João Maria de
Freitas-Branco
SAMPAIO DA NÓVOA: o
Candidato, o PS e as Eleições
-- uma reflexão breve
sobre o momento político --
Como é do conhecimento público,
sou, desde a primeira hora, apoiante da candidatura de António Sampaio da Nóvoa
– um apoiante activo, militantemente envolvido na campanha e membro da Comissão
Nacional de Candidatura. Isso em nada me impede de reconhecer a inteligência
crítica presente em algumas intervenções públicas, como, por exemplo, no sério
comentário do meu amigo e grande activista Henrique Sousa, assim como opiniões
como a hoje expressa na manchete do jornal PÚBLICO (edição de 7/8/15). Reacção
talvez causada por uma forma de dizer, usada, nomeadamente, na muito citada
entrevista radiofónica de António Sampaio da Nóvoa no programa Terça à Noite, da Rádio Renascença, que
pode ter dado a entender algo que não corresponde de facto ao sentimento
político do candidato a Presidente da República que merece o meu franco apoio.
Num singelo esforço de esclarecimento, estou em condições de afirmar aqui,
peremptoriamente, e uma vez mais, que a candidatura de Sampaio da Nóvoa
germinou em terreno exterior ao espaço político-partidário e continuará sempre
a desenvolver-se nesse espaço; ou seja, é uma candidatura independente dos
partidos e nunca deixará de o ser. Mas não é uma candidatura contra os partidos
nem hostil a um partido como aquele que foi referido na entrevista do programa
da Rádio Renascença, gerando alguma controvérsia. Os próximos actos eleitorais
que vão ter lugar na nossa violentada Pátria, legislativas e presidenciais, são
os mais importantes da história da Democracia de Abril, da nossa 2ª República.
Penso até que em conjugação com a intervenção austeritária – as políticas imorais
impostas pela Troika e pelo subserviente governo PSD/CDS – as próximas eleições
(legislativas e presidenciais) irão constituir um marco histórico, perfilando-se
como momento fundador da 3ª República portuguesa ou de uma nova época não
democrática. Estamos a viver uma fase decisiva, depois do golpe de estado
perpetrado pelo Eurogrupo na Grécia e após a estruturação da Ditadura
financeira na ainda chamada União Europeia, sob a batuta do meu bem conhecido
Wolfgang Schäuble, no passado dia 12 (ou 13) de Julho. A suspensão da
Democracia na Europa impõe nova e enérgica táctica política por parte das
forças de esquerda. A Ditadura financeira obriga a uma mudança no plano da
acção prática interventiva. É urgente repensar o modo de actuar a partir da
esquerda.
Ao contrário do que tem sido
afirmado por muitos comentadores, o processo eleitoral para a Presidência da
República está a ser politicamente muito mais relevante do que a campanha para
as legislativas, porque tem transportado consigo mais novidade, mais elementos
de ruptura, mais densidade de ideias, mais qualidade problematizadora, maior
elevação cultural, intelectual e moral. Isso deve-se principalmente à qualidade
humana e ao perfil de pessoas como António Sampaio da Nóvoa ou Henrique Neto (os
dois principais candidatos reais ou efectivos, não putativos) que contrastam
com a imagem do político kitsch que para
desgraça nossa e do país tem dominado a ribalta da cena política nacional e
europeia nestes últimos anos – deficientes morais, gente tão incrivelmente
menor como aqueles ministros que compram cursos em universidades de duvidosa
reputação ou os altos responsáveis da União Europeia que apresentam teses
universitárias plagiadas para celeremente adquirirem títulos académicos e
currículo. Expurgar a vida política desse kitsch,
varrer esse lixo imoral que a cada instante nos insulta, nos agride, nos
revolta, nos indigna e escandaliza é absoluto imperativo da acção cívica que
engloba os dois processos eleitorais em curso no nosso espaço pátrio – mas também
em outros torrões do velho continente. O poder, cá e em demasiados cantos da
Europa, não pode permanecer na mão de gente que apequena, de seres que são agentes
da mentira, da indecência, da menoridade. A mentira (velha e profunda questão
filosófica) é um problema central da vida sociopolítica do nosso mundo
hodierno. Indicador claro daquilo que não me canso de gritar: o grande problema
do mundo contemporâneo é de natureza Cultural. E o que acima de tudo está em
causa é uma escolha entre o que apequena e o que engrandece, entre o que nos
puxa para cima e o que nos empurra para baixo, entre Verdade e Mentira (o kitsch), entre a Liberdade servidora da
Vida e a Dependência servente da Morte, sendo esta (a dependência mortífera) o
que nos amarra ao medo, à estupidez e à menoridade de que Kant nos falou, e
aquela o oposto disto, como nos explicou um outro filósofo de igual calibre
mental, mas com costela lusitana, chamado Bento Espinosa. É isto que verdadeiramente
está em jogo. Não se deixem ir na cantiga matraqueada do deficit económico-financeiro; o deficit
que verdadeiramente importa é o de Elevação. Questão de Cultura e não de
finanças. O voto em António Sampaio da Nóvoa é um voto que concorre para a
superação desse deficit essencial.
Discordo em absoluto da tese que
volta a ser reafirmada na edição de hoje do jornal PÚBLICO, num extenso
trabalho jornalístico não assinado, deixando supor que é a posição da direcção
editorial desse periódico de referência no quadro da nossa comunicação social.
A dita tese, subscrita por muitos comentadores, por fazedores de opinião e até
por membros da própria candidatura de Nóvoa, pode enunciar-se nos seguintes
termos: só pode ganhar uma eleição presidencial quem tiver o apoio de um grande
partido político representativo da tradição do regime; assim sendo, dada a tese
como demonstrada, Sampaio da Nóvoa jamais será Presidente da República se não
contar com o apoio do PS. Quem advoga esta visão parece-me não estar a
percepcionar a quantidade de mudança que está a ocorrer no universo político e
na generalidade das sociedades europeias. Os partidos tradicionais são
realidades cada vez mais tóxicas. Eleitoralmente tóxicas. As próximas eleições
presidenciais representam uma mudança profunda, aliás já sinalizada em eleições
anteriores (os casos Nobre e Alegre, na primeira candidatura, foram os
primeiros sintomas nítidos). Que mudança é essa? Em que consiste? No seguinte:
a emergência da figura do candidato independente como elemento visivelmente dominante.
Dito de forma mais prosaica, é o fim ou a decadência do cozinhado partidário de
candidatos, da panela condimentada, bem temperada e aquentada, com maior ou
menor brandura, num qualquer largo, seja o do Rato ou outro. Até o putativo
candidato Marcelo Rebelo de Sousa é, no fundamental, uma figura que se
apresenta como sendo independente, mesmo sabendo-se da sua filiação e mesmo que
venha, ou viesse, a ser formalmente apoiado pelo PSD e pelo CDS. Na realidade,
ele é olhado pelo eleitor como candidato não partidário e, se calhar, pelas
características idiossincráticas do ser humano em questão, até será sujeito não
partidarizável, ou seja, impossível de
partidarizar. Causa maior do evidente distanciamento que as actuais direcções
partidárias direitistas têm cultivado com abundância em relação ao Professor. O
clássico horror ao vazio não afecta os partidos, mas o horror à imprevisibilidade
e à indocilidade é-lhes endógeno.
Para além do que acabo de
afirmar, seja-me permitido alertar para o facto de a enunciada tese estar carenciada
de autêntica demonstração, racionalmente fundada. Nisso reside o primeiro
motivo da minha discórdia ou, no mínimo, da minha forte desconfiança em relação
à sua efectiva validade. Seja-me permitido recordar que Manuel Alegre obteve
melhor resultado eleitoral quando se candidatou sem apoios partidários do que
quando contou com o apoio expresso de dois partidos com assento parlamentar (PS
e BE). Agora, após todos estes anos em que o inquilino do Palácio presidencial
foi um servo da indecente governação austeritária, é natural e bem provável que
o cidadão eleitor tenha ainda maior apetite de independência. Além do mais, e
não menos relevante, na minha óptica, é o facto de qualquer candidato honesto
sentir o imperativo inadiável de reconquistar a participação cidadã, fazendo de
cada adulto português um autêntico cidadão praticante, como gosto de dizer. Por
outras palavras: qualquer candidato que, como António Sampaio da Nóvoa, se
distinga pela sua seriedade, deseja trabalhar incansavelmente para trazer de
volta à vida política, à acção cívica interventiva e consequente, todos aqueles
milhões de cidadãos abstencionistas que nas últimas presidenciais constituíram
a maioria absoluta (52%!). Esse esforço, que é obrigação ética do candidato, ao
que tudo indica não tem muito a ganhar com a proximidade de coisas que não expedem
confiança. Partidos, como o PS, que têm frequentado os corredores do poder nas
últimas décadas incluem-se nesse grupo de coisas.
Infelizmente. Daí que a independência seja um factor de higiene muitíssimo
aconselhável, para já não dizer desejável. E é com independência que
«precisamos de construir a participação de todos na vida pública» como, por
feliz coincidência, acabou de dizer o meu candidato, António Nóvoa, em intervenção
pública feita enquanto eu já estava entregue a este labor de escrita.
Também não vejo que haja motivo
para as ansiedades referidas na análise jornalística hoje publicada, quando no
próprio texto opinativo se dá a conhecer que no interior da direcção do Partido
Socialista há significativo número de indivíduos defensores de um apoio oculto
à candidatura de Rui Rio (!). Terá um candidato assumidamente de esquerda que
se preocupar com o apoio de gente de direita que por equívoco ou oportunismo
persiste em estar inscrito num partido que ostenta no nome o vínculo ao
Socialismo? Para entender estas desavergonhadas contradições, para perceber o escandaloso silêncio do SPD perante a prática antidemocrática
de Schäuble, o decaimento dos partidos socialistas/sociais-democratas/trabalhistas,
ou a falta de nervo do PS cá da casa, deploravelmente ancorado na inacção
perante gestos democraticamente inadmissíveis como o do Sr. Martin Schulz na
véspera do referendo na Grécia, se quiserem perceber o que se passou e nos
conduziu a este lamentável estado de empobrecimento (cultural, moral, político,
intelectual, económico), recomendo que vejam o magnífico filme-documentário “O
espírito de 45”, realizado por Ken Loach e posto ontem à venda no mercado
português (edição em DVD).
Espero que a candidatura de
António Sampaio da Nóvoa possa contribuir para puxar para o terreno da
verdadeira alternativa política ao austeritarismo antidemocrático um partido
como o PS, com a importância que inegavelmente tem na nossa sociedade. Cabe aos
partidos que se opõem à actual política governamental, ao austeritarismo
imoral, decidirem livremente quem são os candidatos que desejam apoiar nas
eleições presidenciais. O candidato António Sampaio da Nóvoa nunca irá bater à
porta de nenhum partido com um pedido de apoio. A independência é e será sempre
um pilar essencial desta candidatura.
«Eu nunca, em momento nenhum, fiz
apelos ou desafios a quem quer que seja, ao partido, seja qual for, para que se
pronuncie ou deixe de se pronunciar. Eu respeito o tempo dos partidos, têm a
sua lógica própria, as suas estratégias, as suas dinâmicas",
António Sampaio da Nóvoa, declaração
proferida em Tomar, no passado mês de Julho.
João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 7 de Agosto de 2015
Duas perguntas, sem nenhum comentário:
ResponderEliminar1ª - Com a sua afirmação "Espero que a candidatura de António Sampaio da Nóvoa possa contribuir para puxar para o terreno da verdadeira alternativa política ao austeritarismo antidemocrático um partido como o PS, com a importância que inegavelmente tem na nossa sociedade." não está a destruir toda a tese que queria construír?
2ª - Até pela importância que reconhece ao PS, a eleição de Cavaco Silva (logo à primeira volta) não se deve (fundamentalmente) à divisão do seu eleitorado?
Subscrevo inteiramente.
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