A renúncia papal parece ter tido já o indiscutível mérito de
tornar visível para o grande público o que é a realidade interna do Vaticano:
um ninho de víboras, um campo de batalha pelo poder em que a mais
desavergonhada imoralidade prolifera livremente. A cada dia que passa, vamos
percebendo de forma clara quais foram as verdadeiras causas do acto de
resignação. O correspondente do El País em Roma, o jornalista Miguel Mora,
escreveu o seguinte: «Os lobos ganharam a partida»; Bento XVI resolveu partir
«antes de ser devorado pelos abutres». Pudera, ninguém duvidará que o cardeal Joseph
Ratzinger, até bem antes de se ter tornado Papa, já conhecia de ginjeira a vasta
e truculenta história de mortes misteriosas e assassinatos de Pontífices. O
caso de Albino Luciani, Papa por um mês com o título de João Paulo I e cujos discursos
pontifícios estranhamente (ou talvez compreensivelmente) não se encontram à
venda na livraria do Vaticano (como pude comprovar in loco), está ainda bem
presente na memória das pessoas informadas. Como alguém escreveu, «muito longe
do céu e muito perto dos pecados terrestres» o Vaticano é «um ninho de hienas
enlouquecidas» lutando pelo poder, pela defesa de privilégios. Na cúria não se
olha a meios para atingir os inconfessáveis fins. Foi esse oceano de imoralidade,
de corrupção, de ódios, de traições, de crimes financeiros, e sei lá que mais,
foi isso que Bento XVI acabou por descobrir completamente, através de um
comunicado elaborado por um grupo de cardeais, ao regressar a Roma depois da
viagem ao México e a Cuba.
A toda esta montanha de imoralidades, ao desavergonhado apego
aos bens materiais e ao poder temporal em total detrimento da apregoada
espiritualidade cristã, junta-se um asfixiante conservadorismo reaccionário de
que Bento XVI foi o último lídimo representante no seio da Igreja católica. A
condenação das teologias da libertação paralelamente à revogação da excomunhão
dos arcebispos fascistas lefebvrianos, que recusam o Concílio Vaticano II; a
classificação da manipulação genética e outros trabalhos de investigação
científica como sendo um dos sete pecados capitais; a descriminação da mulher; a
perseguição dos homossexuais; a ameaça de excomunhão endereçada aos políticos defensores
da legalização do aborto e a excomunhão de jovens violadas que decidiram
praticar o aborto, quando não consta que nenhum dos responsáveis por Auschwitz
tenha alguma vez sido excomungado. Enfim, é melhor ficarmos por aqui pois a indecorosa
lista de obscurantismos vergonhosos é demasiado longa. As intrigas, as
negociatas, os comportamentos mafiosos envolvendo o Banco do Vaticano, o apego
ao poder temporal, etc. etc. sugerem fortemente que haja prelados da Igreja, no
próprio topo da hierarquia, que afinal não são nada cristãos. Talvez não falte
quem um dia se lembre de dizer que eles são assim, homens maus, por serem bispos
ateus. Como se calculará, não me desagrada a eventualidade de se terem “convertido”
ao ateísmo; o que me indispõe é serem desonestos, corruptos, criminosos,
mafiosos, sejam crentes ou não crentes disfarçados de cardeais. Uma coisa
parece ser exuberantemente evidente quando hoje se observa o que se passa no
Vaticano (e já deixando de olhar para o passado): a religião não faz com que as
pessoas se comportem melhor; não lhes confere superioridade moral. O mesmo vale
para o ateísmo.
Entretanto, cá na nossa terrinha todos os dias aparecem uns
patetas sorridentes, beatos empedernidos, que alegremente proclamam que a Igreja
não está em crise, que está plena de saúde. Caramba! São tão sectariamente
patetas que até nem percebem ser o próprio Papa que dizem adorar quem está a
denunciar a vergonha da corrupção nos corredores do Vaticano? No último
programa televisivo “Prós e Contras” (que quando se trata de discutir a Igreja
mais é um “Prós e Prós” pago por nós), tivemos paradigmáticos momentos de
exibição desse patetismo sorridente por vezes agravado de hipocrisia reaccionária,
como quando um dos intervenientes, conhecida figura pública ligada ao Opus Dei,
se permitiu gozar com o indigno tratamento dado à mulher no interior da Igreja.
«A Igreja está cheia de mulheres que participam na vida religiosa e não se
calam»,foi mais ou menos isto o que disse o dito Sr. Mas nem Fátima Campos
Ferreira nem nenhum outro interveniente no programa soube confronta-lo com a
pergunta: quantas mulheres vão participar no próximo conclave para a eleição do
sumo Pontífice? Quantas mulheres ocupam lugares de poder na cúpula do governo
do Estado do Vaticano? Quantos católicos, mulheres e homens, estariam dispostos
a aceitar a implementação no Estado português das regras vigentes no Estado do
Vaticano? Que se diria se em Portugal as mulheres passassem a estar impedidas
de votar, de serem eleitas para a Assembleia da República, ou de ocuparem o
lugar de Primeiro-Ministro e Presidente da República? Qual a noção vaticanista
de Democracia? O Espírito Santo é antidemocrata?
Espantoso é ver como em todos estes debates que se têm
multiplicado nos últimos dias, cada vez mais acesos, nem mesmo os católicos
mais fervorosos aparecem a falar da função da “vontade de Deus”? Afinal que faz
deus no meio disto tudo? O Espírito Santo inspirou os eleitores de Bento XVI e
agora fica impávido perante a derrota do seu escolhido/protegido na luta contra
a corrupção, o crime, a imoralidade na sede da sua própria santa Igreja? Como
pode, na óptica de um crente católico, ser tão fraquinha a “vontade de Deus”?
Será que afinal o falecido Christopher Hitchens tinha razão e God is not great?
Será que a Fé dos crentes no absoluto poder divino, a tal omnipotência divina,
é, ao cabo de contas, tão nula como a minha, a de um humilde racionalista laico.
Mas que completo despautério!
Texto publicado no Blog RAZÃO – razaojmfb.blogspot.pt
Até dói de ouvir e ver!
ResponderEliminarÉ uma verdadeira romagem dos agravados. Por ali desfilam...Um calvário!
Não se pode mais...que atraso! Bolas!
E como elogiam o Homem que viveu e dirigiu a igreja em conjunto com as maléficas personagens. Parece ser à saída que verifica ter dirigido a Casa do Mal....dizem alguns...