Sempre fui um crítico opositor do pensamento por
compartimentos estanques. Por isso, na nota de hoje quero recomendar uma obra,
acabadinha de chegar aos escaparates das livrarias, e que é exemplo da negação
dessa persistente tendência para a arrumação em compartimentos estanques.
Continua a imperar a ideia de que ciência e emoções se excluem mutuamente, e
que o romantismo, enquanto movimento cultural enaltecedor do ideal de
subjectividade, é coisa absolutamente contrária, oposta, à Ciência, à
objectividade científica. Ora, a obra que vos quero recomendar, da autoria de
Richard Holmes, premiada pela Royal Society, e intitulada “A Era do
Deslumbramento”, parte da noção de espanto para demonstrar a existência
(e cito) de «uma ciência romântica, do mesmo modo que existe uma poesia
romântica». Numa prosa atraente, o autor faz uma espécie de romance biográfico da
ciência realizada entre a chegada do botânico Joseph Banks ao Taiti, em 1769
(integrado na expedição de James Cook), e a célebre viagem de Darwin a bordo do
Beagle, iniciada em 1831. No centro da narrativa está também a sedutora figura
do músico astrónomo William (ou Wilhelm) Herschel, bem como as primeiras
experiências de voo, com balões (o balonismo, os “globos aéreos”, como então se
dizia).
Felicito a Gradiva por mais esta feliz iniciativa editorial
que é também um gesto corajoso, dado não ser fácil em tempos de crise lançar no
acanhado mercado português uma obra com cerca de 700 páginas e bastante
iconografia.
Como o trabalho científico de William Herschel inspirou o
compositor Joseph Haydn, deixo-vos ao som da oratória “A Criação” (Die Schöpfung). Sugestão musical para
acompanhar a leitura proposta.
[TSF, 1 de Outubro de 2015]
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