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quinta-feira, 3 de junho de 2010

Changeux em Lisboa

Uma grande figura da ciência e da cultura, o francês Jean-Pierre Changeux, um pioneiro da biologia molecular, discípulo predilecto de Jacques Monod, e um dos maiores neurocientistas, fez uma conferência em Lisboa no início desta semana. Centrou a sua atenção na hipótese que tem vindo a desenvolver de criação de uma neurociência da pessoa humana. Algo que permita explicar, num quadro de objectividade, coisas admiravelmente misteriosas como a universalidade do imperativo moral no ser humano, ser esse que, como sabemos, se caracteriza também, e ao mesmo tempo, pela variedade cultural que exibe e cultiva. Esperava-se – ou pelo menos esperava eu, contaminado por idiossincrático optimismo – que o Auditório 2 da Fundação Gulbenkian tivesse sido pequeno para albergar estudantes universitários de várias áreas, com destaque para as de biologia, medicina, psicologia e filosofia, ávidos de escutar directamente uma figura maior da ciência contemporânea e (coisa que não acontece com todos os cientistas de nomeada) verdadeiro homem de cultura universal – recorde-se que Changeux é também um especialista em pintura seiscentista e setecentista francesa, tendo dedicado especial atenção à fundamentação neurológica da experiência estética (Raison et plaisir). A realidade revelou-se outra. Os estudantes não se sentiram motivados a aparecer. Era mais notória a presença de profs. Não creio que tenham estado mais de 70 pessoas na sala. É certo que Changeux é um mau comunicador, e ao tornar-se menos jovem essa incompetência manifesta-se por vezes ao nível elementar da própria dicção. Mas não deixa de ser triste ver o auditório com tantas cadeiras vazias, significando que muitos jovens estudantes universitários perderam uma oportunidade rara de estar em directo contacto com uma grande personalidade. Estas oportunidades nunca se devem perder, porque são sempre enriquecedoras e ajudam a semear entusiasmos – essencial elemento da pedagogia.
Aproveito para recomendar a leitura do último livro de Changeux, obra em que ele reúne os conteúdos dos cursos que leccionou no Collège de France. Como ele próprio revela, «j’ai écrit ce livre à partir de la matière de mes trente années d’enseignement au Collège de France». Aqui fica a referência bibliográfica:
CHANGEUX, Jean-Pierre: Du Vrai, du Beau, du Bien – Une nouvelle approche neuronale, Editions Odile Jacob, Paris, 2008. (Preço em França: aproximadamente 28 Euros.)

Quando, em conversa pessoal, referi a Jean-Pierre Changeux a importância que um dos seus livros tinha tido na feitura de um dos meus -- o meu trabalho sobre a dialéctica objectiva no quadro das ciências da natureza (Dialéctica, ciência e natureza, Editorial Caminho, 1990) --, respondeu-me com um delicioso sorriso amplo e cristalino de menino contente, deixando-me, também a mim, satisfeito.

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