DESLUMBRANTE
E
MARAVILHOSAMENTE BELO
E
MARAVILHOSAMENTE BELO
Haverá na língua de Camões, ou em qualquer outra,
adjectivação suficientemente expressiva para se adequar ao acontecimento que
inscreve este dia 11 de Fevereiro de 2016 na história da ciência? Talvez não
haja. Na dúvida, para titular o que agora aqui escrevo, arrisquei o uso do
adjectivo “deslumbrante” acrescido de outra forma adjectivante adverbialmente
realçada.
No momento em que festejamos o centenário da Relatividade
geral não podia haver melhor presente de aniversário nem superior forma de
homenagem do que a notícia acabada de ser anunciada ao mundo pelo Laser Interferometer Gravitational-Wave
Observatory, uma colaboração científica internacional mais conhecida pela
sigla LIGO. «Conseguimos!!» Foi com esta triunfante exclamativa ,bem temperada
com rasgados sorrisos que o cientista David Reitze, do Caltech, deu a conhecer ao mundo que tinham sido detectadas pela
primeira vez as ondas gravitacionais que há cem anos Albert Einstein afirmara
existirem, mas que até agora nunca tinham sido observadas, fazendo com que a
teorização einsteiniana permanecesse carenciada de prova experimental.
Um cidadão anónimo desabafava há instantes no site de um órgão de comunicação social
dizendo mais ou menos isto: se nem uma
notícia como esta afasta os comentários idiotas, acho que não existe esperança
para a nossa espécie. Compreendo a angústia perante a indigência
intelectual da habitual chuva de comentos nos sites dos jornais, nas redes sociais ou pelas ruas e praças das
nossas urbes. É facto notório estar a nossa existência quotidiana repleta de
manifestações dessa indigência, e escasso tempo antes de receber a
extraordinária notícia suportei eu próprio a estupidez, a tacanhez, a
imbecilidade exibidas por um sujeito sentado bem diante de mim durante fastidiosa
reunião de trabalho. Mas mesmo assim não consigo concordar com o pessimismo
expresso pelo anónimo cidadão que citei. Pode ser excesso de optimismo da minha
parte, mas é a própria notícia que o inspira, que o promove. Vejamos: não foi
mente humana a que teorizou as ondas gravitacionais agora detectadas? Não é
isso algo de absolutamente extraordinário? Como pôde um ser humano, na solidão
do seu gabinete de trabalho, diante de umas folhas de papel, com uma simples caneta
na mão, sem possuir nenhum dado empírico que sugerisse a hipótese do fenómeno e
sem qualquer outro tipo de indícios, como pôde esse ser humano, fazendo uso das
suas capacidades mentais chegar a conclusão científica tão sumptuosa, tão esplêndida
e tão bela? Bela não apenas na descrição visionária mas também no seu rígido enunciado
matemático. Como é isso possível? Como é possível uma tão assombrosa realização
mental?
Podemos, em rigor,
ainda não saber o “como”. Contornamos a dificuldade socorrendo-nos amiúde de
termos pouco precisos, de difícil definição, como sejam “génio”, “genialidade”,
“talento”. Porém, acabámos de saber que foi possível. É deslumbrante! E bem
real! Um ser humano, invulgar, muitíssimo singular, é certo, mas ainda assim
humano (até prova em contrário), logrou construir uma visão teórica, conseguiu,
no mais puro espaço da abstracção imaginativa racional, arquitectar a
teorização de umas ondas gravitacionais que agora, decorrida toda uma centúria,
pudemos finalmente observar no universo físico.
O mais abstracto discurso era afinal o mais real. Espantoso
paradoxo: quanto mais se afastava da realidade empírica, mais o bom Albert se aproximava
da compreensão da realidade física, da verdade do real. Aproximava-se
afastando-se. Devia isto servir de definitiva lição para todos aqueles que perseveram
na imbecilidade da desconsideração pelo esforço teorético, pelo valor da criação
teorizadora.
Perante a evidência experimental hoje anunciada, demonstrativa
de que a mente do homo sapiens Albert
Einstein, bem como a inteligência e a imaginação que dela generosamente brotavam,
foi capaz de tão grande feito, parece-me difícil não experimentar algum
optimismo e não depositar alguma esperança na nossa espécie – pelo menos em
alguns dos seres que a compõem.
Mas há mais. Mais alimento para essa confiança na mente
humana e na inteligência que ela pode transportar. É que o agora noticiado é
fruto de um admirável e pasmoso trabalho científico-tecnológico colectivo que
permitiu à civilização humana dispor a partir deste momento dos meios técnicos
que permitem detectar uma deformação do espaço-tempo com a dimensão de um milésimo
do diâmetro de um protão! Foi o homo
sapiens que concebeu e construiu os instrumentos hipersofisticados capazes
de observar o que parecia ser inobservável. Note-se ainda que essa
incrivelmente ténue deformação é o efeito de um acontecimento (a junção de dois
buracos negros) que ocorreu a uma distância imensa de nós, num longínquo ponto
do universo, há um bilião de anos, ou seja, muito tempo antes da origem da
nossa espécie.
Foi a reunião deste incrível aparato tecnológico com as
admiráveis equações de Einstein, com toda a sua dimensão filosófica e estética,
que permitiu a histórica observação experimental acabada de anunciar. Portentosa
notícia!
Enche-me de alegria o facto de este acontecimento ter
ocorrido durante o meu tempo de vida e espero que o despretensioso escritinho que
agora aqui vos deixo possa concorrer para que outros fruam com mais intensidade
este histórico êxito científico inaugurador de uma nova Astronomia.
João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 11 de Fevereiro de 2016
Caxias, 11 de Fevereiro de 2016
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