Quando a chama da batalha político-ideológica
se aviva no âmago da vida de uma sociedade, como agora acontece no nosso espaço
pátrio, logo se vê aparecer, bem oleada, generosamente carregada de munições e
empunhada com firmeza, a arma ideológica
da confusão – assim a denomino.
Sendo apetrecho imaterial, as
balas que dispara são também elas de natureza não material. Mas desenganem-se
os que pensam serem tais projecteis menos danosos. Eles ferem com gravidade,
causam sofrimento, semeiam morte. Só que esses efeitos não se repercutem directamente
no corpo físico, senão que sobre a estrutura mental, pelo que são bem menos
perceptíveis – primeiro factor de sofisticação. Não desmoronam edifícios (de
modo directo). Actuam antes, e com tremenda eficácia, na esfera da arquitectura
mental, demolindo ideações incómodas para o poderio que controla o uso da arma.
Os disparos, como os de qualquer outro armamento, provocam alterações no alvo, mas
o resultado é qualitativamente diverso. É de uma complexidade muitíssimo maior,
porque a sua acção destrutiva é simultaneamente construtiva. Aí reside
a essência da sua enorme sofisticação. Abate uma forma imaterial (não
importando aqui a sua consistência cognitiva) para em seu lugar edificar nova
forma, nova arquitectura mental: a da ilusão
conveniente. O cimento de tal construção chama-se mentira.
Talvez a área disciplinar em que,
na actualidade, tais efeitos se têm manifestado com maior exuberância seja a da
economia que, ao invés do que nos é inculcado como crença – logo aí se sentindo
o impacto das balas da confusão – é, no essencial, sempre política; é economia
política.
Apenas um exemplo: a ideia de que
os tão badalados mercados funcionam na perfeição, obedecendo a leis científicas.
Esta ilusão é esculpida pela arma ideológica da confusão. Dá jeito que o
cidadão acredite na cientificidade, rigor, eficiência, neutralidade dos
mercados. A falsidade é disfarçada por complicados modelos matemáticos,
arrevesadas conceptualizações ou puras mentiras transmitidas por mediáticos “especialistas”
avençados, exímios na prestidigitação construtora de aparências científicas. É o ilusionismo económico, parcela da
enorme cadeia de produção ideológica de ilusão.
Por cá, o caso mais actual e
exemplificativo do uso da arma ideológica da confusão é o “drama” iniciado com
as eleições de 4 de Outubro. Dia após dia fomos assistindo a novos episódios,
em empolgante crescendo de tensão dramática. Um batalhão de comentadores
dispara a sofisticada arma em todas as direcções, firmando na mente do cidadão
comum uma mentira essencial consubstanciada na ideia de que há terríveis
dificuldades, problemas sem solução à vista, tudo por efeito do desmoronamento da
“tradição” intocável, bem como do esplendoroso “arco da governação”, estando o
país a resvalar para o pântano da ingovernabilidade por ter saído do único
trilho conducente à salvação.
Foi no meio deste reboliço que de
súbito soou voz firme, portadora de um límpido discurso racional desconstrutor
da confusão. A voz dum candidato a Presidente da República(PR): Sampaio da
Nóvoa. De forma exemplarmente concisa, rigorosa e clarificadora veio ele
recordar a existência de um texto intitulado Constituição, na base do qual se percebe, com facilidade, se for
lido, que afinal o drama não passa de pura ilusão criada -- digo agora eu --
pela subtil arma ideológica da confusão.
A preclara intervenção de Sampaio
da Nóvoa, na sua dimensão de facto político, fornece relevantes indicações para
quem sobre ela queira reflectir. Enuncio algumas: 1) as próximas eleições
presidenciais são de excepcional importância para o futuro imediato do país,
devendo inaugurar novo ciclo político; 2) o próximo PR não pode estar refém de
vínculos partidários, devendo ser personalidade verdadeiramente independente,
de modo a melhor servir no esforço construtivo de entendimentos; 3) o PR deve
ser alguém que perceba a diferença entre a discussão política na esfera
partidária e a discussão política na esfera presidencial; 4) a nossa
Constituição é uma das melhores do mundo, nomeadamente na definição do papel do
PR e da sua articulação com o Parlamento, e é indispensável ter em Belém quem a
estime; 5) estamos perante a urgente necessidade de uma mobilização cidadã a
que a presidência da República pode e deve dar enérgicos incentivos.
A confusão obscurantista tem que
ser combatida através do cultivo da lucidez crítico-racional. Mas fazer com que
a vara do mando não permaneça nas mãos dos amigos da confusão também faz parte
desse combate. Os tempos de mudança, como este nosso presente, comportam
riscos, é certo; mas têm o mérito de despertarem fortes vontades criativas e
“saudades do futuro”.
João Maria de Freitas-Branco
Caxias, 6 de Novembro de 2015
Caxias, 6 de Novembro de 2015
NOTA: Este texto destinava-se a ser publicado numa coluna de opinião de um jornal nacional de referência. A alusão, expressa e elogiosa, a um dos candidatos à presidência da República poderá, eventualmente, ter estado na origem da não publicação na altura e no local previstos. É esta a única razão que motiva o atraso na sua colocação nesta página.
Sem comentários:
Enviar um comentário