A Nação comemora o primeiro centenário da República sob a séria ameaça de falência do Estado Português, ao mesmo tempo que a acção governativa provoca um misto de descrença, estupefacção, indignação e revolta. No essencial, a coisa pode resumir-se assim: no seio de uma família numerosa chega-se à conclusão que os recursos financeiros são insuficientes para sustentar o estilo de vida presente e que, portanto, emergiu uma situação de grave crise económico-financeira exigente de urgentes medidas tendentes a reduzir as despesas. A mãe e o pai dessa família, assumindo a condição de chefes do grupo, primeiros responsáveis pelo governo do lar ameaçado, decidem então manter o projecto de compra de um terceiro automóvel de luxo, assim como o hábito de jantar fora várias vezes por semana em faustosos restaurantes e de pernoitar em hotéis estrelados, mas, conscientes da crise, acordam em reduzir drasticamente as despesas de alimentação, saúde e educação dos filhos menores, bem como os gastos com os avós reformados e enfermos. Tomadas estas “corajosas” decisões, os país apreçam-se a anuncia-las à parentela, apresentando-as solenemente como única alternativa à iminente catástrofe financeira, como única solução possível. Apelam por fim à compreensão de todos, ao sentido de responsabilidade e ao espírito de sacrifício dos membros da família. Quanto a um consistente programa de acção para gerar riqueza com base no trabalho produtivo, nada disseram, ao que consta, os chefes da afectada família.
Eis a imoralidade governativa à solta. Eis a desvergonha de quem está refém de inconfessáveis interesses.
À luz da ética, da moral, da justiça social as medidas anunciadas pelo Governo são completamente irracionais. Mas à luz dos interesses do poderio são bem racionais e intencionais.
É este o despautério político que os comentadores de serviço deviam denunciar, mostrando que a solução apresentada pelo Governo não só não é a única possível, como também não é nem a mais justa nem a mais eficaz. Pior. Não chega a ser, no fundamental, uma verdadeira solução. Estranha-se (ou talvez não) que a comunicação social, em particular as televisões, ignore por completo os economistas que apontam alternativas, que propõem outros caminhos, outros desenlaces. Faz-se prevalecer a ideia, falsa, de que existe um consenso cientificamente fundamentado em torno do conteúdo das medidas governamentais.
Do Brasil chegam-nos sinais importantes para o bom pensar da nossa situação presente. Amealho alguns: a extrema relevância da qualidade humana de quem ostenta a vara do mando; ou seja, o valor da presença de seres humanos de categoria no topo da governação. (Os dois últimos presidentes da República Federal do Brasil chamavam-se Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva.) A demonstração de que o combate à pobreza não é incompatível com a diminuição da dívida do Estado. (Entre 1995 e 2010 a dívida foi reduzida para menos de metade – de 26 mil milhões de dólares para 11 mil milhões – e 24 milhões de pessoas deixaram de ser pobres.) O facto de o Brasil ter passado, num período de apenas década e meia, de país do terceiro mundo para o grupo dos países mais desenvolvidos do mundo (nos últimos tempos o crescimento foi de 7%).
Talvez estes sinais nos possam ajudar a estruturar uma acção indignada de transformação da nossa realidade política. O 5 de Outubro, para mais em comemoração de centenário, é um momento propício para pensar a mudança.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Isto está mesmo uma desavergonhada "piolheira"
ResponderEliminarÉ preciso revoltar a família.
Raimundo Narciso