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sexta-feira, 11 de março de 2011

Manif da Geração à Rasca

A expressão popular “à rasca” (ver-se à rasca) fere bastante a minha sensibilidade de utilizador da língua, confesso. No plano estético da musicalidade do linguajar de Camões ela é exemplo de grosseria, de impolidez, de fealdade linguística difícil de igualar até na esfera do bruto palavrão. Facto que sempre me fez evitar o seu uso, até mesmo na ambiência do vulgar vernáculo coloquial. Mas tenho que admitir ser ela, essa feia ou malparecida expressão, algo politicamente muito feliz. Ou seja, locução politicamente bem-parecida, uma vez que traduz na perfeição, com rigor e de modo incisivo a realidade que o actual movimento de protesto Geração à Rasca, movimento político espontâneo, apartidário e laico, pretende denunciar e contra a qual se perfila com muito meritória audácia e nobreza cívica.
Arrisco afirmar que as manifestações convocadas para amanhã à tarde em várias das mais importantes urbes do nosso apoquentado país vão constituir um marco histórico. Vão fazer história. É, por cá, a primeira grande manif Facebook. Algo inaudito. Relevantíssima inovação metodológica na esfera da organização da acção política. Mais ainda: desde a formação desta nossa 2ªRepública, que já leva 35 anos de vida, é também a primeira manifestação que reúne gente de todos os quadrantes. Nessa medida, até se pode afirmar que apresenta uma paleta ideológica mais ampla do que o célebre, inesquecível, 1º de Maio de 1974, mesmo que seja menos participada. Digo isto porque a extrema-direita, os neonazis, a talassa e sei lá que outros grupos ultraconservadores, desta vez também anunciaram a descida à rua.
É curioso ver o medo que já começa a fervilhar em algumas almas do meio político institucional; entre os democratas encartados, os funcionários políticos, os profissionais da governação. António Costa e Pacheco Pereira faziam ontem à noite, na sua Quadratura do Círculo, e juntando a sua voz à de outros opinantes, o elogio da moderação, advertindo para o perigo dos radicalismos (como se retirar abonos, reduzir pensões de sobrevivência, cortar subsídios de desemprego e bolsas de estudo não fossem medidas imoderadas ou radicais); apressaram-se a dizer que, “em democracia”, é no Parlamento e nos actos eleitorais que se aprovam ou desaprovam as políticas governamentais. Não é com violência que se deve actuar para corrigir eventuais políticas injustas, acrescentam. Violência nunca! Mas se amanhã algum manifestante resolver apedrejar uma agência bancária, incendiar um contentor do lixo ou quebrar o vidro de uma janela de um edifício governamental isso não passará de violência light. Caríssimos senhores opinantes democratas, violência, violência autêntica é retirar a milhões de cidadãos as bases materiais, os meios económico-financeiros mínimos sem os quais a existência humanamente digna deixa de ser possível. Isso sim é violência inaceitável. Essa é que é a violência intolerável que governantes com decência estão obrigados a reprimir, não com máquinas policiais, mas sim com mais cultura, com mais escola, com mais ética, com mais criatividade, com mais condições de trabalho produtivo. Isto é, em resumo e por outras palavras, aumento de riqueza através de: criação de bons hábitos societais; culto da elevação; empenhado incremento da produtividade nacional (ressuscitando o aparelho produtivo que antes quase foi assassinado).
Numa sociedade governada por pessoas de bem é essa referida violência que deve ser absoluta e prioritariamente proibida. Banida.
Quando um sistema político começa a tropeçar nos seus defeitos, nas suas imperfeições endógenas, nas suas contradições estruturais, exibindo lustrosos sintomas de esgotamento que se traduzem, nomeadamente, na clara incapacidade de contrariar a injustiça social, de conduzir ao banimento dessa tal violência, quando assim é, ensina-nos a história que as transformações exigidas se operam a partir de fora ou por fora do sistema avelhentado, exigindo ao cidadão exausto, farto de se ver injustamente à rasca, a descida à rua. É aí, na rua e pela rua que se constrói a mudança com plena legitimidade cívica e democrática.
Que muitos desçam à rua na tarde de amanhã com gritos de honesto protesto é o que eu, como cidadão interventivo que sou e sempre fui, desejo e espero.

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