Outro efeito Syriza de
desmascaramento, se bem observo, incide sobre o sofisticado sistema de
construção e disseminação da confusão,
elemento chave na arquitectura do sistema de domínio, de influência ideológica.
Estou em crer que o furacão Syriza, bem como as inflamadas reacções de
antagonismo que desencadeou (antídotos imateriais), concorre para facilitar a
compreensão do hodierno modo de produção do pensamento político. Proporciona a
dilucidação do como se opera a produção e comercialização da opinião que se vai
cristalizando como Verdade absoluta comum, como certeza ideológica de um tempo
e de um espaço societal, que até o passado dia 25 de Janeiro se supunha poder garantir
a perpetuação de resultados eleitorais convenientes, aceitáveis, moderados,
respeitadores da ordem estabelecida e, por isso mesmo, inócuos. Trata-se do
essencial mecanismo de produção de bens imateriais de carácter
ideativo-simbólico-ideológico. Decisivo factor de dominação. Os agentes dessa produção
(empreendedores do imaterial) são les
doxosophes que Pierre Bourdieu lucidamente caracterizava já na recuada
década de 70 do século passado. Personagens que desfilam em écrans, em páginas
de jornais, revistas, livros ou sobre a forma de ondas hertzianas actuando a uma
só voz. Constituem o imenso coro dos comentadores, dos fazedores de opinião,
dos “especialistas”, dos “pensadores” em voga. Carnavalesco morganho de criadores
de máscaras. Le doxosophe (o doxosofo) é o malabarista das meias
verdades com que se constroem as mais puras mentiras; é, como bem escreveu
Bourdieu, o especialista da aparência, «erudito aparente e erudito da
aparência», actuando em terreno «onde a aparência serve sempre as aparências».
É o instituir do primado da mentira em que se alicerça a confusão “legitimadora” e garante essencial de uma dominação, de um
sistema de pensamento único, do “não há alternativa”, de uma farsa democrática
que mascara uma real oligarquia.
Mais grave do que tudo é o menosprezo
pela Vida, atitude que é primeira fonte do Mal, maiusculizado por ser extremo.
A frase “sinto muito pelos gregos;
elegeram um governo que se comporta de modo irresponsável”, ontem proferida
por Wolfgang Schäuble, constitui um marco ético-político histórico, ficando na
memória colectiva como expressão simbólica desse desamor à Vida protagonizado
por um bando de líderes europeus responsáveis pela política que deixou mais de
um milhão de cidadãos gregos sem assistência médica, que deixou 300 mil
famílias a viverem sem electricidade no meio da grande civilização do velho
continente – assim transformada em selva --, que sem escrúpulos lançou na
pobreza milhões de seres humanos e que face à evidência dos danos tem o supremo
descaramento imoral de querer prosseguir com a política semeadora de sofrimento
humano.
O vergonhoso ultimato de ontem,
feito com a cumplicidade dos governantes socialistas (note-se bem), é o prenúncio
do fim da União Europeia assente nos princípios do humanismo, na democracia, na
solidariedade entre os povos. Para quem neste momento detém a vara do mando, na
cúpula da EU, a prioridade máxima é garantir a perpetuação das estruturas de
dominação geradoras de uma distribuição desigual da riqueza. Um eventual sucesso
do Syriza seria demonstrativo da existência de alternativas emancipadoras.
Verdade insuportável.
Se o governo do Syriza for
derrotado e não conseguir pôr fim à política austeritária de regressão civilizacional, a extrema-direita neonazi
irá mudar a Europa.
Avizinham-se tempos
perigosíssimos. Avoluma-se a ameaça de nova vaga totalitária.
João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 17 de Fevereiro,
terça-feira de Carnaval, de 2015
"As eleições podem servir para mudar, mas nunca para transformar. Podem admitir-se alterações no sistema mas jamais mutações do sistema. Na óptica do Poderio, as eleições, no essencial, têm que ser instrumento de conservação. Só assim são aceitáveis."
ResponderEliminarO povo Grego abriu a porta, agora nada ficará como antes!