Ou muito me engano, ou a nossa segunda República chegou ao fim. Esgotou-se. O momento é de mudança. O deplorável espectáculo parlamentar das últimas horas é disso acrescida demonstração. As irracionalidades, o despautério ético, a desvergonha multiplicam-se. O episódio da errata do Orçamento de Estado, dando conta de um erro tão grosseiro quanto caricato, foi um dos últimos episódios desta saga. O último, que traduz bem o decaimento ético da actividade política, foi o discurso propagandístico do ministro Augusto Santos Silva, em representação do Governo, no encerramento da sessão parlamentar para votação do Orçamento do Estado hoje ao fim da tarde, discurso esse em que chegou ao ponto de declarar que «a acção em prol da saúde financeira do Estado é uma marca do Governo». Será que ouvi bem?
Não se pode aguentar por muito tempo uma situação, como a actual, em que, com justificada razão, o cidadão deixou de ter a mínima confiança nos responsáveis pela governação, bem como pelas próprias instituições que deviam cuidar do país. Do governo aos tribunais, passando pelo parlamento, nada é credível. O cidadão comum olha para os responsáveis políticos com crescente desconfiança, sendo que para muitos, o termo político já é sinónimo de trafulha.
Pedro Passos Coelho, o líder político emergente, não mostra ter percebido que a realidade lhe está a oferecer de bandeja a grande oportunidade de se afirmar como estadista salvador, prestigiado, aglutinador de ampla base social de apoio. Parece que para isso só lhe falta uma coisa: as qualidades. E quais são elas? Que qualidades se exigem ao próximo primeiro-ministro? Classe, decência, elevação moral e intelectual, carisma, talento de líder. Neste momento crucial, já é secundário o ser de esquerda ou de direita; importante, sim, é ser-se de cima e não de baixo. É não pertencer ao grupo dos políticos eticamente indigentes. Isso, sim, é necessário. Urge que apareça alguém capaz de arrumar a casa semeando seriedade, conferindo dimensão ética à acção governativa. Estão criadas as condições para a materialização de um entendimento entre vários sectores políticos tendo em vista a execução de um programa sério de combate à irracionalidade do despesismo público, de incentivo ao aparelho produtivo nacional e de combate à pobreza. Mas, ao que parece, continuamos enleados numa velha dificuldade assinalada pela lucidez queirosiana: a falta de pessoal.
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
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