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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Brevíssimo comentário em dia de luto nacional por Eusébio


Assistimos nas últimas horas ao ressuscitar da polémica dos mortos de mérito e da legitimidade de acesso ao Panteão nacional. Até se viu, na própria hora das exéquias de Eusébio, alguns virem a terreiro agitar a bandeira dos seus mortos, declarando merecerem estes maior veneração do povo lusíada do que esse outro que por aí tinha andado a correr atrás de um objecto esférico. Cada um tem os seus mortos, e para quase todos os seres humanos o que é seu vale mais e é melhor. Mas convenhamos ser no mínimo impróprio, e até deselegante, vir proclamá-lo publicamente no preciso momento em que o morto de muitos outros é sepultado.

O culto do morto, e em particular do morto que em vida protagonizou acção exemplar, é elemento constitutivo do mais profundo da essência humana. Na história da vida, essa atenção substitutiva de uma aparente pretérita indiferença é, em si mesma, coisa fundadora do humano, da humanidade do homo. Evidente, por isso mesmo, porque o acto nos humaniza, a necessidade de atender ao morto, e, em particular, ao que antes foi ilustre vivo. Mas será um Panteão a forma mais inteligente de o fazer? E será a mais eficaz? Contribuirá de facto para o efectivo conhecimento dos méritos do tumulado? Para um aproximar referencial? Quantos cidadãos portugueses visitaram o Panteão? Quantos sabem quem lá está sepultado? Qual a percentagem dos que sabem onde se situa o dito Panteão? E não estará um Panteão inevitavelmente refém da ideologia dominante, sendo por isso, inevitavelmente, um factor discriminatório? Como estabelecer critério objectivo de escolha dos mortos de mérito? Não sei se confesso imperdoável piáculo ou vergonha inapagável, mas em respeito pela pura verdade devo dizer não possuir memória clara de alguma vez ter posto o pé no interior do nosso Panteão.

Seja-me permitido o atrevimento de lembrar a alguns ilustres colegas intelectuais o seguinte:

Quando um ser humano consegue exercer a profissão que abraçou em vida com grau de excelência que dele faz um dos melhores em toda a história dessa actividade, afigura-se-me ser isso facto merecedor de admiração, quanto mais não seja pela invulgaridade;

Quando um ser humano consegue, com seu engenho e arte, semear felicidade na alma de milhões de outros seres humanos, parece-me isso merecer veneração;

Quando um homem, ao longo de toda uma carreira profissional, exibe comportamento exemplarmente bondoso, ao ponto de se tornar um paradigma daquilo a que gosto de chamar bondade desportiva, creio ser isso merecedor de particular estima.

Foi isto que Eusébio conseguiu em vida. É isto que justifica que nos curvemos perante a sua figura, prestando digna homenagem ao morto.

Caxias, 7 de Janeiro de 2014

3 comentários:

  1. Concordo consigo, mas...
    acho tudo isto tão excessivo...

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  2. Prezado Rogério Pereira,
    Também eu acho excessivo. Não viu ontem? Durante mais de 45 minutos os noticiários televisivos só noticiaram uma notícia: a da atribuição da bola de ouro a CR7! Pode chamar-se a isto jornalismo?
    Obrigado pelo comentário.

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  3. Muitas vezes não entendo e não concordo com Pacheco Pereira, mas há duas semana na Quadratura do Círculo, foi claro e brilhante, explicando o Panteão e a ideia republicana.
    Estão lá figuras maiores e menores.
    E outros que lá deviam estar.
    Não há um critério claro e entendível.
    Sem complexos de popular ou de intelectualismo, honrar portugueses ilustres é ter memória.
    Locais onde isso deve ser feito, não será difícil determinar ou criar.

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