Pesquisar neste blogue

domingo, 30 de maio de 2010

Teixeira-Gomes, um convite à leitura

Há muito que sabemos ser hábito pátrio mal tratar os melhores filhos deste nosso torrão. O maltrato do olvido e da indiferença é talvez o pior, e se ele já não nos pode surpreender, deve sempre indignar-nos. Menos surpreendidos ficamos quando tal procedimento atinge autor herético, crítico da acção da Igreja. Que outra coisa se podia esperar no seio desta pátria tão longamente afectada pelo catolicismo e em que a Inquisição prosperou singularmente?
Teixeira-Gomes, figura maior de escritor e político da nossa primeira República foi particularmente vitimado. Quem o lê? Que referências lhe são feitas nos programas escolares? Que obras suas aparecem nas selectas literárias destinadas aos jovens estudantes do ensino secundário? Que eu saiba, nenhuma, e rarissimamente se encontra alma que revele algum tipo de familiaridade com a sua prosa. Tudo isto porque teve a audácia de ser lúcido em terra de obscurantismo religioso, neotomista e sebastianista, escrevendo coisas como esta: «Os frades prosperam e alastram, como a grama em terreno inculto, por esta população de jornaleiros famélicos, e proprietários opulentíssimos que vêem nos claustros os específicos respiradoiros da miséria oprimida. Para a gente rica não há ‘anjo da guarda’ que valha um frade na faina de a proteger contra as reivindicações do povo.» Assim denunciava o escritor as cumplicidades da Igreja com o poderio nas suas “Cartas sem moral nenhuma” – título bem indicativo da intensão de se opor ao espírito moralizador dominante e tradicional. Também aí se encontra esta estupenda acusação de uma ideia dominante: perante os horríveis sofrimentos e desumanidades manifestos na realidade mundana «a ideia de um ‘Ser Superior’ infinitamente poderoso e bom, ganha ali [nesse sofrimento e nessa miséria] foros de abominável escárnio.» Prosa insuportável para os poderes do tempo salazarento que condenou a obra de Teixeira-Gomes ao olvido e a vilipendiou.
Neste ano de comemorações do primeiro centenário da República talvez seja altura de chamar a atenção para a sua obra. Mas para isso torna-se indispensável e urgente que ela se encontre disponível. As velhas edições da Portugália (e outras) há muito que se encontram esgotadas. Foi por isso com grande satisfação que tomei conhecimento da iniciativa da Câmara Municipal de Portimão e da Imprensa Nacional de públicar as obras completas do escritor político. Uma óptima notícia. Estão o Município e a Editora estatal de parabéns pelo serviço que assim prestam à nossa cultura. Porém, algo incompreensivelmente, as edições da Imprensa Nacional continuam a ter uma péssima distribuição livreira. E, além disso, os processos de encomenda são, de uma forma geral, muito morosos.
Um dos responsáveis científicos pela preparação desta edição, o historiador Vítor Vladimiro, amigo e vizinho de longa data, teve a gentileza de me ofertar os dois primeiros volumes que aqui me apresso a divulgar. Nenhum português que se preze de ser homem ou mulher de cultura pode permitir-se ignorar a esplêndida prosa literária do Teixeira Gomes. Portanto, saúdo aqui o competente e abnegado esforço do Vítor Wladimiro Ferreira, do Urbano Tavares Rodrigues e da Helena Carvalhão Buescu, esperando que o projecto editorial se conclua com sucesso.
Aqui fica a referência bibliográfica para que os leitores/seguidores deste blog possam encontrar-se com Teixeira Gomes:

TEIXEIRA-GOMES, Manuel: Obras Completas, anotadas por Urbano Tavares Rodrigues, Helena Carvalhão Buescu e Vítor Wladimiro Ferreira, prefaciadas por Urbano Tavares Rodrigues, Volumes I e II, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Câmara Municipal de Portimão, Lisboa, 2009.

«Um dos produtos mais acabados e originais,
sem par ao nível do estilo, da literatura portuguesa de sempre.»

Urbano Tavares Rodrigues

1 comentário:

  1. Aqui http://puxapalavra.blogspot.com/2010/05/1974-quem-sao-aqueles-ao-pe-do-jose.html
    uma provocação e aqui http://memoriasdopresente.blogspot.com/2010/05/teixeira-gomes-que-ditadura-quis-apagar.html#links
    com mais RAZÃO

    ResponderEliminar