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quinta-feira, 3 de março de 2022

SINAIS ALARMANTES

Quando ao início da tarde me dedicava a percorrer os principais canais televisivos em busca das últimas notícias sobre o conflito bélico que neste momento monopoliza a nossa atenção, apercebi-me do corte do sinal do canal RT que, como se sabe, é uma rede televisiva internacional com directa ligação ao Estado russo. No ecrã do televisor apareceu-me, sobre fundo negro, a seguinte nota informativa:

«A emissão deste canal está proibida por decisão do Regulamento EU 2022/350 do Conselho, de 1 de Março de 2022».

Será que esta decisão é aceitável à luz dos valores democráticos? Esta proibição não põe em causa a liberdade de imprensa? Não está o Conselho da União Europeia a adoptar um regulamento censório e, assim sendo, contrário aos princípios da União Europeia?

Ao que me é dado saber, a agência de notícias russa Sputnik foi também abrangida pela decisão do Conselho da EU.

Mas há mais. Têm vindo a verificar-se outras “proibições” que atingem personalidades de nacionalidade russa, incluindo artistas e directores de instituições culturais. Retenha-se esta notícia publicada ontem num jornal italiano, dando conta do despedimento do aclamado maestro russo Valery Gergiev (ocupava o cargo de director da Orquestra Filarmónica de Munique) por não ter condenado a invasão da Ucrânia e ser amigo de Putin:

«Sulla scelta della star mondiale del melodramma [Anna Netrebko] pesa, senza ombra dubbio, la guerra in Ucraina e la decisione - del sindaco Beppe Sala e del Piermarini - di allontanare dal teatro il direttore d'orchestra Valery Gergiev, amico personale di Vladimir Putin e messo alla porta perché non si è schierato apertamente contro l'invasione russa.»

A célebre soprano Anna Netrebko, russa, já não vai subir ao palco no próximo dia 9, no Scala de Milão. Vários teatros na Alemanha, na Holanda, em Itália, já anunciaram a intenção de cancelar os concertos com Gergiev que é o mais notabilizado maestro russo da actualidade.

Quem toma estas decisões diz combater a falta de liberdade na Rússia e o ditador Putin. Estranha atitude: denunciar a censura censurando; evocar a liberdade impedindo a liberdade de opinião.

Tudo isto me parece extremamente preocupante.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 2 de Março de 2022

 

NOTA: Para quem estiver interessado em ler na íntegra o Regulamento aprovado, informo que ele foi hoje publicado no Jornal Oficial da União Europeia, podendo ser consultado na Internet.

Comentário do meu amigo e compositor Carlos Alberto Augusto que merece ser lido:

Ainda vai correr muita tinta por causa destas proibições, sanções e outras reacções. Racismo, intolerância, perseguições, revanchismo, atropelamento de direitos democráticos, correm livres, por todo o lado, aqui também em Portugal. Não tarda vai valer tudo. Verifico que se aceita tudo isto com bonomia, diria mesmo, com não escondida satisfação. E nunca o ditado "no melhor pano cai a nódoa" foi tão verdadeiro. Estamos num estado de pré-fascismo, transversal a toda a sociedade. Exagero? Vamos ver...
Carlos Alberto Augusto, Facebook, 2 de Março de 2022

A minha resposta: 

Carlos Alberto, é terrível dizê-lo, mas inclino-me a considerar que não pecas por exagero. Repara, por exemplo, na situação dos EUA, com uma guerra fria civil a decorrer há largos meses e com o Partido Republicano convertido ao autoritarismo neofascista de Trump, ou na situação em França, em que destacadas personalidades falam abertamente de guerra civil já iniciada! E onde estão as forças organizadas capazes de contrariar as novas vagas explicitamente antidemocráticas e totalitárias? Nos anos 1920/30 existiam, e mesmo assim foi necessário travar uma guerra mundial. Muito perturbador...

 

Carlos Alberto Augusto, um acrescento à minha primeira resposta: repara como bastam estas poucas dezenas de reacções ao meu escrito para se poder exemplificar/demonstrar a aceitação por ti referida, seja ela acompanhada de mais ou de menos bonomia. Chegámos a pensar que a Escola pública e os anos de vivência democrática tinham gerado sólida imunidade ao "vírus" do autoritarismo neofascista. Não por acaso, desde o berço da civilização o ilusionismo foi uma forma de diversão que granjeou enorme sucesso. O sapiens é um ente que se ilude e auto-ilude. Abraço.
João Maria de Freitas Branco
3 de Março de 2022

 

 

 

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