Assistimos nas últimas horas ao
ressuscitar da polémica dos mortos de mérito e da legitimidade de acesso ao
Panteão nacional. Até se viu, na própria hora das exéquias de Eusébio, alguns
virem a terreiro agitar a bandeira dos seus mortos, declarando merecerem estes
maior veneração do povo lusíada do que esse outro que por aí tinha andado a
correr atrás de um objecto esférico. Cada um tem os seus mortos, e para quase
todos os seres humanos o que é seu vale mais e é melhor. Mas convenhamos ser no
mínimo impróprio, e até deselegante, vir proclamá-lo publicamente no preciso
momento em que o morto de muitos outros é sepultado.
O culto do morto, e em particular
do morto que em vida protagonizou acção exemplar, é elemento constitutivo do
mais profundo da essência humana. Na história da vida, essa atenção substitutiva
de uma aparente pretérita indiferença é, em si mesma, coisa fundadora do humano,
da humanidade do homo. Evidente, por
isso mesmo, porque o acto nos humaniza, a necessidade de atender ao morto, e,
em particular, ao que antes foi ilustre vivo. Mas será um Panteão a forma mais
inteligente de o fazer? E será a mais eficaz? Contribuirá de facto para o
efectivo conhecimento dos méritos do tumulado? Para um aproximar referencial? Quantos
cidadãos portugueses visitaram o Panteão? Quantos sabem quem lá está sepultado?
Qual a percentagem dos que sabem onde se situa o dito Panteão? E não estará um
Panteão inevitavelmente refém da ideologia dominante, sendo por isso,
inevitavelmente, um factor discriminatório? Como estabelecer critério objectivo
de escolha dos mortos de mérito? Não sei se confesso imperdoável piáculo ou
vergonha inapagável, mas em respeito pela pura verdade devo dizer não possuir memória
clara de alguma vez ter posto o pé no interior do nosso Panteão.
Seja-me permitido o atrevimento de
lembrar a alguns ilustres colegas intelectuais o seguinte:
Quando um ser humano consegue
exercer a profissão que abraçou em vida com grau de excelência que dele faz um
dos melhores em toda a história dessa actividade, afigura-se-me ser isso facto merecedor
de admiração, quanto mais não seja pela invulgaridade;
Quando um ser humano consegue, com
seu engenho e arte, semear felicidade na alma de milhões de outros seres
humanos, parece-me isso merecer veneração;
Quando um homem, ao longo de toda
uma carreira profissional, exibe comportamento exemplarmente bondoso, ao ponto
de se tornar um paradigma daquilo a que gosto de chamar bondade desportiva, creio
ser isso merecedor de particular estima.
Foi isto que Eusébio conseguiu em
vida. É isto que justifica que nos curvemos perante a sua figura, prestando digna
homenagem ao morto.
Caxias, 7 de Janeiro de 2014
Concordo consigo, mas...
ResponderEliminaracho tudo isto tão excessivo...
Prezado Rogério Pereira,
ResponderEliminarTambém eu acho excessivo. Não viu ontem? Durante mais de 45 minutos os noticiários televisivos só noticiaram uma notícia: a da atribuição da bola de ouro a CR7! Pode chamar-se a isto jornalismo?
Obrigado pelo comentário.
Muitas vezes não entendo e não concordo com Pacheco Pereira, mas há duas semana na Quadratura do Círculo, foi claro e brilhante, explicando o Panteão e a ideia republicana.
ResponderEliminarEstão lá figuras maiores e menores.
E outros que lá deviam estar.
Não há um critério claro e entendível.
Sem complexos de popular ou de intelectualismo, honrar portugueses ilustres é ter memória.
Locais onde isso deve ser feito, não será difícil determinar ou criar.