Pesquisar neste blogue

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Com Congresso ou sem Congresso

 

Não se iludam: caso o PCP tivesse decidido (ou venha a decidir) não realizar o seu Congresso, isso nunca podia traduzir-se num desejo de enfraquecimento da acção política que o partido concebe como sendo contra a desigualdade, a injustiça, a falta de liberdade e, no contexto actual, contra a cada vez mais exuberante ameaça totalitária que grassa pelo mundo e a que só falta adicionar um momento de grande crise, como o que se pode desenhar a partir de uma situação de calamidade pandémica que vai sulcando de modo propiciador ao germinar de graves dificuldades económicas, sociais e políticas.

Sabemos não faltarem vozes críticas ou acusatórias relativamente à genuinidade das intenções, bem como da acção concreta desenvolvida pelo partido em causa, agora estranhamente classificado como “partido de extrema-esquerda” ou como “partido populista e extremista”. Mas esse debate é irrelevante neste contexto temático. Não é isso o que aqui se equaciona. Importa antes ter presente que em Portugal, por efeito da Revolução de Abril de 1974 que pôs termo a uma ditadura, os Governos deixaram de poder autorizar ou proibir as actividades político-partidárias. Valiosa conquista à luz da qual não se pode pôr em causa a legitimidade da organização de reuniões partidárias (para além de outras), como é o caso da iniciativa agendada pelo PCP para o próximo fim-de-semana. No entanto, o reconhecimento da total legitimidade do acto não inibe, nem pode inibir o direito à opinião sobre eventuais vantagens ou inconveniências políticas da realização de uma determinada actividade partidária. É este um outro patamar de discussão, independente da legalidade ou legitimidade da actividade promovida.

Como tenho feito saber, considero que a realização do Congresso nos moldes previstos fornece armas de fácil manuseamento ideológico aos inimigos da Liberdade e do Estado de direito democrático, sendo por isso, e se não houver engano meu, um erro político. Mas a alternativa não pode ser uma atenuação da força combativa, nem uma suspensão da actividade política. Bem pelo contrário. O adiamento do Congresso teria que ser realizado através de outra acção política, criativamente pensada e porventura até mais efectiva, e que poupasse o PCP a uma muito espectável reprovação popular com inevitáveis efeitos na sua futura capacidade de intervenção. Não é o ruidoso opinar de hordas anticomunistas de variegado género que deve preocupar ou prender a atenção; é antes a boa percepção da sensibilidade popular que deve interessar os decisores políticos. E quem pensa à esquerda, deverá ter o acrescido cuidado de avaliar se o seu proceder intensifica a polarização fecundante do totalitarismo.

Não sei se me vão perdoar o uso do que muitos, em todos os quadrantes políticos, à direita, à esquerda, ao centro, consideram ser um vetusto chavão, mas a verdade é que o combate político contra a exploração do homem pelo homem jamais pode esmorecer. É pelejar permanente. A expressão desconsiderada (quando não vilipendiada) é, a meu ver, rigorosíssima, porque traduz exactamente uma fundamental realidade passada e presente da história humana: a exploração de enormes maiorias de seres humanos por magras minorias de seres humanos, causando sofrimentos horrendos de infinita dimensão colectiva. A chama dessa lide deve e tem que se manter bem viva, porque se trata, antes de tudo o mais, de um imperativo ético e moral!

Na memória mais nobre da história deste nosso invulgar presente figurarão aqueles que souberam erguer-se contra as renovadas formas de exploração e descriminação de incontável número de seres humanos por esses alguns seres humanos que agora se agitam, manipulando as massas, como outros no passado, com o prioritário objectivo de tirar máximo proveito de uma crise alargada que desimpeça a estruturação de novos regimes autocráticos/totalitários favorecedores de acumulação de riqueza e poder nas mãos de uma minoria dominante. Nesta época de estranhas classificações é um Papa, curiosamente rotulado de marxista pelas hostes mais conservadoras e reaccionárias da própria Igreja Católica que lidera, que vem a terreiro, com Carta Encíclica, apelando para o «pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns» (Papa Francisco: Fratelli Tutti, Paulinas, Lisboa, 2020, p.70).

Com Congresso ou sem Congresso, o combate contra a exploração do homem pelo homem tem que ser intensamente contínuo. É uma acção sem intervalos.

João Maria de Freitas Branco
24 de Novembro de 2020

Sem comentários:

Enviar um comentário