Deploráveis as recentes afirmações dos jovens músicos que compõem o grupo Deolinda. Refiro-me às declarações públicas sobre os efeitos políticos da sua cantiga “Parva que sou”. Numa entrevista concedida à SIC-Notícias, que ontem vi e ouvi, procuram os autores demarcar-se de toda e qualquer intencionalidade política.
-- Aproveitaram-se da nossa canção – diz um deles com ar amedrontado; e logo acrescenta:
-- Nós só queremos fazer música; e música é música, é uma forma de entretenimento; serve para passar bem o tempo e não é para fazer política.
Que imbecilidade! Uma das coisas que caracteriza a autêntica obra de arte, musical ou outra, é exactamente o não ser banal e simples entretenimento. Que pensará então este mancebo, que se apresenta como músico profissional, da Heróica ou da Sinfonia Coral do Beethoven? Ou do mozartiano “Viva la libertà” do Don Giovanni? Ou do “Va, pensiero…” do Verdi? Que dirá ele da música de um Shostakovitch, de um Viktor Ullmann ou de um Luigi Nono? Pensará que tudo isso não passa de puro entretenimento? Estará convencido que criações musicais como Intolleranza ou The Suspended Song, do Nono (baseada, esta última, em cartas de vítimas dos campos de concentração nazis), por serem obras musicais, foram compostas com a finalidade de entreter os que as escutarem? E, para não ser acusado de só dar exemplos da esfera erudita, interrogo-me também sobre que opinião terão os Deolinda da música popular de intervenção que marcou a sociedade portuguesa nas décadas de 1960 e 70?
Na ausência do saudoso Zeca Afonso, bem podia o Zé Mário Branco dar-lhes uns açoites bem assentes, explicando-lhes a história da cantiga poder ser uma arma. Os pobres autores de “Parva que sou” também fazem figura de parvos por parecer não terem percebido ainda quantas vantagens podem advir desse involuntário efeito político. Vantagens que, segundo me parece, no caso concreto da cantiga em questão, dificilmente poderiam colher por via de atributos exclusivamente artísticos. Talvez percebam quando forem cobrados os direitos de autor. Para já, conseguiram fazer figura de idiotas, lançando, sobre si próprios, opinião idiota, prejudicial à sua imagem.
quarta-feira, 2 de março de 2011
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Caro João. Eu, bem pelo contrário, achei que eles estiveram muito bem e com muito nível. Eles afirmam que a música é política, apenas se afastam das questões partidárias e dos abusos que a música tem sido alvo. Ainda ontem frisaram isso num outro programa da RTP2. Acho que a posição deles é de louvar e a imagem só saiu fortalecida. Penso que não percebeu ou não quis perceber a mensagem que passaram. Não os tinha em grande conta como banda, mas gostei muito da forma inteligente como abordaram a questão.
ResponderEliminarQuerido Tio João
ResponderEliminarApesar de serem familiarmente conhecidas as nossas divergências políticas, quero-lhe dar parabéns pela abordagem a esta questão.
Como sempre, exemplarmente redigida, igual a si próprio, fiel ao seu pensamento e conduta. É por isso com muito orgulho que escrevo "Querido Tio João".
Depois tenho que concordar também com a Inês Matos, já que, de facto, os Deolinda apenas cumpriram o que lhes foi ordenado pelas redes socialistas dos corredores do partido do Sócrates.
Menos dada à esfera erudita, recordo apenas o que se passou com a maior banda nacional, os Xutos, que lançaram "Sem eira nem beira" - http://www.youtube.com/watch?v=zz9C0xaLTxE - e, como a música serve para expressar sentimentos, políticos ou outros, mas, recordando tempos passados, o lápis azul continua a funcionar, a mesma pouco passou nas rádios e televisões nacionais. E até mesmo na Internet se torna difícil encontrar a versão não censurada.
Enfim, cenas passadas num país governado por socialistas. Ou melhor, cenas passadas num país desgovernado por quem se diz socialista.
Um beijo,
Prezada leitora Inês Matos,
ResponderEliminarObrigado pelo comentário.
Como começo por afirmar, o meu juízo baseia-se unicamente no que ouvi ontem na SIC-N, e que transcrevi de memória. Não acompanhei o programa que refere, na RTP-2. Se foi outra a atitude, fico muito satisfeito. É o que espero desses jovens músicos. Admito poder ter incorrido em juízo injusto por me estar a basear numa parte da intervenção televisiva, resultante da montagem feita pelos editores da SIC-N. Não pense é que eu não quis perceber.O que ouvi era claro e corresponde ao que transcrevi; mas pode ter sido descontextualizado.
Paula, minha querida Sobrinha,
ResponderEliminarQue bom ver-te por aqui como minha dedicada leitora. Obrigado pelas simpáticas palavras. Desconhecia esse caso de censura, embora não me espante. Obrigado também por essa informação.
Um beijo repenicado.
Caro João,
ResponderEliminarSou uma leitora assídua do seu blog, com o qual concordo a maior parte das vezes.
Também eu assisti à entrevista dos “Deolinda” na SIC e percebe-se perfeitamente que ficaram em pânico com o, digamos assim, “aproveitamento” que foi feito da canção que escreveram. Ficaram em pânico porque hoje, ao contrário de outros tempos, em que os cantores chamados de intervenção como o Zeca, o Adriano, o Sérgio Godinho, o José Mário Branco e tantos outros, assumiam nas suas canções a luta pela liberdade e o derrube do fascismo, os Deolinda como os demais que por aí andam a cantarolar, têm medo de assumir seja o que for. Por outro lado, não há fascismo para derrubar, nem liberdade para conquistar, pois que a liberdade que existe é suficiente para estes jovens que se sentem “à rasca”. Estão “à rasca” mas pouco fazem para mudar. Está tudo adormecido.
Ao fim e ao cabo os Deolinda abanaram um pouquinho a cama mas até foi sem querer.