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quinta-feira, 7 de abril de 2011

O FMI e o estado de espírito

Ouvi durante a manhã de hoje a reportagem de rua feita, em directo, por um jornalista da TSF com o objectivo de averiguar qual o estado de espírito do cidadão comum horas depois de ter sido anunciada a entrada em cena do FMI no nosso espaço nacional, trazido pela mão do Governo PS com o incondicional apoio do partido irmão, o PSD. Triste estado de espírito. A avaliar pelo que se pôde escutar, nos depoimentos recolhidos na baixa lisboeta bem como nas intervenções no Forum TSF, impera a resignação, em lugar da tão necessária e urgente indignação proactiva conducente a outro tipo de soluções. Soluções sócio-politicamente decentes, norteadas por princípios éticos. A política do FMI é, no mundo actual, um modelo vetusto, absolutamente contrário ao desejável e necessário (veja-se o estado em que se encontra a Grécia um ano depois da intervenção, da suposta “ajuda”). Representa a falta de decência política, a injustiça social, a quebra de solidariedade (o enfraquecimento ou anulação das políticas públicas solidárias), a insistência nas políticas neoliberais, o poder imperial dos mercados desregrados, a arrogante imposição daquilo a que alguns economistas pertinentemente chamam a “economia austeritária” (demonstrativa de como a economia é política), a condenação à pobreza. Até na perspectiva, contrária à minha, de preservação do sistema capitalista, a política FMI é desaconselhável. Ela representa também a obstrução do mais elementar procedimento democrático, esse que confere ao cidadão a possibilidade de controlo, uma vez que o poder passa a estar cada vez mais na mão de entidades não eleitas, nem democraticamente controladas e, não raras vezes, ocultas.
Hora a hora, minuto a minuto, quase segundo a segundo o cidadão é bombardeado com a mensagem da inevitabilidade. Frases do tipo: «o pedido de ajuda ao FMI era inevitável, só peca por atraso»; «não havia outra solução»; «é mau, mas tinha que ser assim»; «precisamos do FMI para pôr ordem na nossa economia». Passa-se assim para a opinião pública a ideia errada da inexistência de caminhos alternativos, de que a resposta para a superação política da crise económica é unívoca, existindo apenas uma resposta, ou seja, de que, estamos irremediavelmente submetidos à força do destino, sendo este o nosso fado. Visão lamentavelmente bem lusitana e que tanto nos tem lesado ao longo da história. É assim montada uma danosa teia de falsas evidências. O cidadão eleitor é aprisionado na teia da inverdade, das pseudo-evidências. Consciencialize-se o seguinte: essas evidências mentem, evidentemente. São evidências falsificadas, adulteradas, mas cuidadosamente semeadas com inconfessáveis propósitos de poder. Portanto, o cidadão que empunha a caneta diante do boletim de voto no suposto recato de uma qualquer câmara de voto não é um ser autenticamente livre, é sim um ser aprisionado na falsa evidência, agrilhoado pela ignorância, pela manipulação, pelos efeitos perversos do ilusionismo político. É também refém do medo. De modo explícito ou subliminar é incutida a ideia de que só o centrão partidário pode governar. De que votar fora do centrão é abrir caminho ao caos. As pessoas vêem na televisão o que se passa na Líbia, na Costa do Marfim e ficam amedrontadas. Temem que algo semelhante possa acontecer nesta extremidade continental. Olham para o centrão partidário como sendo um mal menor. Governam mal, são trapaceiros, oportunistas e outras coisas mais, mas, pensa a maioria dos votantes, asseguram alguma estabilidade. Pelo menos não há grandes distúrbios, não há tiros, nem bombas, nem sangue derramado. Mas até quando?
Nas últimas eleições legislativas (2009) o centrão recolheu 3.732.472 votos, num total de 5.683.967 votantes, o que equivale a 65,66%. Note-se, porém, que esta aparente maioria é na realidade uma minoria: corresponde de facto a 39,22% do eleitorado português. Foi uma parte ainda mais minoritária que governou o país nos últimos 6 anos conduzindo-o à situação de enorme endividamento em que nos encontramos. Quando José Sócrates afirma que a maioria do povo português quis que o PS governasse, está a fazer o que habitualmente faz, a saber: a ludibriar o pagode. A votação obtida pelo PS foi de 21,83% (dado que o número de eleitores inscritos era 9.514.322); ou seja, 78,17% do eleitorado nacional não apoiou essa solução. Quer isto então dizer que na democracia real o poder não é exercido pela maioria, senão que por uma magra minoria. Esta realidade, violadora de uma regra de ouro da democracia, ou até da própria definição de democracia, é sistematicamente escondida; como se a abstenção não tivesse significado político. Onde se situará a fronteira da legitimidade? Nos 15%, nos 10%, nos 5%? Ou menos ainda?
Será que nas próximas eleições o resultado vai ser completamente diferente? Que a abstenção, dada a gravidade da situação que se vive, vai ter drástica redução e a orientação dos votos vai ser substancialmente diferente? Não creio. No entanto, após três décadas de governação PS/PSD com os resultados que estão à vista, devia ser dada a outros a possibilidade de mostrarem os seus talentos governativos. Seria compreensível, e até lógico, que o eleitorado gostasse de dar essa oportunidade a outros quadrantes da vida política. Mas não. O acto eleitoral do próximo dia 5 de Junho nada vai trazer de muito novo, a não ser, talvez, um aumento da influência do CDS, caso a inabilidade de Passos Coelho continue a dar nas vistas. Dado o carácter excepcional da situação, também a oferta eleitoral não podia, ou não devia, ser a mesma do costume. Devia surgir um novo figurino. As próximas eleições deviam realizar-se sob outras regras, já não sob a égide da partidocracia. Por isso defendi que o Presidente da República devia ter tomado a iniciativa de propor a formação de um Governo suprapartidário, provisório, de amplo consenso, que conferisse densidade ética à política, que enfrentasse as questões mais urgentes relacionadas com o financiamento do Estado e preparasse eleições de novo tipo, com diferente leque de ofertas e, logo por isso, potencialmente mais aliciantes para o eleitorado, podendo assim traduzirem-se em maior participação e menor abstenção. Mas como nada disso foi feito, como se optou pela “solução” menos audaz, mais vulgar, mais medíocre, talvez até mais inconsciente -- na medida em que é reveladora de ausência de pensamento crítico sobre o estado da democracia real, sobre as enfermidades que atingem o regime, sobre o esgotamento do sistema democrático/eleitoral real --, como foi essa a opção, não há motivos para grande optimismo ou esperança de melhoria. Lamenta-se.
O 5 de Junho não vai alterar nada. Não vai trazer nenhuma boa solução para os graves problemas do país. No essencial, aplicar-se-á a velha máxima de um personagem de Il Gattopardo de Tomasi di Lampedusa: mudará alguma coisa para que tudo possa ficar na mesma. «Si vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi».

5 comentários:

  1. É preciso pensar... fora do quadrado.

    Cerca de metade dos portugueses já pensa noutra comunidade...

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  2. Postas as coisas assim, é assustador o nosso cenário político e social. Quando se lê o que já se sabe, mas que nunca se quis acreditar, pesa em nós a responsabilidade de agir.

    Eu espero, sinceramente, que as pessoas se mobilizem, que percebam a importância do seu voto, independentemente da cor da escolha.

    É importante, como está aqui escrito, que haja uma democracia assumida onde é realmente toda a população a escolher o rumo do país.

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  3. Também ouvi a reportagem e ouvi um pouco desse forum tsf. Em contraponto a esse estado de espírito (que de facto marcou os tais dois momentos da TSF) também se ouvem figuras tão diversas e insuspeitas de incitamento ao levantamento das hostes como o Torres Couto, o bispo das FA D. Januário Torgal Ferreira e o venerando dr. Soares, por exemplo, a alertar para a possibilidade de "graves" convulsões sociais.
    Vamos ver se foram as ondas da rádio que apagaram as marcas no areal da indignação...

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  4. Espero que as marcas no areal da indignação sejam muitas e profundas. Não sei se haverá já tantos a "pensar fora do quadrado", mas sei que vão sendo cada vez mais. Só não tenho "fé" no acto eleitoral tradicional que terá lugar no próximo dia 5 de Junho. Mas não a tenho porque, entre outras razões, penso estar ele praticamente esgotado, ultrapassado por outros agires, por outras formas de participação, por outros factores políticos, por outras dinâmicas sociais. Devemos sempre saber olhar para a história para dela colhermos os valiosos ensinamentos que sempre em si transporta. Ora, o que ela nos diz é que não há realidade sociopolítica absolutamente estagnada, destituída de movimento. A realidade alberga sempre contradições -- quase diria, por definição. A agudização das contradições, sempre presentes e actuantes, gera mudança. Nisso se fundamenta o devir.
    Obrigado pelos pertinentes comentários.

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