A morte de Eduardo Lourenço teve lugar precisamente há uma semana, no dia 1 de Dezembro, dia da restauração da independência. Empobrecimento da paisagem humana no planalto da Cultura nacional com o desaparecimento de um verdadeiro intelectual, autêntico como poucos neste tempo de pensamento ligeiro votado ao entretenimento e à correria tumultuosa – tão abusadora do espírito, como diria o nosso bom Eça.
Poucos dias após a morte do insigne pensador da Portugalidade, que nos educou o olhar para nós próprios, que nos instruiu na contemplação da nossa condição de portugueses e no exercício do reflectir sobre a Nação lusa, constatamos que de acordo com os critérios editoriais dominantes nos espaços televisivos dos nossos canais de notícias é atribuída maior relevância noticiosa à morte trágica de uma jovem por ser filha de um cantador popular do que ao óbito do pensador. Um dos canais, a cmtv, chegou ao cúmulo do despropósito de alterar toda a sua programação, exibindo a morte trágica como entretenimento!
O insuportável despautério representa o assassinato do Jornalismo ao mesmo tempo que corrói a mentalidade individual e colectiva, baixando-lhe o nível. Coisas que, não se duvide, seriamente auxiliam a germinação de fenómenos como aquele a que tenho vindo a chamar indecência americana – o espectáculo de decomposição da sociedade estadunidense assolada por vagas trumpistas e outras semelhantes formas de obscenidade.
Eis a razão pela qual não se pode encolher ombros e deixar que o despautério se instale como hábito. Remetermo-nos a um silêncio cúmplice e cobarde, como muitos fazem, aceitando o inaceitável, é abrir via rápida para a catástrofe existencial: a revitalização e triunfo da barbárie.
Por ser evidente para qualquer pessoa de bem, dispenso-me de explicar que não está aqui em causa nenhuma hierarquização de sentimentos, de comoções, e muito menos de seres humanos e de mortes de seres humanos. Em causa está sim a semeadura de confusão de valores na esfera da hierarquização mediática de um legado público de dimensão nacional.
Não se pode tolerar que a televisão seja o que Eduardo Loureço disse ser. Descreveu-a assim:
«A televisão é um instrumento permanente do divertissement. […] É uma cultura do esquecimento e uma criação do esquecimento sobre o esquecimento».
João Maria de Freitas Branco
Caxias, 8 de Dezembro de 2020
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