domingo, 15 de julho de 2012
Desafiar as crenças para viver melhor
Quando o actual governo iniciou a sua actividade, pondo em prática uma política de austeridade em que os que têm menos pagam mais e os que têm mais pagam menos, apressei-me a declarar publicamente que essa acção governativa representava o fim da 2ª República portuguesa (que para alguns é a terceira, por considerarem que o Estado Novo foi a segunda, denominação que não considero correcta em face do carácter ditatorial do Estado Novo e, consequentemente, da negação dos princípios republicanos nele implicados). Fiz essa afirmação e mantive-a por estar convicto da inconstitucionalidade das medidas aplicadas. A austeridade, apresentada como única solução, viola o espírito da Constituição da 2ªRepública nascida da revolução de Abril de 1974. O governo da Nação passou a actuar na pura ilegalidade, desrespeitando a lei fundamental do país. Agora, a minha opinião está já parcialmente confirmada pelo Tribunal Constitucional.
Antes das últimas eleições fui mais longe na minha apreciação crítica da situação política. Declarei que o acto eleitoral, tal como está a ser realizado no seio da nossa democracia real, não me merecia consideração e que o resultado das eleições não é respeitável à luz dos próprios princípios fundamentais da Democracia. O governo real não representa a maioria do eleitorado; ao invés do que sempre se afirma, não está legitimado por um voto maioritário e a política que põe em prática não corresponde à vontade expressa da maioria dos cidadãos. A isto acresce o facto, público e notório, de o programa eleitoral, que se supõe ter estado na base do voto (da escolha) do cidadão eleitor, não corresponder ao programa do governo. O que se promete fazer não corresponde ao que na realidade se faz. Essa dessintonia entre programa eleitoral e acção governativa subverte toda a lógica do sistema democrático, transformando as eleições numa fraude e retirando-lhes a dimensão de instrumento ao serviço do cidadão. O cidadão vai deixando de ser o verdadeiro condutor da sua existência. O poder concentra-se nas mãos de grupos minoritários não raras vezes ocultos, operando sem o conhecimento do cidadão. A democracia real é assim uma farsa cada vez maior. A ideia de que o sistema vigente, a democracia real (esta que temos), é o garante do poder do povo, não passa de uma crença convencional.
O mais grave é que isso está a pôr em causa a sobrevivência da nossa civilização. A barbárie volta a espreitar de forma ameaçadora. É por isso urgente reagir. O pior inimigo é, como sempre, a indiferença, a desistência de intervir, a resignação ditada pela inércia ou pelo medo. Não podemos deixar de ser cidadãos praticantes.
Estou convencido de que a forma mais eficaz de defender os valores da civilização neste momento histórico, e ao longo das próximas décadas, consiste em sermos capazes de desafiar as crenças convencionais -- políticas, económicas, sociais, culturais, religiosas. O empreendimento humano mais bem-sucedido chama-se Ciência. Facto historicamente exuberante. A melhor forma de lançar o desafio aqui proposto é alargar o espírito científico, fazendo com que a atitude científica seja aplicada a muitos mais domínios. Essa atitude consiste em cultivar de modo sistemático o cepticismo criativo ou, dito com maior rigor, o racionalismo crítico-dubitativo-criativo, adicionando-o à nossa natural sede de conhecimento. A crença amplia o nosso grau de dependência, enquanto o criativo cepticismo crítico desenvolve a nossa independência. É por isso que a permanente construção e preservação da Liberdade passa por aí.
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