NOTA: No seguimento dos trágicos acontecimentos ocorridos em Paris
no passado dia 7 de Janeiro foram proibidas algumas manifestações islamofóbicas
convocadas por organizações da extrema-direita neonazi. Ao tomar conhecimento
dessas proibições redigi um artigo de opinião destinado a ser publicado num
jornal de referência. A coincidência com as eleições na Grécia obstou à
publicação do referido artigo na edição em papel. Embora algumas manifestações tenham voltado a ser autorizadas, a questão de fundo, uma reflexão filosófica sobre a Liberdade e a expressão da opinião, mantém toda a actualidade. É esse texto que agora aqui se
publica.
A ameaça do antiterrorismo
Que o terrorismo em curso é uma
ameaça à nossa civilização parece ser coisa evidente; mas admitir que o
antiterrorismo possa ser igualmente ameaçador já é bem menos evidente.
Na Alemanha, a proibição de uma
manifestação do Pegida (movimento de extrema-direita), convocada para dia 19 de
Janeiro, foi justificada pelas autoridades estatais por «receio de atentados
terroristas». Horas depois, em França, foi anunciada proibição semelhante,
sendo que a justificação dada pelas autoridades francesas é mais ampla,
referindo que «a manifestação projectada não tem por objectivo apelar à
condenação dos actos terroristas recentes mas inscreve-se claramente numa
lógica islamófoba»(PÚBLICO online, 18/1/15). É esta, na óptica das autoridades,
uma razão acrescida para o impedimento da manifestação.
Estas proibições, decretadas em
dois dos principais países europeus, abrem um precedente que se me afigura muito
preocupante. Espanta-me, por isso, observar sinais de regozijo em pessoas de
esquerda, bem como, em geral, naqueles que se dizem democratas. Deviam mostrar
inquietação tão grande ou maior do que a minha.
A partir deste momento, como se
pode ver, a declaração policial de existência de risco de atentado terrorista “legitima”
a suspensão do direito de manifestação, liberdade fundamental em que se estriba
o exercício da cidadania. O que parece uma medida em defesa da Liberdade é, de
facto, um procedimento limitativo da Liberdade, lesivo do seu exercício.
Suspende um essencial direito constitucional. É isto admissível? Não, não é.
Por esta via o antiterrorismo está a atacar um princípio civilizacional e a
ser, também ele, ameaça à civilização. Porventura ainda mais preocupante é
escutar o silêncio das elites.
A notícia das proibições deve ser
associada a uma outra: a de que 42% dos franceses considera deverem evitar-se «ofensas
ao Profeta Maomé», como a 1ªpágina da última edição do Charlie Hebdo. Ou seja,
consideram dever praticar-se a autocensura como forma de combate ao terrorismo
islâmico. Não é isto combater uma ameaça à civilização com outro tipo de ameaça
a essa mesma civilização?
Vão ecoando com maior intensidade
opiniões como esta: «Não deve haver liberdade para os inimigos da liberdade».
Ameaçador. É assim, sempre assim, envergando o disfarce de amigo da liberdade,
que o inimigo da liberdade se insinua. Típica opinião “terrorista”, se assim me
posso expressar, por atentar contra a liberdade de expressão.
Temo que o recrudescimento da
ameaça terrorista cause alteração no concebimento colectivo da Fraternidade,
elemento essencial do Brazão intelectual, político e moral da civilização. Alteração
que é deturpação. A fraternidade – bem como a solidariedade ou a tolerância que
lhe estão associadas – tem que se manter na esfera do universal. É símbolo
universal. Um património cultural de que não nos podemos apropriar com o
objectivo de satisfazer interesses europeus, conveniências locais. Nesta nossa
Europa a Fraternidade não pode nem deve ser construída contra o exterior, seja
ele o mundo islâmico ou outro qualquer. Fazê-lo é estar a destruir um símbolo
civilizacional, património da Humanidade, esvaziando o significado da divisa “todos
os homens se tornam irmãos” que preside ao beethoveniano hino europeu.
João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 20 de Janeiro de 2015
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