Houve quem manifestasse estranheza pelo facto de o funeral do maestro José Atalaya ter decorrido no cemitério de Barcarena, no concelho de Oeiras, na passada quinta-feira (25-02-2021). Esse estranhar só pode derivar do desconhecimento da longa relação de José Atalaya com Oeiras e que aqui evoco de forma muito breve e resumida.
Foi em Paço de Arcos, vila do Município de Oeiras, nos recuados anos 40 do século passado, que o jovem José Atalaya viveu uma parte do acontecimento que por completo transformou a sua vida: o encontro com o compositor Luís de Freitas Branco, meu avô paterno. Esse encontro foi a causa da radical decisão de se dedicar à música, abandonando a engenharia que então cursava – e que curiosamente é hoje abraçada pelo seu filho Luís (homónimo do Mestre).
Embora o início dessa decisiva relação pessoal tenha ocorrido no Alentejo, no Monte dos Perdigões, em Reguengos de Monsaraz (propriedade que no século XVI pertenceu a um ilustre antepassado do compositor, Frutuoso de Góis, meio-irmão do célebre humanista renascentista Damião de Góis), a verdade é que a relação que tão profundamente influiu na formação e na definição do rumo profissional de José Atalaya se prolongou e intensificou nesses arredores da capital onde Luís de Freitas Branco viveu nos últimos anos da sua vida, mais precisamente na “Vivenda Stuc”, em Paço de Arcos. Atalaya foi um dos mais assíduos participantes nos longos convívios que aí eram promovidos pelo anfitrião e que se traduziam, na prática, numa espécie de universidade informal que estimulou intelectualmente várias das principais figuras da cultura musical portuguesa de uma geração, como foi o caso de Joly Braga Santos ou o de Fernando Lopes-Graça. (Para mais informação sobre o funcionamento desse peculiar espaço de formação artístico-intelectual veja-se o meu livro Luís de Freitas Branco – O intelectual em Paço de Arcos, Mazu Press, 2019.)
Mais tarde, foi também em Oeiras, com o forte apoio do presidente da Câmara, já então Isaltino de Morais, que José Atalaya realizou durante longos anos os relevantes ciclos da “Música em Diálogo”, um dos seus importantes contributos para a divulgação da melhor música erudita e que foi também uma valiosa forma de apoio à carreira de vários artistas portugueses. Esta iniciativa, enriquecedora da vida cultural do município de Oeiras, e em que tive o gosto de participar múltiplas vezes a convite generoso do seu Autor, contou com o incondicional apoio da Câmara Municipal de Oeiras (CMO), corporalizado na actuação de profissionais muito competentes e habilitados, como Carlos Pinto, abnegado funcionário do sector da Cultura da CMO. Mas a esse amparo institucional adicionava-se um outro apoio, mais íntimo, mais constante, mais essencial que por isso se constituía como preciosíssima ajuda, mas pouco visível, ou até mesmo invisível aos olhos do público: a colaboração da Linda, mulher de José Atalaya. Na realidade, ela foi uma co-autora da “Música em Diálogo”. Facto que aqui quero realçar por considerar ser justo fazê-lo, mas também, e principalmente, por ser modelar exemplo da materialização de uma harmoniosa cumplicidade de interesses culturais e de paixões artísticas na qual se tecia, se consolidava e se expressava uma das mais bonitas relações conjugais que pude presenciar ao longo da vida. A linda relação do José com a Linda.
Os saudosos sábados de diálogos musicais em Oeiras foram o benefício cultural dessa invulgar cumplicidade conjugal agora por mim evocada como homenagem ao Amigo que partiu e como afectuosa reverência à Amiga enlutada.
Não tenho dúvida de que os munícipes de Oeiras estão agradecidos, e creio ter deixado aqui esclarecida a coerência da escolha do cemitério oeirense de Barcarena como local de realização do funeral do meu bom Amigo José Atalaya.
João Maria de Freitas Branco
Caxias, 27 de Fevereiro de 2021
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