Ando pouco por estas ruelas virtuais da modernice
facebookeira, sem que esse relativo distanciamento represente desestimação por
este meio informático disponibilizado pelo progresso tecnológico, antes pelo
contrário. Apenas temo a dispersão que possa gerar -- factor inimigo do
autêntico filosofar, por mim obrigatoriamente estimado. Só que desta vez, na
minha breve passagem por aqui, topei a discordância entre dois distintos Amigos:
o Eduardo e o Mário. O Eduardo Cintra Torres e o Mário Carvalho. Essa real, e
já não virtual, proximidade afectiva que, confesso, se estende ao objecto da vossa
desinteligência, acende em mim a vontade de meter a colher, opinando também.
Será que posso? Supondo dada a permissão, salto para dentro da vossa
controvérsia por me apetecer dizer-vos duas coisas que são, no fundo, duas
confissões que talvez venham a propósito no centenário de Cunhal agora em comemoração.
Primeira: lembram-se do livro “O Partido com paredes de vidro”? Quando foi
publicado, no Verão de 1985, o mundo ainda estava dividido, física e
simbolicamente, por um muro situado (cravado) no coração da Alemanha. Não sei
se o leram. Mas se o fizeram, adivinho que o acto de leitura tenha ocorrido do
lado ocidental do citado muro. Tal não foi o meu caso. Li-o do lado de lá. Do
outro lado, o lado leste, dessa histórica divisória do mundo. E li-o com genuíno
entusiasmo, como ainda hoje se pode perceber olhando para o tipo de anotação
que fui inscrevendo nas páginas do meu exemplar. Sabem o porquê desse
entusiasmo? É que essa obra era completamente subversiva naquele contexto
nacional, no seio daquele país germânico entretanto desaparecido sob os
escombros do dito muro de má memória, também dito “da vergonha”. Não exagero na
terminologia, acreditem. Era prosa subversiva, é a exacta adjectivação, por
mais que vos possa causar espanto. O livro só não foi objecto de censura devido
ao nome que transportava na capa. O nome do autor tinha demasiado peso para que
tal fosse possível. Pois é, meus caros Amigos. Não constituirá isto, por si só,
prova inequívoca de uma discordância cunhalista em relação ao socialismo real? Como
combinar esse sério olhar crítico de um homem singularmente inteligente,
sensível e politicamente perspicaz com frases como a do “Sol da Terra”, por vós
referida? Se não erro, isso torna a coisa ainda mais interessante e, por isso
mesmo, digna de atenção de estudioso, concorrendo do mesmo passo para tornar
ainda mais insuportável o sempre medíocre discurso simplista, ou simplificador,
monotonamente gerado ora pelas inesgotáveis fontes do anticomunismo primário,
ora pelas não menos inesgotáveis do proselitismo comunista, correntes que no
fundo se irmanam, desaguando na torrente comum da superficialidade, do
barbarismo, da mediocridade, da desonestidade intelectuais. O José Pacheco
Pereira tem dado nobre exemplo de atitude de sinal contrário; ou seja, de
elevação intelectual. E desse modo tem posto em evidência uma interessantíssima
complexidade. Se não formos capazes de assimilar essa complexidade, nada
conseguiremos perceber sobre a figura histórica, sobre o seu pensamento e
acção. Segunda coisa. Segunda confissão. A vida é feita de cruzamentos
interpessoais, natural efeito da natureza social do bicho humano. E nesse
constante jogo de cruzamentos s de variegada índole sempre desejei, desejo e
desejarei encontrar no meu caminho pessoas (note-se que nem todos os humanos
chegam a adquirir o estatuto de pessoa) pessoas como esse Álvaro que está na
origem da vossa discórdia actual, de Facebook. Porquê? Por serem pessoa extraordinária.
No sentido literal do termo, sem encómio, sem intensão panegírica. Ou seja, o
serem extra-ordinários, não vulgares. Álvaro Cunhal era desde logo isso mesmo,
a negação da vulgaridade. Por isso, jamais conseguia passar despercebido no
meio de uma multidão – exceptuando os casos em que, por imperativo de
clandestinidade ou outro qualquer, recorria ao disfarce. Renovada prova da
veracidade do meu dizer sobre a singularidade da sua presença social. E quem
isto vos confessa guarda privilégio de que nem o principal biógrafo, o historiador,
dedicado e competente estudioso, José Pacheco Pereira, se pode vangloriar: o de
ter podido conhecer pessoalmente, e razoavelmente bem, a pessoa singular que
aos três aqui nos trouxe ao diálogo.
terça-feira, 12 de novembro de 2013
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Bem se pode vangloriar... lido o seu texto e sendo, também, mau "faicekooquiano" sou desconhecedor da polémica referida. Se JPP é um biógrafo que a vida de Álvaro Cunhal merecia, também não estou em condições de ajuizar... Mas seu texto, todos os textos, são de merecer a atenção. Feliz lembrança a do meu Partido em os fazer saltar para a ribalta de um povo empobrecido... O "Centenário" podia até ser outra coisa, mas sendo o que é cumpre um papel de utilidade indiscutível...
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