Como já referi em outro texto aqui publicado, Eugénio Lisboa abandonou o JL por achar que o director do jornal lhe endereçou algumas “farpas” no editorial, ou artigo introdutório da edição especial do JL inteiramente dedicada a Eduardo Lourenço, publicada no passado dia 16, no seguimento do seu falecimento no início de corrente mês.
Só li os artigos que estão na base da desavença depois de ter tomado conhecimento da carta de Eugénio Lisboa. Mesmo estando alertado pela epístola, devo dizer que não consegui encontrar no editorial nenhuma evidência desse ataque “enviesado”; as ditas farpas, a existirem, estão, ao que me parece, bem disfarçadas e, provavelmente, só serão notadas e sentidas por quem esteja mais por dentro da edição em causa.
Porém, não tenho a mínima dúvida de que José Carlos Vasconcelos discorda, e muito, do conteúdo crítico do artigo de Eugénio Lisboa. Tal não é o meu caso. Bem pelo contrário. Concordo desde logo com a atitude do articulista. Homenagem não é sermão laudatório. O melhor e mais nobre gesto de homenagem não deve apresentar-se na praça pública despido de espírito crítico. Tal desprovimento conduz lestamente ao discurso panegírico, encomiástico, que quase sempre mais concorre para diminuir o visado do que para o engrandecer, provocando efeito contrário ao pretendido. Aristóteles engrandece Platão através da crítica; Galileu engrandece Aristóteles pela mesma via.
Mas para além da concordância com a atitude, revejo-me no conteúdo crítico. Sintoniza ele, no essencial, com o que desde há muito penso sobre o estilo do ensaísmo literário de Eduardo Lourenço. Para que melhor se perceba, tomo a liberdade de trazer para este espaço público parte de um meu escrito privado: uma missiva ontem endereçada a um Amigo depois de ter lido os textos de Eugénio Lisboa e José Carlos Vasconcelos, mas que, no que toca aos parágrafos que passo a citar, bem podia ser dirigida a qualquer outra pessoa interessada por estes assuntos da Cultura. Por isso, aqui vai:
«[…] Devias ler o artigo do Eugénio Lisboa sobre o Eduardo Loureço, causador do desentendimento com o José Carlos Vasconcelos. É a primeira vez que vejo publicada a minha própria opinião crítica. Como sabes, conheci pessoalmente o Eduardo Lourenço e os contactos que mantive com ele foram de grande cordialidade. Uma pessoa em cuja companhia sempre me senti bem e que era verdadeiramente estimável. Outra coisa é o seu estilo ensaístico. Simpatizo com o homem mas não com a sua prosa ensaística. Esta não é nem nunca foi do meu agrado. Não é uma prosa escorreita, límpida, imediatamente servidora da clareza da ideação. Demasiados artificialismos barrocos que acabam por obscurecer a ideia, por dificultar a compreensão do pensamento. Além disso, também, a meu ver, lhe falta nervo no verbo – essa essencial qualidade que encontramos em abundância nos escritos do Oliveira Martins, nos textos em prosa do Antero de Quental, no ensaísmo filosófico do António Sérgio – e já nem falo do Eça cronista. O Eugénio Lisboa dá como exemplo contrastante o Régio, o Sérgio e o Sílvio Lima. Concordo totalmente com o artigo dele e não tenho dúvida de que o José Carlos Vasconcelos discorda fortemente do que é dito. Não preciso de lhe perguntar, conheço a sua opinião.
Também a mim me inquieta o modo "unanimista e incontinente da homenagem que se tem andado a fazer e que deixa muito a desejar, quando se vise um escrutínio sereno, objectivo e inteligente, que a obra de Eduardo Lourenço requer e merece" (E.Lisboa: “Somos o passado de amanhã”, JL, Edição Especial de 16/12/2020, p.34).»
Espero, como amigo de ambos, do José Carlos e do Eugénio, que se supere o desentendimento e que todos possamos continuar a conviver com as enriquecedoras colaborações do Eugénio Lisboa nas páginas do JL.
João Maria de Freitas Branco
Caxias, 20 de Dezembro de 2020
os primeiros textos de Eduardo Lourenço que remontam ao final da década de 40. Falamos de Heterodoxia I, célebre conjunto de ensaios publicado em Coimbra. A esta obra de 1949, que o autor avalia modestamente, chamou Eugénio Lisboa «(...) um dos mais elevados, nobres e perturbantes discursos ensaísticos de toda a nossa história literária»10
ResponderEliminar10 Eugénio Lisboa, «Uma lucidez apaixonada», Prelo, Sobre Eduardo Lourenço, Número Especial, Revista da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, Maio de 1984. p.23.
Eugénio Lisboa a trabalhar para as condecorações.
«Eu não vejo o Eduardo Lourenço como um grande ensaísta, de maneira nenhuma.» [Eugénio Lisboa - Entrevista - O Plano Nacional de Leitura]
Eliminarhttps://pnl2027.gov.pt/np4/entreler_1?cat=entrevista_1
Em Maio de 1984 via no Eduardo Lourenço outra coisa, haja vergonha!
Não concorda, Sr. João Maria de Freitas Branco?
Abel Salazar sobre António Sérgio, disse ser este um "homem destituido de escrupulos" por lhe ter indicado a leitura da nota do Vol. III dos Ensaios, e com estupefacção, foi encontrar textos alheios ao Sr. Sérgio.
ResponderEliminar"Um desses textos é precisamente de Carnap, copiado directa ou indirectamente do primeiro fascículo do Erkenntnis.
De resto, o que foi copiado não é texto original mas um resumo em que Carnap condensa a lógica das relações, precisamente o mesmo que foi traduzido em frạncês e publicado na Actualités.
Quer dizer, o Sr. Sérgio apresenta-nos como sua, na referida nota, a teoria lógica das relacções, que tem mais de 60 anos de existência.
Como é que o Sr. Sérgio, nestas condições, foi ele próprio chamar a minha atenção para tal nota?
(...) Que tal bluff exista e que um país o aceite, eis o que me enche de inquietação - e ao mesmo tempo de revolta. " (sic).
A inquietação e a revolta de Abel Salazar, é hoje a minha ao ver o Sr. João Maria de Freitas Branco escrever que Eugénio Lisboa "faz parte da nossa melhor paisagem intelectual".
Eugénio Lisboa fará parte de uma qualquer paisagem intelectual, - mas de uma paisagem mediocre -, que não é aquela onde estão os grandes homens que fazem frente ao obscurantismo.
Homens como Bento de Jesus Caraça, e o amigo Luís de Freitas Branco e tambem Abel Salazar são de outro campo intelectual, de outra paisagem intelectual mais nobre e justa, onde não há lugar para os processos repugnantes dos Eugénios, por estes lhes serem moralmente incompativéis.
Nenhum ódio me move contra este senhor.
O que me enoja é o lugar de destaque que se dá aos mediocres e oportunistas neste país, e o silêncio que se impõe aos homens que deveriam representar os melhores valores, de integridade e verticalidade no caractér, porque um futuro justo e fraterno assenta neles.