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segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Mentira

  

No domínio da ideação escrita, da criação de pensamento através da prosa de ideias ou prosa filosófica, ocorre não raramente um fenómeno de hibernação cultural. Um texto escrito sob a influência de uma conjuntura história, ou como reacção a determinados acontecimentos históricos marcantes, perde vitalidade, parecendo até, por vezes, deixar de fazer sentido, quando esses acontecimentos se diluem no tempo, quando já não são constitutivos do presente e a situação histórica se transformou. É nessa altura que o texto corre o risco de entrar em estado de hibernação, mesmo quando se trata de obra de autor notabilizado. Olhado como arcaísmo, deixa de ser citado, já não é lido, não é reeditado e é remetido para as prateleiras dos arquivos, onde apenas será rarissimamente revisitado por exóticos intelectuais eruditos, especialistas, investigadores – uma muito magra faixa de leitores. Mas como a história é um processo constante de mudança, um novo acontecimento, o surgir de uma nova situação pode provocar a interrupção disso a que chamei hibernação cultural da obra.

 A realidade presente motiva-me a vir aqui sugerir leitura despertadora, em duplo sentido: porque interrompe uma certa hibernação cultural (pelo menos no que ao nosso espaço cultural concerne) e porque desperta o pensar reactivo, fazendo-nos reflectir sobre o nosso aqui e agora.

O autor em causa é Alexandre Koyré(1892-1964), um francês de origem russa, figura maior no domínio da história e filosofia da ciência, mas personalidade menos atendida na esfera da filosofia social e política, ou da politologia. Quanto à obra, trata-se de um curto escrito, já antigo, publicado em 1943 (em período de Guerra Mundial), sobre temática torridamente actual: a função e relevância da mentira no quadro da construção ideológica e da acção política. Koyré reflecte sobre a mentira a partir do totalitarismo que lhe foi contemporâneo, mas fornece-nos ferramenta para o nosso investimento mental de pensar a mentira como factor corrosivo do Estado de Direito democrático.

Aqui vai a sugestão de leitura (ou de releitura) utilizando a mais recente edição que conheço no idioma original:

KOYRÉ, Alexandre: “Réflexion sue le mensonge”, Editions Allia, Paris, 2016.

Não conheço a existência de nenhuma edição portuguesa.

Boa leitura e boa reflexão.

João Maria de Freitas Branco
Caxias, 11 de Janeiro de 2021

 

 

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