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sábado, 19 de fevereiro de 2022

Não foi penálti!

 

“NÃO FOI PENALTI!”
(Texto de Francisco Seixas da Costa, Facebook, 19 de Fevereiro de 2022)

Uma vez, no velho estádio José de Alvalade, no meio de uma bancada verde que reclamava um penalti que castigasse uma suposta falta sobre um jogador do (meu) Sporting, comentei, alto: “Não foi penalti!”.

O que eu fui dizer! Caiu-me em cima o Carmo e a Trindade! O mais meigo remoque que nesse instante recolhi foi de “lampião”, insulto-mor no clube que me tem como adepto desde que me conheço.

Não tinha sido penalti, claro, mas afirmar isso naquele contexto era uma heresia. Porque “tenho a mania” de que sou isento a ver futebol (e sou), raramento me inibo de dizer o que penso sobre a justiça do “senhor árbitro”. E, talvez por isso, raramente vou aos estádios.

(Ainda ontem, este tweet irritou bons amigos: “A Lazio não é o Manchester City, eu sei. Mas parece-me claro, e honestamente tenho de admitir, que o Porto é hoje, nomeadamente comparado com o (meu) Sporting ou o Benfica, a única equipa portuguesa que ainda vai conseguindo sustentar um razoável estatuto internacional.”)

Mas a que propósito vem isto? Da Ucrânia. Da Ucrânia? Exatamente.

Na minha qualidade de comentador da CNN tem-me vindo a ser pedido que analise a situação que por ali se passa. E eu faço-o, tão bem quanto consigo, tentando olhar para as coisas com equanimidade - “palavrão” que tenho por princípio moral.

Há dias, um outro amigo (tenho muitos, felizmente) disse-me, num tom que me soou um pouco chocado: “Quando, nos teus comentários, analisas o conflito na Ucrânia, chega a dar a sensação de que Biden e Putin se equivalem moralmente, de que um presidente eleito democraticamente tem uma dignidade idêntica à de um autocrata. Pareces esquecer de que lado estás.”

Achei graça ao comentário. E já o esperava. Sou cidadão e diplomata de um país da NATO e da União Europeia, defendo alguns Direitos Humanos que Putin nem desconfia que existem e detesto o sinistro regime que vigora em Moscovo. Mas, ao assumir esta atitude (que não é um “disclaimer”, note-se), acaso sou obrigado a esquecer, por exemplo, que os EUA mantêm, sem julgamento e sem vergonha, há mais de 20 anos, em Guantanamo, pessoas detidas por terrorismo, por não conseguirem provar que são culpados?

Recuso abertamente o desafio dualista, em matéria de valores, que está subjacente à pergunta, quase policiesca: “Estamos do lado de Biden ou do lado de Putin?”. O facto de eu saber bem do lado em que estou não me torna incapaz de avaliar, com serenidade, as razões de um lado e de outro. Porque a experiência, e essencialmente a consciência, ensinou-me que o mundo nunca é a preto e branco. E não tenho a menor paciência para os maniqueístas.

Bem me lembro dessa hora, bem negra para a política externa portuguesa, em que um governo nos provocava sobranceiramente com a pergunta: “Queremos estar do lado dos Estados Unidos ou do lado de Saddam Hussein?”. Esse executivo acabou a servir o “catering” nas Lajes e a avalizar a guerra criminosa que foi a intervenção no Golfo, em 2003, de onde só nasceu ódio, morte e o Daesh. E não pediu desculpa ao país por isso.

Conheço os valores que estão em causa na questão da Ucrânia. Esse é o lado opinativo, afetivo, da questão. O meu papel, na cena televisiva, não é ser “sportinguista em Alvalade”, é ser rigoroso a analisar os acontecimentos e as motivações contrastantes que lhes estão por detrás. Às vezes, isso não é simpático para as “nossas cores”, parecemos ”advogados do diabo”? É a vida!

Por isso, porque continuo a recusar-me a gritar “penalti!” quando não houve falta, ou insisto em dizer ”foi penalti!” quando um defesa do meu “lado” rasteira um adversário na área, continuarei, enquanto me quiserem ouvir, a tentar analisar as questões internacionais com o possível equilíbrio, tomando sempre em atenção a posição de cada lado e, essencialmente, procurando ser rigoroso com os factos.

Como alguém disse um dia, temos todo o direito a ter as nossas próprias opiniões, mas isso não nos dá o direito a ter os nossos próprios factos.

COMENTÁRIO 

Francisco Seixas Santos, A principal característica de um intelectual é o Carácter. O mesmo vale para o comentador político. Somos consócios. Não no Sporting – porque sou benfiquista desde que me conheço – mas no Clube do Carácter. Faz muitíssimo bem à mente ler escritos como este seu “Não foi penálti!”. Um inteligente contributo para a higiene mental. Faz sempre muita falta… Obrigado! (Já agora, acrescento que tive do outro lado da 2ª circular experiência em tudo semelhante à sua, mesmo em espaço designado por “catedral da Luz”… Provavelmente, ali como em tantíssimos outros lugares, a luz nem sempre está acesa.) Cumprimentos.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 19 de Fevereiro de 2022 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

Guerra? -- Resposta a Irene Pimentel

 

A historiadora Irene Pimentel publicou ontem à noite, na sua página do Facebook, a seguinte interrogação:

Estamos à beira de uma guerra mundial?

Dei a seguinte resposta:

Guerra? Não, não é possível. Irene, estás mal informada. Se houvesse tão grande perigo não seria possível observar tão grande indiferença entre a nossa gente, incluindo a elite política. Durante toda a campanha eleitoral para as legislativas do passado dia 30 de Janeiro (há menos de duas semanas) não houve, que eu tivesse visto, um único líder político que tenha apresentado uma reflexão ou até uma mera referência ao conflito na Ucrânia; em nenhum debate ou entrevista se observou preocupação relativamente às consequências para Portugal de um conflito bélico envolvendo Rússia, EUA e restantes países membros da NATO, Bielorrússia e, obviamente, a Ucrânia, esse insignificante país europeu com 44 milhões de habitantes e uma área de 603 Km2. Portanto, está tudo bem – creio que é assim que se diz, na linguagem em voga. Podes ficar tranquila. Sentes-te preocupada por efeito de defeito profissional. És historiadora…; e logo historiadora especializada no século XX, o das grandes guerras… Saber história é maçador, porque a memória histórica injecta-nos preocupações, certamente infundadas, quando vemos os Estados mais poderosos do mundo a mobilizar as suas tropas, a exibir o arsenal bélico, a ameaçarem-se mutuamente, a falarem do seu poder nuclear. Esta coisa do conhecimento é uma maçada. Beijinhos, querida Irene.  

João Maria de Freitas Branco
12 de Fevereiro de 2022

 

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Desabafo democrático...


Não sei bem porquê, talvez por algum fenómeno ambiental, apetece-me declarar o seguinte: 

a Democracia aquartela os sujeitos que a repudiam e explicitamente a combatem; é esta uma sua essencial característica distintiva que, se muito não erro, lhe confere virtude. 

Simultaneamente, é dever de todo o autêntico democrata combater, de modo frontal, inequívoco e corajoso, todos os inimigos que, tirando partido das próprias liberdades democráticas, pretendam destruir a Democracia e as liberdades.

João Maria de Freitas Branco
10 de Fevereiro de 2022