Pesquisar neste blogue

sábado, 29 de janeiro de 2011

Que democracia?

Pobre e triste início, o do saudado Ano Novo. Deprimente. O emagrecimento do Estado social, com a efectivação dos cortes salariais, do congelamento das pensões de reforma, do aumento do desemprego e da dívida, parecia já ser o bastante. Mas não. Achou-se por bem adicionar a isso uma campanha eleitoral política e intelectualmente indigente que desaguou na eleição de um candidato que insistiu em exibir a sua mediocridade provinciana, o seu conservadorismo serôdio, a sua moralidade duvidosa, derramando sobre o eleitorado um generoso chorrilho de banalidades discursivas e inundando-nos de vulgarismo. Se a democracia é o poder do vulgo parece lógico que os triunfadores exibam vulgarismo. Mas poderá isso tranquilizar-nos? Será que querendo exercer a nobre cidadania podemos permanecer numa indiferente passividade? Ao longo de toda a campanha, para honrar os hábitos em voga no seio da hodierna família democrática, imperou, uma vez mais, o modo sofístico de fazer política, a prestidigitação ou violação retórica, a manipulação ideológica e emocional que instila crenças falsas, ou quase sempre falsas. As escassas excepções confirmaram esta regra de procedimento. Tudo isto prolifera em detrimento da séria argumentação racional. Esta não passa de um disfarce daquela. Ou seja, a prestidigitação manipuladora apresenta-se e actua sob o disfarce de persuasão racional. Assim disfarçada de racionalidade séria, vai gerando ruído, confusão, logro; elementos em que se vão alicerçar as crenças convenientes. Constata-se assim que nesta democracia real a persuasão racional, único procedimento intelectualmente honesto, vê-se sistematicamente espezinhada pela persuasão sofística, ludibriante e manipuladora, intelectualmente indigna. O cidadão eleitor é flagelado com asserções políticas cada vez menos obedientes aos cânones, universal e legitimamente reconhecidos, da cogitação racional. Uma insanidade corrosiva do melhor espírito democrático e inevitavelmente conducente ao desastre político-civilizacional. A endeusada democracia real vai decaindo. Ao ponto de já se negar a si própria. Atente-se no caso concreto das últimas eleições: o eleito é eleito por uma minoria e não pela maioria. Esta absteve-se, votou em branco ou anulou o voto, em claríssima manifestação colectiva de protesto e desinteresse. Qualquer coisa como 60% do eleitorado. O vencedor triunfou com cerca de 25% dos votos do eleitorado e, causando surpresa (ou talvez não), apressou-se a declarar exuberantemente que tinha obtido «uma grande vitória democrática». Então, afinal de contas, uma “grande vitória democrática” é a obtenção do voto minoritário. Nesta democracia real em que vivemos a opinião da maioria não prevalece. Curiosa e paradoxal metamorfose. A democracia real, esta que temos no nosso aqui e agora, é cada vez mais uma democracia contra o povo. Será isto o que queremos? Será isto o desejável?

2 comentários:

  1. Pois, meu caro, isto está a ir pela rua da amargura

    ResponderEliminar
  2. João Bettencourt de Sousa2 de fevereiro de 2011 às 20:39

    A formula democrática usada no acto eleitoral faz lembrar em tudo, o famoso referendo, inicial, sobre a "Lei do aborto" Onde a tendência legítima se apresenta, na Matriz, castrada dos seus mais válidos Princípios;
    Numa abstinência mais permissiva, pela passividade, que qualquer outro manifesto válido, perdem-se os Valores da hierarquia da prevalência pela raiz mundana do ócio e do facilitismo, ordinário, onde o axioma mais útil e determinante é lapidado pela negativa e invertido na função...
    Paralelamente são esbanjadas verbas numa propaganda oca e de maus costumes em forma de sarcasmo hilariante, qual gás-nervoso, às endorfinas do eleitorado; Grandezas avulso e sem escala onde a Classe dos números expressa a infâmia. Usar microns para medir estradas ou Quilómetros para bactérias será o mesmo que o manuseio do estetoscópio, para ouvir música ou luvas de boxe para concertar relógios...
    Uma sucessão de actos sem ponderação, desinteresse ou validade, excepto pelo vigor das consequências, sobrepostas a qualquer primazia Ética.
    Fazer alardo público duma vitória, qualquer, pela ausência do manifesto sintoniza-se na mesma frequência que a festa possivel pela "não geração", "não vida" ou "não existência", "não Bem"... "não Verdade"...
    Toda uma condução pragmática e obscura que sacia os objectivos pessoais e temáticos em detrimento do Bem-Maior que funções específicas, deveriam acarretar.
    Parece que cada Povo tem os lideres que merece, e aqui o retorno na "sua Lei" até teria sentido, reiterando-o... face a uma passividade massiva cujo esclarecimento e declaração da indulgência só adquirirão validade, nos actos.

    ResponderEliminar