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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O meu ministro das finanças


Nunca pensei que a leitura de um texto redigido por um ministro das finanças me pudesse despertar sentimento de verdadeira felicidade, me pudesse empolgar e até comover. Mas aconteceu. Foi quando há poucos instantes li o artigo de Yanis Varoufakis publicado no New York Times e que me foi enviado, já traduzido, pelo meu esplêndido Amigo António Gomes Marques. Aqui o deixo agora aos meus amigos do Facebook na esperança que sintam o que eu senti: satisfação, entusiasmo, comoção, admiração. Sinto-me cada vez mais SYRIZA. Será que um cidadão português se pode inscrever neste partido grego? Sugiro à Direcção do Syriza que crie a possibilidade estatutária de acolher a inscrição de membros-simpatizantes de todas as nacionalidades, com cotização voluntária. Julgo que seria uma boa forma de financiamento. Estou em crer que, como eu, existam milhares de cidadãos europeus desejosos de acudir ao Syriza, porque ajudar essa audaz força política é ajudar a salvar a Europa, a União Europeia solidária, progressista, civilizadora. É a solução racional do grande Imannuel Kant!, tão oportunamente referenciado por Yanis Varoufakis, cujo artigo total e entusiasticamente subscrevo. Quando é que na minha Pátria poderei aplaudir um ministro das finanças com o entusiasmo com que hoje aplaudo este lúcido grego? Um ministro das finanças com cultura filosófica, que lê e admira o Kant! Obrigado Yanis, e coragem!
Viva o SYRIZA!
 
João Maria de Freitas-Branco
18 de Fevereiro de 2015

 

ARTIGO DO NEW YORK TIMES:

 

Não há tempo para jogos na Europa

 

ATENAS— Escrevo este artigo à margem de uma negociação crucial com os credores do meu país — uma negociação cujo resultado poderá marcar uma geração, e tornar-se mesmo um ponto de viragem quanto aos efeitos da experiência da Europa com a união monetária.

Teóricos dos jogos analisam negociações como se elas fossem jogos de divisão de bolos em que participam jogadores egoístas. Por ter, na minha vida anterior, na qualidade de académico, estudado durante muitos anos a Teoria dos Jogos, alguns comentadores precipitaram-se a concluir que, na qualidade de ministro das Finanças grego, estava a conceber bluffs, estratagemas e outras opções, tentando obter uma posição de vantagem apesar de dispor de um jogo fraco.

Nada podia estar mais longe da verdade.

Quando muito, o meu passado de Teoria dos Jogos convenceu-me de que seria uma completa loucura pensar nas actuais deliberações entre a Grécia e os nossos parceiros como um jogo de regateio a ser ganho ou perdido através de bluffs e subterfúgios tácticos.

O problema da Teoria dos Jogos, como eu costumava contar aos meus alunos, é o de assumir como dado adquirido os motivos dos jogadores. No poker ou no blackjack, esta premissa não é problemática. Contudo, nas actuais deliberações entre os nossos parceiros europeus e o novo governo grego, aquilo que se pretende no fim de contas é forjar novos motivos. Criar uma nova mentalidade que transcenda divisões nacionais, dilua a distinção credor-devedor em prol de uma perspectiva pan-europeia e que ponha o bem comum europeu acima da mesquinhez política, dogma nocivo se generalizado, e da mentalidade nós-contra-eles.

Como ministro das Finanças de uma pequena nação, com enormes restrições orçamentais, sem um banco central próprio e vista por muitos dos nossos parceiros como devedor problemático, estou convencido de que temos uma única opção: afastar qualquer tentação de tratar este momento decisivo como um ensaio estratégico e, em vez disso, apresentar honestamente os factos da economia social grega, apresentar as nossas propostas para que a Grécia volte a crescer, explicando os motivos pelos quais elas são do interesse da Europa, e revelar as linhas vermelhas que a lógica e o dever nos impedem de ultrapassar.

A grande diferença entre este governo grego e o anterior tem duas vertentes: estamos determinados a combater interesses para dar um novo impulso à Grécia e conquistar a confiança dos nossos parceiros e estamos determinados a não ser tratados como uma colónia da dívida que deve sofrer aquilo que for necessário. O princípio da maior austeridade para a economia mais deprimida seria pitoresco, se não causasse tanto sofrimento desnecessário.

Frequentemente, perguntam-me: e se a única forma de assegurar financiamento for ultrapassar as linhas vermelhas que estabeleceu e aceitar medidas que considera serem parte do problema e não da solução? Fiel ao princípio de que não tenho direito a fazer bluff, a minha resposta é: as linhas vermelhas não serão ultrapassadas. De outra forma, não seriam verdadeiramente vermelhas, seriam um mero bluff.

E se tudo isto trouxer muito sofrimento ao seu povo? Perguntam-me. Está, certamente, a fazer bluff.

O problema desta linha argumentativa é o de partir do princípio, de acordo com a Teoria dos Jogos, de que vivemos numa tirania de consequências. Que não há circunstâncias nas quais devemos fazer o que é correcto, não como estratégia, mas por ser…correcto.

Contra este cinismo, o novo governo grego irá inovar. Iremos cessar, independentemente das consequências, acordos que são errados para a Grécia e errados para a Europa. O jogo do “adiar e fingir”, que começou depois de o serviço da dívida pública grega não poder ter sido cumprido em 2010, vai acabar. Acabaram-se os empréstimos – pelo menos, até termos um plano credível de crescimento da economia para pagar esses empréstimos, ajudar a classe média a recuperar e resolver as terríveis crises humanitárias.  Acabaram-se os programas de “reforma” que se dirigem aos pobres pensionistas e a farmácias familiares e mantém intocável a corrupção em grande escala

O nosso governo não está a pedir aos nossos parceiros uma solução para pagar as dívidas. Estamos a pedir alguns meses de estabilidade financeira que nos permita criar reformas que uma extensa camada da população grega possa assumir e apoiar, para podermos voltar a ter crescimento e acabar com a nossa falta de capacidade de pagar as nossas dívidas.

Pode pensar-se que esta retirada da Teoria dos Jogos é motivada por uma qualquer agenda de esquerda radical. Nem por isso. Aqui, a maior influência é Imannuel Kant, o filósofo alemão que nos ensinou que a saída racional e livre do império da conveniência é fazer aquilo que é correcto.

Como sabemos que a nossa modesta agenda política, afinal de contas a nossa linha vermelha, em termos kantianos, é a correcta? Sabemos, olhando nos olhos dos esfomeados nas ruas ou contemplando a pressão sobre a nossa classe média, ou considerando os interesses dos diligentes trabalhadores de cada aldeia, vila e cidade na nossa união monetária. No fim de contas, a Europa só recuperará a sua alma quando recuperar a confiança das pessoas, pondo os interesses delas na linha da frente.

Yanis Varoufakis é o ministro das Finanças da Grécia. Publicado no New York Times

 

 

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval dos desmascarados

De dia para dia a vitória do Syriza nas eleições gregas do passado mês de Janeiro foi-me dando maior satisfação. Seja qual for o desfecho do combate agora travado pelo novo governo grego, a chegada do Syriza ao poder já teve o enorme mérito de fazer cair a máscara com que os actuais políticos kitsch que mandam na Europa se disfarçavam de democratas convictos. Caricata ironia: os senhores do poder desmascarados em pleno carnaval, deixando exposta, em toda a sua grotesca nudez, a obscena forma essencial da sua fácies política. Traduz-se ela no exuberante desprezo pelo resultado das eleições, higienicamente reduzidas à dimensão de ritual irrelevante e fraudulento em que só se admite um único resultado – ou votam em mim ou o voto não vale, austeridade ou exclusão. Para o Poderio o que importa é garantir a operacionalidade dos mecanismos de subjugação dos povos. Só assim se consegue que a acumulação de riqueza continue a fluir no mesmo sentido. Mas a engenhosa higiene eleitoral, tão cuidadosamente implementada ao longo de décadas, destinada a prevenir contra a eventual erupção de alternativas emancipadoras, contra o surgimento de transformações perturbadoras da tranquilidade do sistema de dominação, do status quo, parece estar a perder eficácia, deixando estalar o verniz. Isso tem feito disparar todos os alarmes do sistema. As eleições podem servir para mudar, mas nunca para transformar. Podem admitir-se alterações no sistema mas jamais mutações do sistema. Na óptica do Poderio, as eleições, no essencial, têm que ser instrumento de conservação. Só assim são aceitáveis.

Outro efeito Syriza de desmascaramento, se bem observo, incide sobre o sofisticado sistema de construção e disseminação da confusão, elemento chave na arquitectura do sistema de domínio, de influência ideológica. Estou em crer que o furacão Syriza, bem como as inflamadas reacções de antagonismo que desencadeou (antídotos imateriais), concorre para facilitar a compreensão do hodierno modo de produção do pensamento político. Proporciona a dilucidação do como se opera a produção e comercialização da opinião que se vai cristalizando como Verdade absoluta comum, como certeza ideológica de um tempo e de um espaço societal, que até o passado dia 25 de Janeiro se supunha poder garantir a perpetuação de resultados eleitorais convenientes, aceitáveis, moderados, respeitadores da ordem estabelecida e, por isso mesmo, inócuos. Trata-se do essencial mecanismo de produção de bens imateriais de carácter ideativo-simbólico-ideológico. Decisivo factor de dominação. Os agentes dessa produção (empreendedores do imaterial) são les doxosophes que Pierre Bourdieu lucidamente caracterizava já na recuada década de 70 do século passado. Personagens que desfilam em écrans, em páginas de jornais, revistas, livros ou sobre a forma de ondas hertzianas actuando a uma só voz. Constituem o imenso coro dos comentadores, dos fazedores de opinião, dos “especialistas”, dos “pensadores” em voga. Carnavalesco morganho de criadores de máscaras. Le doxosophe (o doxosofo) é o malabarista das meias verdades com que se constroem as mais puras mentiras; é, como bem escreveu Bourdieu, o especialista da aparência, «erudito aparente e erudito da aparência», actuando em terreno «onde a aparência serve sempre as aparências». É o instituir do primado da mentira em que se alicerça a confusão “legitimadora” e garante essencial de uma dominação, de um sistema de pensamento único, do “não há alternativa”, de uma farsa democrática que mascara uma real oligarquia.

Mais grave do que tudo é o menosprezo pela Vida, atitude que é primeira fonte do Mal, maiusculizado por ser extremo. A frase “sinto muito pelos gregos; elegeram um governo que se comporta de modo irresponsável”, ontem proferida por Wolfgang Schäuble, constitui um marco ético-político histórico, ficando na memória colectiva como expressão simbólica desse desamor à Vida protagonizado por um bando de líderes europeus responsáveis pela política que deixou mais de um milhão de cidadãos gregos sem assistência médica, que deixou 300 mil famílias a viverem sem electricidade no meio da grande civilização do velho continente – assim transformada em selva --, que sem escrúpulos lançou na pobreza milhões de seres humanos e que face à evidência dos danos tem o supremo descaramento imoral de querer prosseguir com a política semeadora de sofrimento humano.

O vergonhoso ultimato de ontem, feito com a cumplicidade dos governantes socialistas (note-se bem), é o prenúncio do fim da União Europeia assente nos princípios do humanismo, na democracia, na solidariedade entre os povos. Para quem neste momento detém a vara do mando, na cúpula da EU, a prioridade máxima é garantir a perpetuação das estruturas de dominação geradoras de uma distribuição desigual da riqueza. Um eventual sucesso do Syriza seria demonstrativo da existência de alternativas emancipadoras. Verdade insuportável.

Se o governo do Syriza for derrotado e não conseguir pôr fim à política austeritária de regressão civilizacional, a extrema-direita neonazi irá mudar a Europa.

Avizinham-se tempos perigosíssimos. Avoluma-se a ameaça de nova vaga totalitária.

 

João Maria de Freitas-Branco

Caxias, 17 de Fevereiro, terça-feira de Carnaval, de 2015

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Convite à reflexão

Quatro dias depois da vitória do Syriza nas eleições gregas Jean-Claude Juncker afirmou o seguinte numa entrevista concedida ao jornal Le Figaro:

«il ne peut y avoir de choix démocratique contre les traités européens» (Le Figaro, 29/1/15).

Extraordinária declaração! Ficamos a saber qual é a concepção de democracia deste alto responsável político da União Europeia. A vitória eleitoral do Syriza teve já o enorme mérito de inaugurar uma lição de política e uma reflexão sobre a nossa realidade política. Fez-nos ver que no topo da hierarquia política da Europa a democracia não é entendida como sendo a soberania popular, mas sim como sendo a submissão dos povos aos tratados. Muito elucidativo. Obrigado Syriza por teres proporcionado este esclarecimento. Assim fica mais clara a perigosidade da situação em que nos achamos.

 

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

A ameaça do antiterrorismo


NOTA: No seguimento dos trágicos acontecimentos ocorridos em Paris no passado dia 7 de Janeiro foram proibidas algumas manifestações islamofóbicas convocadas por organizações da extrema-direita neonazi. Ao tomar conhecimento dessas proibições redigi um artigo de opinião destinado a ser publicado num jornal de referência. A coincidência com as eleições na Grécia obstou à publicação do referido artigo na edição em papel. Embora algumas manifestações tenham voltado a ser autorizadas, a questão de fundo, uma reflexão filosófica sobre a Liberdade e a expressão da opinião, mantém toda a actualidade. É esse texto que agora aqui se publica.


A ameaça do antiterrorismo

Que o terrorismo em curso é uma ameaça à nossa civilização parece ser coisa evidente; mas admitir que o antiterrorismo possa ser igualmente ameaçador já é bem menos evidente.

Na Alemanha, a proibição de uma manifestação do Pegida (movimento de extrema-direita), convocada para dia 19 de Janeiro, foi justificada pelas autoridades estatais por «receio de atentados terroristas». Horas depois, em França, foi anunciada proibição semelhante, sendo que a justificação dada pelas autoridades francesas é mais ampla, referindo que «a manifestação projectada não tem por objectivo apelar à condenação dos actos terroristas recentes mas inscreve-se claramente numa lógica islamófoba»(PÚBLICO online, 18/1/15). É esta, na óptica das autoridades, uma razão acrescida para o impedimento da manifestação.

Estas proibições, decretadas em dois dos principais países europeus, abrem um precedente que se me afigura muito preocupante. Espanta-me, por isso, observar sinais de regozijo em pessoas de esquerda, bem como, em geral, naqueles que se dizem democratas. Deviam mostrar inquietação tão grande ou maior do que a minha.

A partir deste momento, como se pode ver, a declaração policial de existência de risco de atentado terrorista “legitima” a suspensão do direito de manifestação, liberdade fundamental em que se estriba o exercício da cidadania. O que parece uma medida em defesa da Liberdade é, de facto, um procedimento limitativo da Liberdade, lesivo do seu exercício. Suspende um essencial direito constitucional. É isto admissível? Não, não é. Por esta via o antiterrorismo está a atacar um princípio civilizacional e a ser, também ele, ameaça à civilização. Porventura ainda mais preocupante é escutar o silêncio das elites.

A notícia das proibições deve ser associada a uma outra: a de que 42% dos franceses considera deverem evitar-se «ofensas ao Profeta Maomé», como a 1ªpágina da última edição do Charlie Hebdo. Ou seja, consideram dever praticar-se a autocensura como forma de combate ao terrorismo islâmico. Não é isto combater uma ameaça à civilização com outro tipo de ameaça a essa mesma civilização?

Vão ecoando com maior intensidade opiniões como esta: «Não deve haver liberdade para os inimigos da liberdade». Ameaçador. É assim, sempre assim, envergando o disfarce de amigo da liberdade, que o inimigo da liberdade se insinua. Típica opinião “terrorista”, se assim me posso expressar, por atentar contra a liberdade de expressão.

Temo que o recrudescimento da ameaça terrorista cause alteração no concebimento colectivo da Fraternidade, elemento essencial do Brazão intelectual, político e moral da civilização. Alteração que é deturpação. A fraternidade – bem como a solidariedade ou a tolerância que lhe estão associadas – tem que se manter na esfera do universal. É símbolo universal. Um património cultural de que não nos podemos apropriar com o objectivo de satisfazer interesses europeus, conveniências locais. Nesta nossa Europa a Fraternidade não pode nem deve ser construída contra o exterior, seja ele o mundo islâmico ou outro qualquer. Fazê-lo é estar a destruir um símbolo civilizacional, património da Humanidade, esvaziando o significado da divisa “todos os homens se tornam irmãos” que preside ao beethoveniano hino europeu.

João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 20 de Janeiro de 2015 

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Exemplo de bom senso

As propostas do novo governo grego relativamente à dívida externa da Grécia são exemplo modelar do mais cristalino bom senso. São também a mais evidente prova da vontade de pagar aos credores. Insistir no austeritarismo asfixiante e imoral é que conduz ao não-pagamento da dívida da Grécia, como muito bem evidenciou Yanis Varoufakis (ministro grego das finanças) hoje em Paris, estabelecendo pedagógica analogia com os toxicodependentes. A ideia de que o governo do Syriza exige um perdão da dívida só existe na cabeça dos políticos malfeitores que implementaram a política austeritária ou na dos comentadores ao serviço do status quo. A conferência de imprensa dada hoje, às 18h., em Paris, pelos ministros das finanças da França e da Grécia, a que assisti em directo através do canal televisivo France24, foi a mais clara concretização do discurso político do bom senso. Recomendo a todos que oiçam ou leiam com atenção o que aí foi dito de forma muitíssimo clara pelos dois governantes que evidenciaram estar em perfeita sintonia política. É pelo caminho ali descrito que também nós, Portugal, teremos que seguir. O primeiro passo a dar, já com lamentável atraso, é tirar os malfeitores do Governo da Pátria.