O ininterrupto combate político-cultural contra o
totalitarismo, entendido como designativo genérico de todo o tipo de
organização do viver humano colectivo que promova a extinção da Liberdade e
Igualdade, esse combate, antitotalitário, atravessa neste momento uma fase de
acelerado aumento de intensidade. Para que a acção dos tutores da Liberdade
seja consequente, tanto no plano teórico como prático, entendo ser necessário
assimilar dois ensinamentos essenciais legados pela história recente: 1) desde
a queda do muro de Berlim, em 1989, os agentes do totalitarismo alteraram o
método de intervenção; 2) o militantismo de agitação e propaganda (característico
do antifascismo novecentista) não só perdeu eficácia como se tornou
contraproducente, acabando por favorecer os interesses dos organizadores do
totalitarismo.
O que se passou no Peru logo após o acontecimento que
encerra o “breve século XX” (o fim do muro de Berlim), com a rápida ascensão ao
poder de Alberto Fujimori no quadro de uma profunda crise económica, parece-me
constituir um marco histórico que assinala a referida mudança metodológica. Já
não foram os tanques nem os homens fardados empunhando armas que mataram a
democracia. Já não era essa a forma mais conveniente e eficaz. Emergiu então
uma forma de acção muito mais complexa, mais subtil, politicamente mais
sofisticada. Tem ela a enorme vantagem de parecer ser inofensiva para a
Liberdade e legítima, principalmente num momento de colapso económico com
profundas consequências sociais, como se verificou no final da década de 1980, durante
a presidência de Alan García. Esse novo método permitiu subverter a democracia peruana
sob a bela capa de uma legalidade democrática. É a demolição aparentemente
democrática da democracia. Uma forma “limpa”, por oposição à forma “suja”
característica do que era o tradicional golpismo militarista. Tem a acrescida
vantagem de ser um processo gradual, e por isso menos visível, mas que não
deixa de ser célere. No caso peruano, bastou pouco mais de um ano para que um
cidadão pouco conhecido, um académico de ascendência japonesa, se tornasse
ditador, tendo derrotado um adversário que era celebridade mundial: o aclamado
escritor Mario Vargas Llosa. No dia 5 de Abril de 1992 Alberto Fujimori pôde anunciar
publicamente a dissolução do Congresso e a anulação da Constituição. A
democracia peruana estava destruída por efeito de uma acção urdida na penumbra
sob a máscara de uma normal legalidade democrática. A essa invisibilidade não
foram nada estranhos alguns personagens também eles inicialmente bastante pouco
visíveis, com destaque para Vladimiro Montesinos, um consultor presidencial que
era (e ainda é) um perigoso deficiente moral – personagem típico indispensável
à construção e conservação do totalitarismo.
O que se está a passar neste preciso momento nos EUA e em
outros países deste nosso mundo deve ser seriamente pensado à luz dos
ensinamentos históricos legados pela transformação do modelo táctico que o citado
caso peruano exemplifica de forma modelar. Isso contribuirá para o assumir da
consciência plena da ameaça real que paira sobre nós.
Quanto ao segundo ensinamento, limito-me a chamar a atenção
para o seguinte: a atitude costumada de agredir com rótulos, de arremessar acusações
insultuosas, de exibir indignação irritada, de baldear ódio equivalente ao que os
adversários/inimigos políticos utilizam contra nós, não é, ao que me parece, a
forma mais inteligente de combater quem contribui, consciente ou
inconscientemente, para a extinção da Liberdade. A polarização odiosa favorece
o inimigo da Liberdade. Não é por acaso que Donald J. Trump a alimenta
diariamente, deslegitimando e demonizando os seus críticos ou opositores. Em
vez disso, e se não me equivoco, o que o amante da Liberdade tem que fazer, já
e sempre, é intervir pedagogicamente, utilizando os ensinamentos da história
para dar a ver os perigos latentes resultantes da mudança metodológica, da
transformação estratégico-táctica associada à nova acção dos amantes do
totalitarismo.
João Maria de Freitas Branco
Caxias, 6 de Dezembro de 2019
Tive de roubar este texto, principalmente pelo último parágrafo. Vou digeri-lo e redistribui-lo ... com créditos ;-)
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