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sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Situação política -- uma reflexão pré-eleitoral

 

Começo por inserir aqui um curto texto redigido e publicado nas redes sociais horas antes da votação do OE na Assembleia da República, em Outubro de 2021, votação que conduziu à queda do Governo do PS. Faço-o com o único propósito de recordar qual foi a posição que assumi nessa altura, de modo a enquadrar o escrito mais longo que agora torno público pela primeira vez.

 

Situação política – reflexão antevendo uma crise pós-votação do OE

Falta pouco tempo para ser votado o Orçamento do Estado. Tudo indica que não vai ser aprovado. Lamento que as esquerdas nacionais não consigam entender-se, arquitectando um acordo, mesmo que mínimo. Num momento histórico em que a Democracia está particularmente fragilizada e ameaçada. As direitas (do centro direita à extrema direita) rejubilam. Facto significativo. Será que o chumbo do OE torna inevitável a queda do Governo? Não há outras alternativas? O Presidente da República tem que dissolver a Assembleia da República? Não pode ser dado um prazo para o Governo poder apresentar um novo OE? Não há espaço para mais negociações? A antecipação das eleições é obrigatória? Na óptica das esquerdas que se antevê de positivo? Que alternativas?
[Facebook, Outubro de 2021]

 

Situação política – uma reflexão pré-eleitoral

O desmoronamento da geringonça não pôde deixar de me entristecer. É sentimento que brota de modo espontâneo em espaço mental ideologicamente estruturado a partir dos princípios/valores do que se convencionou designar Esquerda. A geringonça, com todas as suas limitações e contradições internas, revelou-se eficaz na concretização de um gesto político urgente: o de reverter medidas indecentes – as do “austeritarismo” neoliberal, penalizadoras dos cidadãos menos favorecidos, bem como dos humilhados e ofendidos (totalizando a grande maioria da população).

Ao ser criada, em 2015, a geringonça injectou decência no enfermo corpo da política nacional. E na conjuntura actual, com o presente quadro político-partidário e numa óptica de esquerda, não vejo solução governativa satisfatória que dispense um certo nível de entendimento entre os protagonistas da geringonça. Considerando o voto popular expresso em eleições honestas (que confere ao PS uma representação parlamentar significativamente superior à soma das representações dos partidos à sua esquerda), como se pode concretizar uma governação de esquerda sem acordos com o PS? Ou, como alguns parecem desejar, contra o PS? Ou seja, podemos reformular a pergunta: como se pode, neste nosso presente, levar a cabo uma política de esquerda sem uma qualquer forma de unidade entre PS/PCP/BE?

Em política, quando se toma uma decisão e se faz uma escolha é porque existe a convicção de que essa preferência conduz a uma melhoria da situação, a um objectivo que corresponde aos interesses do decisor. Assim sendo, o PCP e o BE, com o seu voto de reprovação do OE, e perante a anunciada (e muito discutível) inclinação do Presidente da República, sabiam estar a provocar a dissolução da Assembleia da República e a consequente queda do Governo e convocação de eleições legislativas antecipadas. Assim sendo, é porque consideram haver benefícios neste caminho. Quais são? O que vai facilitar uma solução governativa de esquerda? O resultado eleitoral, com substancial reforço da representação parlamentar dos dois partidos, BE e PCP? Uma perda de influência do PS gerando nova correlação de forças na frente de esquerda, proporcionando uma nova geringonça em que o BE e o PCP passem a ter maior poder negocial? A hipótese real de alterar as condições de negociação do OE abrindo caminho à feitura de um orçamento mais à esquerda (maiores aumentos salariais, aumento do valor das pensões, redução do preço da electricidade e dos combustíveis, reforço do financiamento da educação, do SNS, da Cultura, etc.)? A hipótese real de garantir a urgente revisão da legislação do trabalho? Será que antevêem, de forma fundamentada, uma expressiva ou estrondosa derrota eleitoral das direitas? A exclusão democrática da extrema-direita, retirando-lhe o assento no hemiciclo? Quais são, em resumo, na opinião do BE e do PCP as consequências positivas do chumbo do OE? Não nos foi dito. Continuo à espera de uma enumeração clara dos objectivos que se considera irem ser alcançados pela esquerda através do acto eleitoral do próximo Domingo, causado pelo chumbo do OE.

No entanto, há já uma primeira consequência da votação do Orçamento do Estado no passado dia 27 de Outubro. É bem clara e constitui mais um motivo de júbilo para as direitas (em especial para a extrema-direita); e renovado motivo de tristeza pessoal. Basta libertar o nosso olhar na paisagem opinativa do Facebook ou do Twitter. Aí está ela, bem evidente na sua factualidade: os membros das várias famílias de esquerda (com ou sem filiação partidária) estão engalfinhados desde o final do mês de Outubro do ano passado. Mais ainda: os próprios membros da mesma família política -- seja ela a “comunista”, a “bloquista”, a “socialista” ou a dos “independentes de esquerda” (socorro-me das aspas para contornar certas ambiguidades denominativas) -- estão desavindos, abespinhados uns contra os outros. No estado de crescente irritabilidade em que quase todos estão, olvidam os adversários, gastando munições argumentativas contra quem com eles coabita no espaço global das esquerdas. Nem se coíbem de lançar mão de vitupérios, insultos, acusações pouco educadas. No Facebook, uma conhecida antifascista disse que ia votar no PS e isso logo originou, segundo disse, que várias pessoas da área da CDU lhe tivessem virado as costas, o que em linguagem hodierna se traduz no gesto virtual de se “desamigar”. Os que, à esquerda, revelam não irem votar no PS, mas sim no PCP ou no BE, vêem-se mal tratados por sujeitos do Partido Socialista. O voto é livre, desde que votem no meu partido. Não é novo, mas continua a ser lamentável.

O próximo governo vai ter a importantíssima incumbência de gerir a chamada “bazuca” (mais de 17 mil milhões de Euros) e não é inverosímil que à elite dominante de Bruxelas não agrade que forças anticapitalistas (como o PCP e o BE) tenham voz activa na distribuição de tão suculento bolo. De um ponto de vista de esquerda, só haverá vitória eleitoral no próximo Domingo se o resultado da votação nacional garantir duas coisas: 1) a continuidade de uma maioria de esquerda no Parlamento; 2) o reforço da esquerda à esquerda do PS (a esquerda anticapitalista). Nessa medida, o voto no PCP (CDU), no BE, no Livre é, no mínimo, tão útil como o voto no PS, se este mantiver a opção de entendimento à esquerda, não ceder às eventuais pressões externas e não tiver uma deriva direitista, semelhante a outras de que guardamos triste memória.

Votem bem!

João Maria de Freitas Branco
28 de Janeiro de 2022

 

 

 

 

 

 

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