que hoje culminou com a votação da alteração à lei de despenalização da morte assistida. Lei aprovada!

Um voto pela Liberdade, um passo em frente da e na Civilização.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 5 de Novembro de 2021

domingo, 10 de outubro de 2021

Mundial do Qatar: a indecência do silêncio

 

MUNDIAL DO QATAR – A INDECÊNCIA DO SILÊNCIO

Portugal, a selecção nacional de futebol, jogou ontem, dia 9 de Outubro, contra a selecção do Qatar. Foi um jogo de preparação para o Campeonato do Mundo que, precisamente, terá lugar no Qatar, no próximo ano, desrespeitando regras, lesando o desporto e, acima de tudo, provocando a morte de numerosos operários obrigados a trabalhar em condições inaceitáveis na construção dos estádios e de outras infra-estruturas. Alguém viu nas bancadas do estádio do Algarve manifestações ou protestos contra esses crimes associados à organização do próximo Mundial? Algum jornalista perguntou a Cristiano Ronaldo (capitão da nossa Selecção) e a Fernando Santos (seleccionador nacional) se tinham algum comentário a fazer sobre o assunto?

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 10 de Outubro de 2021

sábado, 11 de setembro de 2021

Um outro 11 de Setembro

 

Nas últimas horas tem-se recordado o 11 de Setembro de 2001. Passaram 20 anos, número redondo que, na psicologia humana, justifica a atenção jornalística. Mas deve recordar-se também o 11 de Setembro chileno. Foi há 48 anos. A destruição da democracia e o regresso da ditadura. Lição importante e muito actual: as ditaduras podem renascer. Principalmente se, como diria Voltaire, não soubermos cuidar do jardim democrático. Homens como Jorge Sampaio não se cansaram de alertar para esse perigo político. 

João Maria de Freitas Branco

Facebook 11/09/2021

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

JORGE SAMPAIO -- Evocação no dia da morte

 

Ao longo de toda a sua vida, Jorge Sampaio soube dignificar a Política, enobrecendo o modo de a fazer. Com elevação, com total integridade, com fina sageza, com generosa devoção, com bondade sã. Deixa-nos numa altura em que a sua invulgar capacidade de gerar diálogo faz imensíssima falta no quadro do viver societal, como factor de defesa do espírito racionalista, da cultura iluminista, da ética republicana. Foi o principal arquitecto da primeira “geringonça”, dando a ver que uma unidade de esquerda pode dar bons frutos. Foi esse um dos muitos momentos da nossa ampla convergência, justificativa da honra que tive, e tenho, de ter integrado o grupo de trabalhadores intelectuais que publicamente apoiou a sua decisão de se candidatar ao cargo de Presidente da República Portuguesa. Obrigado Jorge!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 10 de Setembro de 2021

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

A comunicação social sob ataque -- o caso Carlos Vaz Marques na TSF

 

 

Solidário com o Carlos Vaz Marques, expresso aqui a minha viva indignação pela forma como ele, um óptimo jornalista que dignificou a TSF ao longo de mais de três décadas, tem estado a ser tratado pelo Global Media Group, proprietário da TSF.

Tal como afirmou o José Vítor Malheiros (sabendo bem do que fala), «um dos muitos, muitos, muitos sinais de que o jornalismo está sob uma fortíssima ameaça existencial por parte das “empresas de comunicação social”, nas mãos das forças mais reaccionárias do momento, é o número de excelentes jornalistas, verdadeiras referências éticas e profissionais, que são despedidos, despromovidos, pressionados, assediados, ameaçados, escorraçados. O caso de Carlos Vaz Marques é um dos mais escandalosos, mas a lista é longa e constitui quase uma lista de honra». Não podemos ficar indiferentes a este processo de incremento da mediocridade nos órgãos de comunicação social!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 19 de Agosto de 2021

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Afeganistão, a tragédia continua

  

Os EUA investiram biliões de dólares na criação de umas forças armadas afegãs que foram derrotadas em apenas 10 dias por guerrilheiros talibãs munidos de armas ligeiras. Quem vai herdar o sofisticado material de guerra fornecido pelos EUA ao Afeganistão? O governo talibã? Se a resposta for “sim”, como parece evidente, então podemos concluir que os EUA estiveram, na prática, a financiar a criação das forças armadas de um regime anacrónico, medievalmente obscurantista e assumidamente terrorista, pondo em risco a paz mundial.

E há mais: no momento em que escrevo, os EUA, única verdadeira superpotência militar, revela-se incapaz de defender os seus aliados afegãos ameaçados de morte. As imagens que vão chegando retratam o caos da “operação de evacuação” que decore no aeroporto de Cabul.

Que vai ser feito para salvar a vida dos opositores dos talibãs e aliados dos EUA que estão em outras cidades afegãs? Quem vai resgatar essas pessoas?

A tragédia continua… São os efeitos da gritante incompetência político-militar e da irracionalidade imperialista dos EUA.

João Maria de Freitas Branco
16 de Agosto de 2021

terça-feira, 13 de julho de 2021

Edgar Morin

 

O filósofo Edgar Morin fez 100 anos há quatro dias (8 de Julho). Conheci-o pessoalmente no final dos anos 80 e bastará consultar o índice onomástico do meu livro “Dialéctica, ciência e natureza” (Ed. Caminho, 1990) para perceber a importância que os seus escritos tiveram na minha reflexão sobre a ciência e a dialéctica objectiva -- tendente a edificar uma concepção dialéctica do conhecimento científico. Em gesto de homenagem ao agora centenário penseur humaniste, deixo um convite à leitura do seu último livro, publicado no mês passado (no dia 2 de Junho): “Leçons d’un siècle de vie” (Ed. Denoël).

João Maria de Freitas Branco
12 de Julho de 2021

quinta-feira, 10 de junho de 2021

NOMEAÇÕES GOVERNAMENTAIS

Pergunto-me de que vale a inflamada retórica contra agentes do autoritarismo antidemocrático em acelerado processo de organização quando do mesmo passo se oferece em bandeja de oiro polposo alimento a esses mesmíssimos agentes? Exemplo límpido é-nos agora dado pelo Governo com o anúncio público de duas nomeações: a de Ana Paula Vitorino para presidir à AMT – Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, e a de Pedro Adão e Silva para comissário executivo das comemorações oficiais do 50º aniversário do 25 de Abril.

Num dos casos, o do comissário executivo, está em causa o processo utilizado – escolha unilateral, prepotente, sem preocupação de obter consenso, sem consultar os partidos fundadores da segunda República (para alguns terceira), sem procurar ouvir a opinião dos militares do MFA através da Associação 25 de Abril, e até, segundo parece, sem a elementar lisura de uma prévia comunicação ao general Ramalho Eanes, entretanto já nomeado pelo Presidente da República como presidente da comissão nacional das comemorações.

No outro caso, temos o cru dislate político que escancara a porta à suspeição de compadrio, de nepotismo, de monolitismo asfixiador do espírito crítico.

É assim que se corrói a democracia. E uma vez mais se constata poderem proceder como inimigos dela, na prática e objectivamente, alguns dos que mais soltam brados à sua própria pertença à elite democrática da Nação.

Para não ficar atrás dos governantes do PS em capacidade de produzir gestos corrosivos da democracia, o presidente o PSD, a propósito da nomeação de Pedro Adão e Silva, veio a terreiro empunhando a espada da difamação, exibindo o ataque pessoal rasteiro como forma de fazer oposição – sendo até pessoa que em outros momentos soube dar louvável exemplo contrário.

José Pacheco Pereira e António Lopo Xavier deram na última emissão do programa televisivo “Circulatura do Quadrado” (TVi 24, ontem à noite) bom exemplo do que deve ser um comentador político. Fizeram-no em forçado contraponto com o triste exemplo do discurso de funcionário político, ou, no caso vertente, de funcionária. Esse momento televisivo é instrumento pedagógico útil; fornece material didáctico. De forma educada, elevada e muito paciente, Pacheco Pereira e Lopo Xavier deram uma lição pública à funcionária do PS travestida de comentadora.

Se os democratas no ou com poder persistirem neste tipo de comportamentos, a actual vaga de autoritarismo ou de totalitarismo não deixará de se avolumar.

João Maria de Freitas Branco

Caxias, 10 de Junho de 2021 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

terça-feira, 25 de maio de 2021

Convívio das Direitas

 

As direitas estão reunidas na capital. É a convenção MEL – Movimento Europa e Liberdade. Diz-se que quer atrair como o mel.

Bem sentado na primeira fila da sala onde decorre a convenção, talvez não por mero acaso, está o antigo primeiro-ministro que executou a política de austeridade (no período de 2011 a 2015) e ex-presidente do PSD Pedro Passos Coelho; o actual presidente do mesmo partido, Rui Rio, é um dos oradores mais aguardados.

Resta agora perceber qual vai ser o papel do PSD no próximo futuro: travar o avanço da extrema-direita antidemocrática ou aliar-se à extrema-direita antidemocrática? Será que se vai assistir por cá a algo semelhante ao que se tem visto acontecer do outro lado do Atlântico, nos EUA, com o desfigurado Partido Republicano?

Face às interrogativas enunciadas, talvez seja oportuno recordar e citar uma afirmação inequívoca de Francisco Sá Carneiro, fundador e primeiro presidente do PPD/PSD, figura unanimemente venerada no seio da família social-democrata. Disse ele sobre o PSD:

«Não temos qualquer afinidade com as forças de direita, nós não somos nem seremos nunca uma força de direita.»
                                                       Francisco Sá Carneiro

Note-se que esta afirmação bem clara foi proferida já depois do PREC e do 25 de Novembro de 1975. Aqui fica, como convite à meditação, dirigido principalmente aos que tiverem poder de decisão no interior do PSD.

Pensem bem.

João Maria de Freitas Branco
25 de Maio de 2021

terça-feira, 20 de abril de 2021

George Floyd -- No dia das alegações finais

 

Algumas opiniões que tenho colhido no Facebook sobre a morte do cidadão americano George Floyd dizem bastante mais sobre quem opina do que sobre o que opinam. É como se colocassem um letreiro na testa anunciando orgulhosamente ao mundo: “Eu sou uma má pessoa, sou um ser imoral”. A densidade da sua consciência parece débil, pelo que não chegam a estar conscientes da imagem que divulgam de si próprios através de palavras de ódio, desresponsabilização, insensibilidade, indiferença -- vagueando entre o "é tudo um aproveitamento político" e o "não passa de um lamentável incidente".

Limito-me a um único exemplo concreto, para não incomodar excessivamente e tendo a generosidade de omitir o nome do citado. Perante o registo dramático da morte do ser humano George Floyd (9 minutos e 29 segundos de agonia) um católico, que se indigna com a morte de embriões microscópicos declarando-se “defensor da vida”, escreveu nesta rede social o seguinte:

«Morreu um ladrão e traficante de droga (assassino) e fica tudo a gritar por justiça. Morreu e ainda bem, é menos um a matar os meus Filhos ou Netos».

O esmorecimento do amor à vida está no cerne da capital crise que afecta o mundo: crise cultural. Uma nova vaga de desumanização inunda as nossas sociedades, «niant la juste grandeur de la vie», como escrevia Camus no esforço de achar explicação para os totalitarismos do seu tempo.

Compreensivelmente a indiferença esteve hoje no íntimo das alegações finais do julgamento que decorre em Minneapolis.

João Maria de Freitas Branco
19 de Abril de 2021

sábado, 17 de abril de 2021

UM DEPOIMENTO QUE DEVE SER LIDO

O texto que se segue foi publicado na minha página do Facebook onde se poderá encontrar o depoimento publicado no EXPRESSO. 

Com o passar do tempo foram surgindo pessoas do meu círculo de conhecimentos que adoeceram com a Covid-19. Felizmente quase todos recuperaram. Só um faleceu: o Carlos Antunes. Mas vários passaram por uma singular experiência de sofrimento que os marcou. É o caso do Daniel Sampaio. Mas até agora, de todos eles, só o Daniel nos deixou um sentido e meditativo testemunho público, feito com a lucidez, a sinceridade e a honestidade que o caracterizam. Nessa essência do Eu, a Covid, “doença difusa”, não conseguiu tocar. Mas assusta, e muito, saber-se que podia tê-lo feito de forma devastadora, apagando uma pujante lucidez. Esta é uma de várias lições contidas no depoimento que profundamente me tocou e que por isso agora aqui partilho, ficando à espera do anunciado livro que o completará.

Rápida e completa convalescença, caríssimo Daniel! Resistência e Saúde!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 17 de Abril de 2021

 

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Vergonha

 

 Sabíamos que a morte de George Floyd tinha sido horrível e vergonhosamente racista; nas últimas horas, durante a quarta sessão do julgamento em curso, ficámos a saber que tinha sido ainda mais horrível e mais vergonhosamente racista. As novas imagens hoje reveladas em tribunal e o testemunho dos dois paramédicos mostram quão hediondo foi o acto praticado pelo agente Derek Chauvin com a cumplicidade dos seus colegas da polícia de Minneapolis. É impossível não sentir uma enorme revolta.

O julgamento continuará a ser transmitido em directo para o mundo inteiro através da CNN e de outros canais televisivos.  

Que se faça justiça.

João Maria de Freitas Branco 
Caxias,1 de Abril de 2021


 

 

 

sábado, 27 de fevereiro de 2021

José Atalaya e Oeiras

  

Houve quem manifestasse estranheza pelo facto de o funeral do maestro José Atalaya ter decorrido no cemitério de Barcarena, no concelho de Oeiras, na passada quinta-feira (25-02-2021). Esse estranhar só pode derivar do desconhecimento da longa relação de José Atalaya com Oeiras e que aqui evoco de forma muito breve e resumida.

Foi em Paço de Arcos, vila do Município de Oeiras, nos recuados anos 40 do século passado, que o jovem José Atalaya viveu uma parte do acontecimento que por completo transformou a sua vida: o encontro com o compositor Luís de Freitas Branco, meu avô paterno. Esse encontro foi a causa da radical decisão de se dedicar à música, abandonando a engenharia que então cursava – e que curiosamente é hoje abraçada pelo seu filho Luís (homónimo do Mestre).

 Embora o início dessa decisiva relação pessoal tenha ocorrido no Alentejo, no Monte dos Perdigões, em Reguengos de Monsaraz (propriedade que no século XVI pertenceu a um ilustre antepassado do compositor, Frutuoso de Góis, meio-irmão do célebre humanista renascentista Damião de Góis), a verdade é que a relação que tão profundamente influiu na formação e na definição do rumo profissional de José Atalaya se prolongou e intensificou nesses arredores da capital onde Luís de Freitas Branco viveu nos últimos anos da sua vida, mais precisamente na “Vivenda Stuc”, em Paço de Arcos. Atalaya foi um dos mais assíduos participantes nos longos convívios que aí eram promovidos pelo anfitrião e que se traduziam, na prática, numa espécie de universidade informal que estimulou intelectualmente várias das principais figuras da cultura musical portuguesa de uma geração, como foi o caso de Joly Braga Santos ou o de Fernando Lopes-Graça. (Para mais informação sobre o funcionamento desse peculiar espaço de formação artístico-intelectual veja-se o meu livro Luís de Freitas Branco – O intelectual em Paço de Arcos, Mazu Press, 2019.)

Mais tarde, foi também em Oeiras, com o forte apoio do presidente da Câmara, já então Isaltino de Morais, que José Atalaya realizou durante longos anos os relevantes ciclos da “Música em Diálogo”, um dos seus importantes contributos para a divulgação da melhor música erudita e que foi também uma valiosa forma de apoio à carreira de vários artistas portugueses. Esta iniciativa, enriquecedora da vida cultural do município de Oeiras, e em que tive o gosto de participar múltiplas vezes a convite generoso do seu Autor, contou com o incondicional apoio da Câmara Municipal de Oeiras (CMO), corporalizado na actuação de profissionais muito competentes e habilitados, como Carlos Pinto, abnegado funcionário do sector da Cultura da CMO. Mas a esse amparo institucional adicionava-se um outro apoio, mais íntimo, mais constante, mais essencial que por isso se constituía como preciosíssima ajuda, mas pouco visível, ou até mesmo invisível aos olhos do público: a colaboração da Linda, mulher de José Atalaya. Na realidade, ela foi uma co-autora da “Música em Diálogo”. Facto que aqui quero realçar por considerar ser justo fazê-lo, mas também, e principalmente, por ser modelar exemplo da materialização de uma harmoniosa cumplicidade de interesses culturais e de paixões artísticas na qual se tecia, se consolidava e se expressava uma das mais bonitas relações conjugais que pude presenciar ao longo da vida. A linda relação do José com a Linda.

Os saudosos sábados de diálogos musicais em Oeiras foram o benefício cultural dessa invulgar cumplicidade conjugal agora por mim evocada como homenagem ao Amigo que partiu e como afectuosa reverência à Amiga enlutada.

Não tenho dúvida de que os munícipes de Oeiras estão agradecidos, e creio ter deixado aqui esclarecida a coerência da escolha do cemitério oeirense de Barcarena como local de realização do funeral do meu bom Amigo José Atalaya.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 27 de Fevereiro de 2021

 

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Homenagem a José Atalaya


Acabo de tomar conhecimento, com quatro dias de atraso, da morte de um Amigo: o maestro José Atalaya, com quem privei desde a minha meninice, principalmente no âmbito das actividades desenvolvidas pela Juventude Musical Portuguesa (JMP) e na Emissora Nacional (na boa companhia de Pedro do Prado e João da Câmara). Mais tarde, trabalhámos juntos em vários projectos, de que destaco o programa radiofónico “Música e Ideias” de que fomos autores (transmitido na Antena2), assim como também as numerosas iniciativas artístico-culturais integradas nos ciclos “Música em Diálogo” (produzidos pela Câmara Municipal de Oeiras) e as realizações integradas na programação do “Ginásio Ópera”. 

José Atalaya foi discípulo do meu avô, o compositor Luís de Freitas Branco, que considerava ter siso o seu pai musical/intelectual e de quem continuamente falava com grande carinho e admiração. O Mestre chegou a orquestrar uma peça do Discípulo, gesto demonstrativo do apreço pelo jovem Atalaya. Tive o gosto de organizar, através do “Ginásio Ópera”, um concerto onde se pôde escutar aquela que penso ter sido a última execução pública da obra na versão orquestrada por Luís de Freitas Branco, obra inspirada em “As mãos e os Frutos” de Eugénio de Andrade. Teve lugar na Igreja da Cartuxa, em Caxias, sob a direcção do maestro Nuno Dario à frente da Orquestra Clássica do Ginásio Ópera (há registo filmado).

 
No meu livro “Luís de Freitas Branco – O intelectual em Paço de Arcos” (ensaio filosófico-biográfico, Mazu Press, 2019) relato a activa participação de José Atalaya nas tertúlias organizadas em casa do compositor. Lamentavelmente, nesta nossa sociedade da comunicação constata-se que, na prática real quotidiana, nem sempre é fácil comunicar. Essa paradoxal dificuldade que por vezes ocorre impediu o desejado ofertar da obra ao Amigo agora desaparecido e até a recepção atempada da triste notícia do seu falecimento ocorrido no passado dia 19. Ficarão sempre vivas as boas memórias de um longo tempo de convivência.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 23 de Fevereiro de 2021

 

 

 

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Em homenagem às Mulheres

 

Pretendo dar a conhecer um imerecidamente olvidado escrito feminista, muito actual, que por inteiro traduz o meu próprio pensamento sobre as injustas desigualdades que vitimaram e vitimam os seres humanos do sexo feminino.

Como o ideário feminista é aqui servido por notável forma literária, não me atrevo a traduzir, preferindo deixar intocado o estupendo francês original (sendo o eventual recurso à tradução do Dr.Google, ou outro, liberdade deixada ao leitor amigo). 

Eis o texto que julgo merecedor da vossa boa atenção:

«Bienheureux es-tu, lecteur, si tu n’es point de ce sexe qu’un interdit de tous les biens, le privant de la liberté : oui même, qu’on interdit encore à peu près de toutes les vertus, lui soustrayant les charges, les offices et fonction publiques ; en un mot, lui retranchant le pouvoir, en la modération duquel la plupart des vertus se forment, afin de lui constituer pour seule félicité, pour vertus souveraines et seules, l’ignorance, la servitude et la faculté de faire le sot si ce jeu lui plaît.»  

Abunda o hábito de se considerar que certas ideias e atitudes em voga neste nosso presente são manifestações de uma originalidade absoluta e, por isso, apenas representativas da nossa época. No entanto, esta actualíssima e moderníssima declaração feminista não é da autoria de nenhuma militante do movimento Me Too, nem foi redigida hoje, nem ontem, nem na semana passada no rescaldo de alguma renovado acometimento machista. Não. Trata-se de texto escrito e publicado por uma mulher na primeira metade do século XVII, mais precisamente no ano de 1626. Marie de Gournay é o nome da autora que por ironia do destino só é conhecida por ter conhecido um ser humano do sexo masculino; ou melhor, por ter sido amiga de um homem célebre: Michel Eyquem de Montaigne.

 

NOTA

Referência bibliográfica: Marie de Gournay, “Grif des dames”, em Égalité des hommes et des femmes et autres textes, Gallimard, Paris, 2018. (Por opção do editor, a língua foi modernizada em favor do melhor entendimento por parte do leitor actual.)

João Maria de Freitas Branco
8 de Fevereiro de 2021


 

sábado, 30 de janeiro de 2021

Formas de noticiar

 

O responsável pela delegação do Norte do INEM, o médico António Rui Barbosa, tomou uma decisão razoável que permitiu que em vez da perda de 11 vacinas fossem vacinados 11 cidadãos (todos funcionários de uma pastelaria situada nas imediações das instalações do INEM, no Porto).

A meu ver, a atitude merece espaço noticioso nos órgãos de comunicação social nacionais pela sua razoabilidade; por ser ao mesmo tempo exemplo de atitude racional e de capacidade de resposta adaptativa. É um caso que concorre para transmitir confiança nos serviços do SNS e nas autoridades, algo importantíssimo em momentos históricos como aquele que estamos a viver. Os canais televisivos deram grande relevo ao acontecimento (creio ter sido notícia de abertura nos três canais nacionais, RTP, SIC, TVi).

No entanto, a notícia não foi dada com base na razão que apresentei (que é a minha). Foi apresentada como se o facto em causa indiciasse um acto de favorecimento, uma ilegalidade, um procedimento imoral, um gesto prevaricador. Não foi minimamente louvado o comportamento do médico responsável. Alimentou-se o sentimento de desconfiança nas instituições públicas e nos seus responsáveis. Desta forma, as televisões prestaram um mau serviço aos cidadãos e ao país: contribuíram para, infundadamente, incutir desconfiança num momento em que precisamos de confiança. Tratar-se-á de incompetência inocente?

Felicito o médico António Rui Barbosa pela atitude tomada. Um exemplo de competência, de inteligência e racionalidade. 

João Maria de Freitas Branco
30 de Janeiro de 2021

 

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Mentira

  

No domínio da ideação escrita, da criação de pensamento através da prosa de ideias ou prosa filosófica, ocorre não raramente um fenómeno de hibernação cultural. Um texto escrito sob a influência de uma conjuntura história, ou como reacção a determinados acontecimentos históricos marcantes, perde vitalidade, parecendo até, por vezes, deixar de fazer sentido, quando esses acontecimentos se diluem no tempo, quando já não são constitutivos do presente e a situação histórica se transformou. É nessa altura que o texto corre o risco de entrar em estado de hibernação, mesmo quando se trata de obra de autor notabilizado. Olhado como arcaísmo, deixa de ser citado, já não é lido, não é reeditado e é remetido para as prateleiras dos arquivos, onde apenas será rarissimamente revisitado por exóticos intelectuais eruditos, especialistas, investigadores – uma muito magra faixa de leitores. Mas como a história é um processo constante de mudança, um novo acontecimento, o surgir de uma nova situação pode provocar a interrupção disso a que chamei hibernação cultural da obra.

 A realidade presente motiva-me a vir aqui sugerir leitura despertadora, em duplo sentido: porque interrompe uma certa hibernação cultural (pelo menos no que ao nosso espaço cultural concerne) e porque desperta o pensar reactivo, fazendo-nos reflectir sobre o nosso aqui e agora.

O autor em causa é Alexandre Koyré(1892-1964), um francês de origem russa, figura maior no domínio da história e filosofia da ciência, mas personalidade menos atendida na esfera da filosofia social e política, ou da politologia. Quanto à obra, trata-se de um curto escrito, já antigo, publicado em 1943 (em período de Guerra Mundial), sobre temática torridamente actual: a função e relevância da mentira no quadro da construção ideológica e da acção política. Koyré reflecte sobre a mentira a partir do totalitarismo que lhe foi contemporâneo, mas fornece-nos ferramenta para o nosso investimento mental de pensar a mentira como factor corrosivo do Estado de Direito democrático.

Aqui vai a sugestão de leitura (ou de releitura) utilizando a mais recente edição que conheço no idioma original:

KOYRÉ, Alexandre: “Réflexion sue le mensonge”, Editions Allia, Paris, 2016.

Não conheço a existência de nenhuma edição portuguesa.

Boa leitura e boa reflexão.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 11 de Janeiro de 2021

 

 

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

Donald, you're fired!

 

Os acontecimentos deram-me razão. "Início do golpe" foi o título que dei a um artigo publicado no início de Novembro, na altura do acto eleitoral nos EUA. Já antes tinha escrito sobre o tema em artigos de opinião. No último artigo que escrevi para o jornal PÚBLICO disse que estava em curso uma tentativa de golpe (artigo publicado na edição online ao início da madrugada do dia 6, com o título “USA a caminho da Tirania”). Bastaram umas horas para obter a prova inequívoca. Quase me senti uma espécie de bruxo.

Como é que Donald Trump ainda tem acesso à Sala Oval e ao botão vermelho? Como foi possível um tão clamoroso falhanço dos sistemas de segurança do Capitólio? Como se justifica que os insurrectos não tenham sido impedidos de sair do edifício e não tenham sido detidos? Como se admite que um grupo de amotinadores que tinha acabado de vandalizar o Capitólio, interrompendo os trabalhos do Congresso, coração da República democrática americana, tenha sido tranquilamente escoltado para fora do edifício e deixado em liberdade, sem ter havido um processo de identificação dos prevaricadores?

Leia-se o que António Filipe escreveu na sua página do Facebook, relatando um episódio que presenciou no edifício do Capitólio, durante a visita oficial de Marcelo Rebelo de Sousa aos EUA:


«Estive por duas vezes no Capitólio de Washington em missões da Assembleia da República. Impressionou-me o exagero securitário do edifício em dias de absoluta normalidade, ao ponto do Presidente da Assembleia da República ter sido obrigado a caminhar umas centenas de metros a pé por não ter sido permitido o acesso da viatura da Embaixada de Portugal. Existe mesmo uma polícia própria do Capitólio (United States Capitol Police). Posto isto, não acredito que fosse possível a invasão do Capitólio sem uma enorme cumplicidade de grande parte das forças de segurança» (António Filipe, deputado do PCP, Facebook, 6 de Janeiro 2021).


Depois de ter tentado levar a cabo um golpe de Estado a partir da Casa Branca, Donald Tump tem que ser imediatamente impedido de exercer o cargo de Presidente dos EUA, devendo ser julgado pelo acto de insurreição.

Com base na letra da Constituição americana (25ª Emenda), as autoridades competentes têm que lhe dizer claramente: You're fired!

JMFB
7/1/2021

 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Vitória na Georgia -- Vitória da Civilização


Histórica madrugada! Raphael Wornock é o primeiro senador negro eleito na Georgia, nesse solo estado-unidense manchado pelo horror e pela vergonha de longos anos de escravatura (recorde-se que a Georgia pertenceu ao grupo dos Slave States até à Guerra Civil, 1861-1865). O acto eleitoral de ontem representa uma histórica vitória da civilização sobre a barbárie e um acontecimento profundamente sentido por quem aqui escreve estas linhas depois de mais uma noite de sono muito bem “perdida” a assistir ao escrutínio. Um dos episódios que mais me marcou ocorreu numa rua de New York City quando ainda jovem adolescente, no já recuado ano de 1967 (há cerca de 54 anos), fui apedrejado por um grupo de jovens afro-americanos pouco mais novos do que eu e que dessa forma me fizeram assumir a consciência de que ingenuamente estava naquele preciso momento, e contra os meus princípios e as minhas próprias convicções, a ser cúmplice de uma visita a um zoo humano – uma visita organizada por brancos para ver os “macacos nus” negros (para utilizar a consagrada expressão classificativa zoológica de Desmond Morris). Esse episódio marcou-me para a vida inteira, reforçando ainda mais o meu absoluto desprezo pelo racismo, a mais indigna manifestação de ignorância e estupidez humanas. Também por este motivo íntimo, é com grande emoção que acolho a notícia de há poucas horas, confirmando o candidato democrata Raphael Wornock como primeiro senador afro-americano eleito no estado da Georgia, um dos bastiões da miserável ideologia da supremacia branca.

No momento em que aqui escrevo ainda não está confirmada a vitória do segundo candidato democrata, o jovem Jon Ossoff, mas se ela se confirmar, como parece bastante provável, isso significará que o trumpismo voltou a ser derrotado e que o desfigurado e arruinado Partido Republicano perde o controlo do Senado. Mais um motivo de regozijo. A vergonhosa cumplicidade com o execrável e criminoso presidente Donald Trump parece estar a ter elevadíssimos custos políticos para os republicanos. Veremos o que hoje se vai passar na sessão do Congresso e com a ameaçadora manifestação pró-Trump que neste momento se está a iniciar nas ruas de Washington. Sobre isto, veja-se o meu artigo de opinião na edição online do jornal PÚBLICO. Nas próximas horas, vai travar-se, no Congresso dos EUA e na rua, mais uma luta da Liberdade contra a Tirania e da Decência contra a Indecência.

Viva a Liberdade! Viva a Igualdade e a Justiça!

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 6 de Janeiro de 2021

 

NOTA:

History of slavery in Georgia

Georgia figures significantly in the history of American slavery because of Eli Whitney's invention of the cotton gin in 1793. The gin was first demonstrated to an audience on Revolutionary War hero General Nathanael Greene's plantation, near Savannah.

The cotton gin's invention led to both the burgeoning of cotton as a cash crop and to the revitalization of the agricultural slave labor system in the southern states. The Southern economy soon became dependent upon cotton production and the sale of cotton to northern and English textile manufacturers.

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

A propósito de um texto sobre os EUA


 Por vários motivos, os portugueses conhecem mal a autêntica realidade “da maior democracia do mundo”, como dizem em tom de deslumbramento muitos dos nossos políticos, comentadores e jornalistas. Comecei a descobrir essa maravilhosa democracia da desigualdade capitalista quando tive, no final dos anos sessenta do século passado, o primeiro contacto directo com os EUA. Fique nessa altura convencido de que aquela sociedade de excessos e de revoltante e injustiça social iria implodir no espaço de uma ou duas décadas. Enganei-me completamente. Mas mais do que a essa observação in loco, é à pessoa de Ernesto Guerra da Cal, que conheci alguns anos mais tarde, já na década de 70, num certo círculo queirosiano (mas infelizmente, para meu grande prejuízo, em contactos muito pontuais), é a ele, Guerra da Cal, que devo o primeiro conhecimento mais profundo do horror dessa “maravilhosa democracia americana”. Há histórias por ele relatadas que nunca mais esqueci, como p.e. a de uma chamada de urgência para os bombeiros, motivada por um incêndio num prédio fazendo perigar a vida de uma ou mais crianças, e em que o socorro só apareceu horas depois da chamada para o 911. Os bombeiros tinham-se “enganado” na morada… porque era um bairro de negros! Ernesto da Cal garantia que este comportamento ignóbil era a regra, e logo adicionava outras histórias, outros factos por si próprio presenciados em New York. A memória desses relatos foi-me sendo avivada por um saudoso amigo, Luís dos Santos Ferro, que, esse sim, longamente privou com Guerra da Cal, principalmente quando o filólogo escritor decidiu tocar a América pelo Estoril. Para os que não se lembrem ou não saibam, Guerra da Cal, amigo de García Lorca, teve a sorte de estar em New York quando ocorreu a derrota da República espanhola, pela qual lutara de arma na mão, e isso fez com que tivesse ficado exilado nos EUA durante longos anos.

Sinto, ao escrever estas breves linhas, o desgosto de não ter tentado contactar Guerra da Cal nos últimos anos da sua vida, depois do meu regresso a Portugal, no início dos anos 90, pois creio que teria sido fácil estabelecer esse contacto através do bom amigo comum, o queirosiano Luís dos Santos Ferro (falecido há um ano, em Janeiro de 2020) que se considerava um irmão mais novo (muitíssimo mais novo) de meu Pai e com quem era sempre agradável e enriquecedor conversar – éramos todos fanáticos cultores do conversar, essa prática que tem vindo a cair em desuso e que agora também está asfixiada pela pandemia que nos atormenta.

O texto “10 Factos chocantes sobre os EUA” que agora aqui partilho chegou-me através do meu querido amigo António Gomes Marques, mas desconheço (ou suponho desconhecer) o autor: António Santos. Não tenho motivos para desconfiar da veracidade dos dez factos relatados. Muitos eram já do meu conhecimento.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 5 de Janeiro de 2021

 

 10 FACTOS CHOCANTES SOBRE OS EUA

Texto de António Santos

1. Os Estados Unidos têm a maior população prisional do mundo, compondo menos de 5% da humanidade e mais de 25% da humanidade presa. Em cada 100 americanos um está preso. A subir em flecha desde os anos 80, a surreal taxa de encarceramento dos EUA é um negócio e um instrumento de controlo social: à medida que o negócio das prisões privadas alastra, uma nova categoria de milionários consolida o seu poder político. Os donos destes cárceres são também donos dos escravos que trabalham em fábricas dentro da prisão por salários inferiores a 50 cêntimos por hora. Uma mão-de-obra tão competitiva que muitos municípios hoje sobrevivem financeiramente das suas prisões camarárias e graças a leis que vulgarizam sentenças até 15 anos de prisão por crimes como roubar pastilha elástica. Os alvos destas leis são invariavelmente os mais pobres, mas sobretudo os negros, que representando apenas 13% da população americana, compõem 40% da população prisional do país.

2. 22% das crianças americanas vivem abaixo do limiar da pobreza. Calcula-se que cerca de 16 milhões de crianças americanas vivam sem «segurança alimentar», ou seja, em famílias sem capacidade económica para satisfazer os requisitos nutricionais mínimos de uma dieta saudável. As estatísticas provam que estas crianças têm piores resultados escolares, aceitam piores empregos, não frequentam a universidade e têm uma maior probabilidade de, quando adultos, serem presos.

3. Entre 1890 e 2014 os EUA invadiram ou bombardearam 151 países.

São mais os países do mundo em que os EUA já intervieram militarmente do que aqueles em que ainda não o fizeram. Números conservadores apontam para mais de oito milhões de mortes causadas pelas guerras imperiais dos EUA só no século XX. E por detrás desta lista escondem-se centenas de outras operações secretas, golpes de estado e patrocínios a ditadores e grupos terroristas. Segundo Obama, laureado do Nobel da Paz, os EUA têm neste momento mais de 70 operações militares secretas a decorrer em vários países do mundo. O mesmo presidente criou o maior orçamento militar de qualquer país do mundo desde a Segunda Guerra Mundial, batendo de longe George W. Bush.

4. Os EUA são o único país da OCDE sem direito a qualquer tipo de subsídio de maternidade.

Embora estes números variem de acordo com o Estado e dependam dos contratos redigidos pela empresa, é prática corrente que as mulheres americanas não tenham direito a nenhum dia pago antes nem depois de dar à luz. Em muitos casos, não existe sequer a possibilidade de tirar baixa sem vencimento. Quase todos os países do mundo contemplam entre 12 e 50 semanas pagas em licença de maternidade. Os Estados Unidos fazem companhia à Papua Nova Guiné e à Suazilândia com zero semanas.

5. 125 americanos morrem todos os dias por não poderem pagar o acesso à saúde.

Quem não tiver seguro de saúde (como 50 milhões de americanos não têm) tem boas razões para recear mais a ambulância do que o inocente ataque cardíaco. Com viagens de ambulância a custarem em média 500 euros, a estadia num hospital público mais de 200 euros por noite e a maioria das operações cirúrgicas situadas nas dezenas de milhares, é bom que se possa pagar um seguro de saúde privado.

6. Os EUA foram fundados sobre o genocídio de 10 milhões de nativos. Só entre 1940 e 1980, 40% de todas as mulheres em reservas índias foram esterilizadas contra sua vontade pelo governo.

Esqueça a história do Dia de Acção de Graças, com índios e colonos a partilhar pacatamente um peru. A história dos EUA começa no programa de erradicação dos índios: durante dois séculos, os nativos foram perseguidos e assassinados, despojados de tudo e empurrados para minúsculas reservas de terras inférteis, em lixeiras nucleares e sobre solos contaminados. Em pleno século XX, os EUA puseram em marcha um plano de esterilização forçada das mulheres nativas, pedindo-lhes para assinarem formulários escritos numa língua que não compreendiam, ameaçando-as com o corte de subsídios ou, simplesmente, cortando-lhes o acesso à saúde.

7. Todos os imigrantes são obrigados a jurar não serem comunistas para poderem viver nos EUA.

Para além de ter que jurar que não é um agente secreto nem um criminoso de guerra nazi, vão-lhe perguntar se é ou alguma vez foi membro do «Partido Comunista», ou se defende intelectualmente alguma organização considerada «terrorista». Se responder que sim a qualquer destas perguntas, pode ser-lhe negado o direito de viver e trabalhar nos EUA por «prova de fraco carácter moral».

8. O preço médio de uma licenciatura numa universidade pública é 80 000 dólares.

O Ensino Superior é uma autêntica mina de ouro para os banqueiros. Virtualmente todos os estudantes têm dívidas astronómicas que, acrescidas de juros, levarão em média 15 anos a pagar. Durante esse período, os alunos tornam-se servos dos bancos e das suas dívidas, sendo amiúde forçados a contrair novos empréstimos para pagar os antigos. Entre 1999 e 2014, a dívida total dos estudantes estado-unidenses ascendeu a 1.5 triliões de dólares, subindo uns assustadores 500%.
 9. Os EUA são o país do mundo com mais armas: para cada 10 americanos, há nove armas de fogo.

Não é de espantar que os EUA levem o primeiro lugar na lista dos países com a maior colecção de armas. O que surpreende é a comparação com o resto do mundo: no resto do planeta há uma arma para cada 10 pessoas. Nos Estados Unidos, nove para cada 10. Nos EUA podemos encontrar 5% de toda a humanidade e 30% de todas as armas, qualquer coisa como 275 milhões.

10. São mais os americanos que acreditam no Diabo do que aqueles que acreditam em Darwin.

A maioria dos americanos é céptica, pelo menos no que toca à teoria da evolução, em que apenas 40% da população acredita. Já a existência de Satanás e do inferno soa perfeitamente plausível a mais de 60% dos americanos. Esta radicalidade religiosa explica as «conversas diárias» do ex-presidente Bush com Deus e mesmo as inesgotáveis diatribes sobre a natureza teológica da fé de Obama.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

Carlos do Carmo

 

Quero acreditar que o valor artístico de Carlos do Carmo, esse criador de fado canção possuidor de exemplar talento ortoépico, vai ter no futuro o reconhecimento internacional que verdadeiramente merece. Com esta esperança, aqui presto homenagem ao músico Amigo, e companheiro de múltiplas causas, no dia da despedida.

João Maria de Freitas Branco
4 de Janeiro de 2021